sábado, 7 de dezembro de 2024

AINDA SOBRE FESTIVAL CULTURAL DE SÃO FRANCISCO

 


No segundo dia, 30, do  Festival Cultural de São Francisco promovido pela  Secretaria Municipal de Cultura teve a apresentação de quatro grupos de quadrilhas  – Arraiá Sagrada Família, Arraiá dos Amigos da Rua A, Arraiá da Alegria; dança de roda do grupo Flores e Cravo de Buriti do Meio, capoeira do Grupo Tok Tok e dança de  São Gonçalo.

Uma atração muito especial foi o Festival de Música de Raiz com cantores da terra.  A classificação e premiação, pela ordem: Domingos Corrêa, José da Silva, José Alberto, Joélio Pereira, Edna Maria, Altamir Alves e José Luiz dos Santos.

No final teve a apresentações de cantores da  terra: Bruna Fulô, Igor Cardoso, Zé Moreno, Muletas da Viola. Encerramento:  Banda Cheiro de Pimenta.

As equipes da Secretaria de Cultura esmeram-se na realização do Festival indo da bela ornamentação do ambiente, às diversas barraquinhas com exibição do artesanato do município e alimentação típica.

A mensagem que ficou: quem venham outros festivais para divulgar e festejar a cultura são-franciscana.

Equipe de coordenação da Secretária de Cultura que se entregou ao festival com muita dedicação e competência: Paulinha, Dany, Clevane, Dany Spina e Gesilda Paraizo.




PRESERVAR

 


Às duras penas a ONG Preservar vai sobrevivendo, apesar de ter passado por um período muito crítico com suas portas praticamente fechadas por falta de uma pessoa para manter um expediente mínimo de atendimento. 

Recentemente, a história foi mudando. Primeiro foi a atenção dada pelo prefeito Miguel Paulo, que colocou  uma funcionária a serviço da ONG permitindo, com isso, o atendimento ao público – estudantes e pesquisadores em geral. A servidora designada, Ivaci Ivo Lima mostrou-se, de pronto, identificada com os propósitos e trabalhos da ONG, posto ser formada em História, o que permitiu um melhor atendimento ao público e o acesso ao arquivo da ONG.

Outro fato muito importante foi a filiação de novos sócios, pessoas com uma bagagem cultural muito rica que, certamente, poderá contribuir muito com os propósito da ONG e, consequentemente, servir à comunidade.  Chegaram Diovane Renê, presidente do Codema e muito ligado às ações comunitárias; o engenheiro Francis D´Ávila de Souza Soares (Nino), que tem demonstrado uma vontade muito expressiva em trabalhar pelo engrandecimento de São Francisco, em diversas áreas, sobretudo na promoção do homem. 

A ONG levou ao prefeito Miguel Paulo uma proposta excepcional: a criação do Museu Histórico de São francisco, propondo a disponibilização do prédio da antiga Cadeia para sua instalação. No mesmo espaço, que é enorme, a proposta leva à montagem de diversos estandes para locação do artesanato do município. Um ideia interessante, pois o local é muito acessível, com grande visibilidade ao público. No mais seria um ganho especial para os artesãos do município, que são muitos mas não têm um meio de mostrar e vender a sua arte.

Nesta semana realizou-se uma reunião extraordinária da ONG quando foram debatidos diversos assuntos do interesse da comunidade o que levou à necessidade de reformular o estatuto da ONG transformando-a em OCIP possibilitando-lhe o desenvolvimento de projetos de interesse do município na área ambiental.

IGREJA DE SÃO FÉLIX EM REFORMA


 Enfim, a igrejinha de São Félix está sendo reformada, pode não despertar muito interesse na comunidade, contudo tem um significado muito importante, tanto religioso quanto histórico, pois ela é contemporânea da cidade de São Francisco, é parte de sua história. 

Segundo consta dos arquivos da ONG Preservar, ela foi construída em 1877 (data da criação da cidade de São Francisco) pelo cidadão José  Loredo, vereador suplente do novo município. Encontrando-se enfermo, à beira da morte, ele buscou o auxílio do santo de sua devoção, São Félix, dizendo que em retribuição à sua saúde construiria e uma igreja para ele. Recuperada a saúde, livrando-se da morte, cumpriu a promessa, construindo a a igreja. Enquanto vivo ele foi zelador dela, missão que passou, depois, para outro devoto: Floriano da Cunha Lima. Com a morte deste a igreja ficou abandonada e já entrava em ruínas quando uma comissão de senhoras de nossa sociedade levou a efeito sua reforma, entre elas dona Alice Mendonça, dona Casilda Dulce dos Santos e Palmira Cunha Ortiga. Mais tarde a Igreja passou aos cuidados dos vicentino e, por fim, foi novamente abandonada sendo ocasionalmente aberta para  velórios de figuras ilustres. Pe. Vicente fez a última reforma. Depois disso, a igreja foi fechada, sem qualquer atividades e ruindo-se com o tempo.


A REFORMA


A família de dona Maria Eunícia tem uma ligação muito antiga com a igrejinha, sentimento que remonta aos seus avoegos. Assim, diante do estado em que ela se encontrava, quase às ruínas, a família se reuniu, coisas de dois anos atrás, idealizando um meio de reformá-la. Enfim, a professora Rita Nunes reuniu-se com as professora Adalgisa Gonçalves de Mendonça e a historiadora Gesilda Paraizo para  a elaboração de um projeto visando captação de recursos para empreender a reforma da igrejinha.  Apresentou o projeto elaborado à Associação Impact Hub de Minas Gerais, que tem larga experiência na restauração de prédios históricos. A presidente desta associação,  Virgínia Nunes Alfenas Giffoni, encaminhou-o  à Plataforma  Semente do Ministério do Público de Minas Gerais, que liberou a verba de R$ 613.700,00 para execução do projeto que está a cargo da empresa Croma Engenharia, com término da reforma previsto para o dia 17 de março de 2026.

Um detalhe importante: a liberação dos recursos pela Plataforma Semente para  o pagamento da empresa construtora, através da Associação, será feita mediante a comprovação de etapa concluída. Não haverá liberação imediata da verba concedida.

AINDA SOBRE FESTIVAL CULTURAL DE SÃO FRANCISCO


O prefeito Miguel Paulo tomou uma decisão muito importante, possivelmente das maiores de seu governo, enfrentar a questão do trânsito no município. Uma ação que volta no tempo, iniciada e paralizada, no ano de 1997/2000 no governo de Kato, cuja lembrança são os semáforos em alguns pontos da cidade. Não será fácil, pois o trânsito na cidade é um verdadeiro caos. Até então, nenhuma providência fora tomada, enquanto  o fluxo de veículos pelas ruas da cidade aumentou de maneira fantástica, impressionante: automóveis, caminhões, carretas, motos, bicicletas, carroças e pedestres. O prefeito reconheceu esta situação, o que manifestou na sua fala na Audiência Pública do Trânsito, dizendo que nas suas caminhadas pela cidade, em campanha buscando sua reeleição para o cargo de prefeito, o que mais ouviu da população era o pedido para cuidar do trânsito. Ouviu e decidiu, mesmo antes de tomar posse para o segundo mandato: determinou a elaboração do projeto de lei visando a implantação do Departamento de Trânsito no Município.

Não quis, o prefeito, que fosse uma decisão unilateral, quis ouvir a população. Por isso, decidiu-se pela realização de uma audiência pública para tratar do assunto com a comunidade. E foi o que aconteceu nesta sexta-feira, 6, no Centro Cultural Católico. A população esteve representada por lideranças de diversas setores, por expressivo comparecimento de jovens estudantes e autoridades do município. Presentes se fizeram e manifestaram, após a abertura e exposição feita pelo procurador jurídico do município, Ilídio Antônio: Daniel Rocha, presidente da Câmara Municipal; Ten-cel. Wilson, comandante da 13ª Cia da PMMG, Renato Rocha, Sgt do Corpo de Bombeiro, Révio Umberto Ribeiro, presidente da subseção da OAB, Roberto Ramos, coordenador do Campus da Unimontes de São Francisco. Todos destacaram a importância da iniciativa apresentando sugestões e enumerando preocupações. O Ten-PM  Pacheco fez ampla  exposição, e didática a respeito da implantação do departamento de trânsito no município. Representantes de  Departamentos das Secretarias de Recursos Hídricos e Obras fizeram exposições das ações até então desenvolvidas em prol da melhoria do trânsito da cidade. A palavra foi passada ao público, os inscritos. Foram diversas e muito pertinentes as observações: Marciene, Roberto Ramos, sargento Passos (que rememorou a criação da Lei de Mobilidade Urbana, discutida com a comunidade, que foi engavetada pelo Executivo), vereador Eric Master, Francis (Nino),  vice-prefeito Raul, radialista Altamir, Eudo, Leandro Amaral, José Reinaldo Almeida, Petrônio Braz Neto, Leo GEDESF. Por fim, o prefeito agradeceu a presença e colaboração de todos afiançando que o projeto seria enviado à Câmara que com a sua aprovação partirá para a execução.


DESTAQUE: Há muito não se ouvia a execução do Hino Nacional com tanta vibração e fervor, justificada sem dúvida pela presença de um grupo de alunos da Escola Cívico Militar José D’Ávila Pinto.




sábado, 30 de novembro de 2024

MARINA ESCRITORA

 Pele, sensorial físico, que por sensações diversas, leva-se ao 

espírito e a viagens no carrossel das memórias. 

É a viagem que Marina Naves nos leva no capítulo final do seu maravilhoso trabalho. 


PELE


Gostava de ir ver o sol se pôr às margens do rio e era de costume que o fizesse quase todos os dias. A vida era simples e fácil quando a rememora dessa forma. Sua pele me falou que era comum que ela queimasse as coxas desnudas n'alguma pedra que se sentava às margens das águas. O calor ainda se acumulava nelas mesmo quando o sol se recolhia e era engolido pela noite. 

Ao tornar-se mais velha a sensação de sentar suas coxas desnudas num assento de lotação numa tarde quente da capital a fazia lembrar desse tempo de fim-da-infância em que via o crepúsculo e queria tornar-se gente grande e zarpar para o mundo. O mundo então pareceu cada vez menor e pior, pior e menor, e nunca mais houve lugar nele que parecesse ter espaço para ela. 


pobre ser que rasteja o mundo!

seu reflexo é o meu no espelho;

ri em seu porvir, mariposa,

pois para mim não há lugar.


Seus sentimentos se tornaram complexos com o tempo, e eram sentidos em sua pele — eram rasgados em sua pele. Essa casca-derme se tornou um cofre sem chave, blindado em si mesmo para proteger as loucuras de um coração jovem e inconstante. O tato sentiu a si mesmo e o susto de encontrar-se no espelho e enfrentar a própria existência fez acordar o terror da vida adulta quando foi crescendo a menininha em seu tear de infância pequenina, enquanto eu crescia no meu tear de nódulo hepático. 

As memórias da pele são as mais duras como cicatrizes, as mais molengas como espinhas, as mais dolorosas como cortes cirúrgicos, as mais protuberantes como queloides. Tive dificuldade para entendê-las, mas as sei todas, de cor e salteado, e não tem calundu que lágrima tenha gerado, e que na pele tenha escorrido que eu tenha conhecimento. E eu sei disso porque a sua pele me contou quando nela, minha hospedeira, comecei a crescer sorrateiro e intruso.


~~~~


Aparelho estranho pelas mãos de um estranho. Minha hospedeira, num exame de rotina, me leva em seu corpo hermético aos confins de uma clínica para submeter-me a ondas ultrassônicas... gelado é o gel que passam sobre a pele e a carne que encobrem o órgão que me abriga. Movimentos fortes, muita pressão, apertados. Eu, intruso, sou visto por outro intrometido como se veem os bebês nas barrigas das mães. Mas não se alegraram em me ver.

Pedidos de ressonância magnética, ó máquina barulhenta! Minha anfitriã a achou senão como uma grande festa de música eletrônica, mas no pior dos maus sentidos. Por muito tempo fui um pesadelo em sua vida, roubei-lhe as noites com a preocupação de algo maior e mais ameaçador. Exames e mais exames, sangue colhido e sangue avaliado. E não tem beijo de pessoa amada, ou abraço de parente que tenha aliviado o sofrimento que ela estava sentindo.

Confesso ter me sentido mal de ter causado tanto transtorno. Só queria um lugar para ser um mero caroço-intruso. Tudo sei sobre ela, e deveria ter me atentado de que seria, sim, um transtorno. Ela borbulha em ansiedade e coça por todo corpo intensamente. Talvez um gole de arnica a ajudasse a afogar essa coceira, esse desespero, esse nervoso insaciável. 

Afinal, no frigir dos ovos, eu nunca fui nada além de um simples caroço. Mas precisou que ela ouvisse da doutora que ela não precisava se preocupar tanto, somente fazer alguns exames com alguma frequência. Conviver comigo como conviver com um vizinho. Talvez devêssemos encarar-nos como novos-velhos conhecidos como se ao espelho estivéssemos olhando pela primeira vez. Ter nossas intimidades reviradas ao avesso, pois se eu sabia tudo antes sobre ela, caroço-intruso, agora sabe tudo ela sobre mim.

FESTIVAL CULTURAL DE SÃO FRANCISCO

 



Um evento de significativa importância está sendo promovido pela  Secretaria Municipal de Cultura: o Festival Cultural de São Francisco com diversas e muito ricas demonstrações da cultura são-franciscana. O festival iniciou-se ontem, 29 e termina hoje, 30, na Praça de Esportes. No primeiro dia, da abertura, houve a participação de dez ternos de folias do município, um espetáculo de rara beleza e significado, especialmente pela proximidade do Natal, quando aparecem as figuras dos Três Reis Magos para adorar o Menino Jesus em seu berço. E mais grupos participaram: Boi de Reis, Capoeira, Reis dos Temerosos. Completa programação o festival de música raiz e shows com cantores da terra.

A equipe da Secretaria de Cultura realizou um excelente e muito dedicado trabalho. Lá estavam o secretário Lincoln, e em plena ação as coordenadoras: Paulinha, Dany, Clevane, Dany Spina e Gesilda Paraizo; o presidente do Conselho Municipal de Cultura, Raposo e o conselheiro José dos Passos. Participação, também, do presidente da ONG Preservar, Diovane. Presente o vice-prefeito Raul, os secretários João Herbber (Desenvolvimento Social) Conceir Damião (Agricultura) e Fracine (Educação).

Sem dúvida, esse evento tem uma importância muito grande na divulgação da cultura de São Francisco tão rica e expressiva. É de suma importância que ela seja prestigiada e divulgada pelo governo municipal e, especialmente, pela comunidade, começando pelas escolas. É de se lembrar, como sempre, a lição de Alceu Maynard: “Mais ama um povo quem ama suas tradições!” 

O CERRADO – VIII

 MEIO AMBIENTE: AUDIÊNCIA PÚBLICA NA CÂMARA MUNICIPAL




Encerramos a série sobre o Cerrado com uma notícia alvissareira proporcionada pela Câmara Municipal de São Francisco: audiência pública requerida pelo vereador Rodrigo Teles tendo como pauta a revitalização das veredas da barra dos Caldeirões, uma iniciativa que deve ser considerada como retomada das ações em prol do cerrado e do meio ambiente no município. Poder-se-ia dizer trata-se de um ato de mea culpa de governos do município pela pouca ou quase nenhuma atenção dada  às questões ambientais do município. A audiência, ocorrida na terça-feira 26, contou com a presença de representantes de diversas entidades civis e públicas, e de outros segmentos da sociedade, em especial de moradores da região das veredas Caldeirões.

O presidente da audiência, vereador Rodrigo Teles, inicialmente,  falou sobre o propósito da audiência, expondo a crítica situação hídrica observada na região das veredas Caldeirões e adjacências, comprovada pela exibição de vídeo. Abriu a fala aos participantes do evento, pela ordem: João Naves de Melo (ambientalista), Roberto Mendes (Unimontes), Geraldo Magela (Emater), Petrônio Braz Neto (representante da paróquia São José), Alda Maria (CBH), Márcio Passos (secretaria municipal do Meio Ambiente), Wanderson (IEF), Hélio (Copasa). Passada a palavra à assembleia, manifestaram: José Botelho Neto (Sindicato dos Produtores Rurais) Nílva Vieira (Escola Família Agrícola), Genelicio (Cáritas), Maria Mendes (Preservar) e cinco representantes das comunidades das veredas Caldeirões. Os depoimentos revelaram a drástica situação das veredas Caldeirões e de todo  complexo hídrico do distrito de Santa Izabel de Minas, anotando-se a extinção de diversas veredas, interrupção de quase todos cursos d´água e secamento de lagoas. Foram apontadas como causas: a falta de atenção do poder público (municipal e estadual), a falta de agentes fiscalizadores, a desestrutura dos órgãos municipais dedicados à recuperação e preservação de recursos hídricos (veredas, barraginhas, terraços e estradas vicinais). Várias sugestões foram apresentadas, entre elas, a de reaparelhamento da secretaria municipal de Meio ambiente/Codema, para a retomada das ações de recuperação e preservação das fontes hídricas do município, apontando a extrema necessidade de agir tendo em vista a situação do rio São Francisco: sem afluentes em pouco tempo ele terá a vazão totalmente comprometida.  

Conclusão: a audiência serviu como uma radiografia muito real da situação do meio ambiente no distrito de Santa Izabel de Minas, apontando-se as medidas que se fazem urgentes, num chamamento ao Poder Executivo e à comunidade no sentido de se tomar urgentes medidas para evitar um desastre maior e irreversível.


AUDIÊNCIA PÚBLICA: A SITUAÇÃO ATUAL

A Patrulha Mecanizada Ambiental do Município, formada às duras penas com apoio do Ministério Público e providência do governo municipal (Luiz Rocha Neto), por um longo período executou diversos projetos de recuperação e cercamento de nascentes, construção de terraços e de barraginhas. Realizou diversos programas educativos para estudantes e comunidades rurais. No governo do prefeito Veim foi desestruturado o Codema e dado fim à Patrulha Mecanizada Ambiental. O projeto Plantando Água do Codema e Projeto João Botelho Neto voltou à estaca zero. São, atualmente, 8 anos de retrocesso, pois o atual governo ainda não incrementou essas atividades. Contudo, há uma luz no horizonte com a promessa de reestruturação da secretaria do Meio Ambiente.

Como fio de esperança, ainda que incipiente, veio o programa de construção de barragens subterrâenas tendo à frente o pároco da Paróquia de São José, padre Nery, com a participação de um grupo de voluntários,  com apoio financeiro de um fundo especial do Ministério Público Estadual. Além da construção das barraginhas o projeto está provocando o envolvimento de comunidades do meio rural no programa de recuperação de veredas e cursos d´água. Um bom sinal, que depende muito do apoio do governo municipal, pois a paróquia não dispõe de equipamentos para facilitar a construção das barragens – um produtor rural prestou depoimento noticiando que construiu uma pequena barragem com seu próprio esforço, sem nenhum recurso público. Pelo tamanho do estrago, em dezenas de veredas e cursos d´água, é um quase nada, mas serve como um edificante exemplo, ou seja, que as comunidade se unam com o poder público na solução de tão grave problema ambiental, uma área em que o município de São francisco, em passado recente, serviu como modelo.

sábado, 23 de novembro de 2024

CINE CANOAS: REFORMA



 Quem viveu a história do Cine Canoas regozija-se com a iniciativa de sua recuperação em curso. Ele foi parte da vida de homens, mulheres e crianças por um bom período da história de São Francisco até ser fechado sem nenhuma destinação para ele, então da extinta Associação dos Amigos de São Francisco. Com a extinção dessa associação, o prédio foi retornado ao patrimônio do município depois de uma batalha judicial... e abandonado, deteriorando-se com o passar dos anos, entrando e saindo prefeitos. Eis que graças a uma iniciativa particular muda-se o cenário. Foi ela da empresa Cine Canoas Ltda., que tem à frente o produtor de eventos Elivelton Ferreira Tomaz. Atento ao que disponibilizava a Lei Paulo Gustavo – segmento Salas de Cinema, Cinemas de Rua e Itinerantes – ele, como muita determinação, agenciou meios para viabilizar o projeto de recuperação do prédio do Cine Canoas: elaboração do projeto, contatos com a Prefeitura Municipal e outros órgãos, ultrapassando todas as barreiras até obter a aprovação dele com o recurso de R$ 300.000,00.  Foi intenso o trabalho de Elivelton Tomaz. Ele contou com a assessoria de Keila Moraes do Coletivo Grupo Cine Canoas de jovens sonhadores, do qual fazia parte o Elivelton, que divulgava a arte (cinema) na cidade e no meio rural. Na elaboração do projeto, Keila foi uma peça muito importante.

O projeto teve respaldo do prefeito Paulo Miguel editando o Decreto nº 42 de 10 de maio de 2024, que autorizou a intervenção no prédio sob monitorização da Secretaria Municipal de obras e Gestão de Convênios. Segundo Keila foi muito importante e decisivo o apoio do prefeito Miguel Paulo ressaltando que, em todo o Estado de Minas Gerais, com 5 vagas, o município de São Francisco foi o único que se inscreveu, ou seja, que teve o interesse do poder público.

Ressalte-se, enfim, o quanto é importante a participação da sociedade, a iniciativa privada, no desenvolvimento de ações que promovam o desenvolvimento do município, a preservação de seus bens históricos e culturais. Trata-se, acima do comprometimento cívico, uma demonstração de amor, como bem o disse Alceu Maynard: “mais ama um povo que ama suas tradições” Dez para o Coletivo Cine Canoas e loas especiais para o Elivelton revestindo de vida o nosso Cine Canoas, ornamentando a Praça Centenário.

Quiçá ocorram outras iniciativas do setor privado concorrendo com o setor público em prol do desenvolvimento de São Francisco em todos os segmentos de sua estrutura comunitária. 

O CERRADO – VII

 

Sete capítulos foram dedicados a análises superficiais, mas com observações percucientes a respeito da situação do cerrado – sua importância e situação no  Noroeste de Minas. É evidente que há muito mais para se comentar, principalmente quando se vê o trabalho de construção de barragens subterrâneas no município graças ao apoio do Ministério Público. Ora, quem diria, vejam onde chegou-se, construir barragens subterrâneas em veredas que, se sabe antes verdadeiros mananciais. Há uma preocupação, pelo menos visando de cuidar e preservar o que resta do cerrado.  

Em décadas passadas acompanhou-se em São Francisco a derrubada de extensas áreas do cerrado para a produção de carvão com fim de alimentar as usinas de produção de ferro. As marcas ficaram, sem remédio.

Agora, com toda força, chegam as usinas fotovoltaicas na região. Em Arinos a  meta prevista é atingir uma área de 80 mil hectares com o “plantio” dessas placas de energia sendo metade com o desmatamento de Cerrado e a outra metade em áreas predominantemente de pastagens – no caso de captação de águas pluviais para o lençol freático considere-se o total, pois antes, com as pastagens, embora menos eficiente que a cobertura arbórea, ocorria-se a captação. 

O projeto é interessante: compromisso de ampliar a geração de energia limpa e renovável por uma empresa gigante do país visando a produção de aço. Antes o ferro, agora o aço. É o progresso, faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Trata-se de um projeto fantástico, de grande dimensão, ocupando vastas áreas. Certamente não será o único. Em breve virão outros e mais outros valendo-se de uma grande riqueza que tem a região: muito sol no correr de todo o ano.

Energia renovável. E o cerrado, a natureza, os cursos d´águas, como serão tratados? O governo ataca o agro que produz alimentos, mas por um lado é partícipe na alteração do nosso bioma de maneira irremediável e sem compensações anunciadas.

Precisa-se de energia? É evidente e, em especial a limpa que tem influência no clima. É possível, assim, que não muito distante, seja dispensada a geração de energia hidráulica destinando-se os rios à navegação e irrigação, como ocorrem em países como a China. Fica a pergunta:  a água para manter o sistema terá cuidados de preservação com o mesmo interesse? 

MARINA ESCRITORA

 Marina Naves avança na digressão de sua viagem em rotas sensoriais e 

espirituais revivendo fatos de sua tão jovem vida, mas tão repleta de encantos 

e buscas. E assim chegamos a mais capítulo de sua viagem.





OUVIDOS 


O ouvido é o caminho do coração. ...


Nas noites de sua infância em que faltava luz, reuniam-se todos da família —pai, mãe, irmã, avó e avô — para ouvir as lendas e causos da cidade banhada pelo Opará, o São Francisco. Seus ouvidos me contaram dos que ela tinha mais medo, e que mais lhe grudaram na memória: surubim de cabelo e o caboclo d'água, criaturas das águas profundas — mas talvez o medo residisse esse tempo todo no medo do rio não mais ter todo esse apelo de ser cheio. 

Seu avô era épico em seu contar de estórias, e tudo parecia real para seus tímpanos e sua imaginação de menina pequena. O surubim, cabeludo como um roqueiro metaleiro, viria no fim-dos-tempos, saindo da sua toca nas pedras dos barrancos do rio, para partir a igreja — que fica à beira das águas — ao meio e trazer o apocalipse. O próprio diabo encarnado, o bicho feio. E isso muito lhe incutia medo, pois muito tinha ela medo do fim-do-mundo, do inferno, pois tinha um pavor incorrigível de ser uma pecadora inconfessável. 

O caboclo d'água, mais famoso noutras bandas do país, pegaria qualquer canoeiro que fosse que enfrentasse as águas do Opará na Hora Morta, meia-noite, e transformaria em mulher, destino pior, muito pior que a morte. Então, como virar mulher é um destino muito, muito pior que a morte, os canoeiros construíram carrancas, monstros esculpidos em madeira mais assustadores do que o caboclo d'água para afugentar o maldito. Como ela não tinha medo de virar mulher, ela tinha mais medo das carrancas muitas que via por aí. 

No entanto, há um frio na barriga em atravessar o rio tarde da noite, ou até mesmo observá-lo, quando tudo é escuro e silencioso. É como olhar para o abismo, para o vazio, e encarar sua própria alma-abismo, alma vazia. As luzes da cidade não são muitas, são como velas nas noites em que a luz falta porque houve tempestade: incapazes de conter a escuridão do sertão. Há somente um véu fino entre o eu pequeno e a imensidão do céu enfeitado de estrelas.

— Talvez seja esse o grande perigo do caboclo d'água. Ela pensou.

E eu sei disso porque os seus ouvidos me contaram quando nela, minha hospedeira, comecei a crescer sorrateiro e intruso.

sábado, 16 de novembro de 2024

O CERRADO – VI


 Cerrado —“Uma floresta de cabeça para baixo”, segundo Felix Rawistcher. Antes, o cerrado era considerado como “terra madrasta”, por sua pobreza hídrica, baixa fertilidade. De repente, devastadas as florestas, o progresso avançou nas fronteiras do cerrado com voracidade para alimentar o poder econômico. Milhares e milhares de árvores, entre elas, frutíferas tão importantes do sistema e da cadeia alimentícia da fauna e do homem, foram transformadas em carvão, abertos campos para o plantio de eucalipto e formação de pastagens. Sistemas hídricos foram comprometidos, assoreadas veredas, fontes de água para alimentar pequenos córregos e rios e, através deles, o rio São Francisco. 

Ricardo Abramovay escreveu: “A continuidade da agropecuária nos cerrados encontra-se seriamente ameaçada pelo esgotamento dos recursos naturais em que se apoiam as práticas até aqui mais difundidas. Se é verdade que nem sempre isso se traduz em queda do rendimento das culturas, o fato é que a dependência crescente de insumos químicos e de irrigação constitui uma ameaça não só ao ecossistema como um todo, mas a própria continuidade das explorações agropecuárias”. Aqui, observe-se o fator água.

A troca de sistema – retira-se a vegetação que consome pouca água, por culturas de maior exigência, que dependem de irrigação e por outra cujo consumo não é elevado, mas que não retém as águas pluviais no solo (eucalipto). Dessa forma o cerrado que, por natureza, representa um grande reservatório de água não terá água para alimentar seus veios e por eles o São Francisco – isso é um fato observado no município de São Francisco cujo cerrado foi devastado para alimentar siderúrgicas. E teve mais na jornada do Norte para o Sul: campos abertos para implantar pastagens e plantio de roças em terras mais férteis que margeiam o rio. Prática que deixou desprotegidas as barrancas e, consequentemente contribuindo com o assoreamento do rio. Um dado importante foi levantado por Waldemar de Almeida Barbosa: “A decadência da mineração levou à criação de diversas fazendas na região de Paraopeba, Pitangui e Bambuí”. Ele atribuiu o fato à necessidade dos antes senhores da mineração de abrir campos de cultivo de alimentação para sustentar o grande número de escravos de que eram possuidores e que já enfrentavam período de fome: “O mineiro já se desesperando passa a lavrador ou criador de gado ou erige um engenho de águas ardentes, açúcar...”

Argumento usado para a fabricação de carvão no município de São Francisco: “é preferível dar de comer ao homem que proteger o pequizeiro”. Dizimaram o cerrado. Hoje  o homem do campo não tem o emprego (carvoaria) nem o pequi para alimentar sua família. Sobrou para São Francisco: extensas áreas do cerrado  arrasadas. E a ameaça persiste.

MARINA ESCRITORA

 Os olhos são as janelas da alma, as portas para o infinito, para as veredas por 

onde Maria descobriu nosso sertão; a língua proporciona conhecer o sabor, 

por onde Marina passeou nos caminhos barranqueiros. O assunto deste 

capítulo são as narinas, importante para sentir e absorver o perfume da vida.


Narinas


Crescendo retorcido com seus bracinhos para o céu, o umbuzeiro busca as nuvens carregadas de chuva que correm, escorregadias, para longe dele. Ela pensou, tantas vezes, no tear de sua infância pequenina:

— Por que chove tão pouco aqui? 

Suas narinas me contaram que nada no mundo a encantava mais do que o cheiro de terra molhada em dezembro. Mesmo que a casa se enchesse de insetos que vinham com a chuva, a bênção da água era maior do que tudo. A seiva que fecunda tudo, o sangue das nuvens que desce transparente como lágrima de gente. O cheiro da terra molhada era como o cheiro de um mundo que se restaura.

Mas também o cheiro das folhas do umbuzeiro quando mordidas lhe encantava. Azedinhas e de aroma igualmente azedo, traziam o frescor do sertão mesmo se a chuva resolvesse se esconder por meses. Mesmo que os galhos retorcidos das árvores da mata seca, bioma-transição norte-mineiro, não conseguissem alcançar as nuvens e roubar-lhes a água. Roubava então o umbuzeiro as águas do fundo do chão com suas raízes, artérias-veias, cisterna profunda.

E ela pensou sobre isso:  

pelas raízes-aortas

encontra o poço fundo

onde o chão é todo lodo e manto

cobrindo gentil o sonho que dorme

nos confins do

átrio ventrículo


Tentando também achar a seiva das nuvens n'algum lugar, mas com algum ideal romântico por trás, a flor da caraibinha crescia vigorosa na beira do rio São Francisco. Seu perfume singelo entrava pelas narinas dela e a fazia pensar sobre o amor, sobre a vida e sobre a família. Via seu avô levar buquês da florzinha para cada uma das filhas, e netas, e para a esposa, e pensou sobre a vida e sobre a eternidade das pessoas em suas ações e nas memórias umas das outras.

O cheiro do mundo é como o aroma de um perfume que marca a nostalgia de se saber no mundo. Ela sabe seu lugar no mundo pelo perfume do cerrado, do sertão da mata seca, bioma-transição norte-mineiro. E eu sei disso porque as suas narinas me contaram quando nela, minha hospedeira, comecei a crescer sorrateiro e intruso.





segunda-feira, 4 de novembro de 2024

O CERRADO – V

 Canarim preso na gaiola, que tristeza não será.
Canarim panhô solto, que alegria não será (Locha) 
   

O cerrado tem uma rica fauna. É verdade que já foi muito mais exuberante, porém depauperada  pela ambição dos homens ao longo dos anos, agredindo e modificando o seu habitat ela vai sendo extinta. Rui Mendonça e seu amigo Leão nas suas incursões pelo cerrado nas caçadas (quando era permitido) de veados passavam dias e noites embrenhados no cerrado, dependurados  em pés de caraíba e pequi (a flores atraiam os veados), ou metidos em locas, à espera da boa caça, deram valiosas informações  para o livro Do cerrado às margens do Rio São Francisco, uma extensa relação de pequenos e grandes animais, que conheceram, muitos deles já extintos, outros em fase de extinção. Os nomes são os conhecidos popularmente, de como os identificam o geraizeiro.
    MAMÍFEROS: anta, cachorrinho-do-mato, capivara, coelho, gambá, gato pardo e pintado, gato mourisco, jaguatirica, lobo guará, luís-cacheiro, melete (da família do tamanduá), mico, onça pintada e parda, paca, quati, raposa, saruê, tamanduá, tatus: bola, bolinha, canastra ( o maior deles podendo pesar até 80 kg), galinha, peba (tem o pequeno, vermelho, papa-defunto e o grande que não come, pesa até 10 kg), veados: campeiro, galheiro, catingueiro, catingueiro churé (pequeno do saco grande), suaçuapara vive no pântano, só sai para pastar).
    AVES: acuã, anu-branco e preto, arara – azul, amarela e vermelha, ariri, beija-flor, canaro, chorró, codorna, coruja-de-cupim, curió, ema, galinha d´água, garça vaqueira, garricha, gavião (pinhem, carcará, penacho), inhambu, jacu-pemba (pequeno), jandaia; João-Congo, João-de-Barro, juriti, mãe-da-lua (urutau); Martim-Pescador, mergulhão. papagaio,
pássaro-preto, pato preto, pêga (ave grande e agourenta), perdiz, periquito, pica-pau (cabeça-vermelha e bico torto), pomba-verdadeira (trocal), preangu, rolinhas parda e pedrez, sangue-de-boi, seriema, socó, tico-tico, tucano, urubu. (Nos anos de 1940 havia o comércio de penas de aves em São Francisco para exportação)
    RÉPTEIS: jacaré-preto, teiu.
OFÍDIOS: caninana, cascavel-da-chapada, cobra-cipó, cobra verde, coral, jararaca-da-campina e de cupim, jararacussu, quatro-presas e sucuri
    BATRÁQUIOS: jia, rã, sapo
ABELHAS; borá – mansa e brava (pau), capinheira (capim), chien (casa em galhos de árvores), europa (pau), jataí (pau), lambe-lambe (pau), mandassaia (chão), tataira (pau)
tubi (pau), uruçaí (pau e chão).
    PEIXES: bagre, gongó, piaba, pintadinho,  traira, dourado, surubim, curimatã, etc.
    A exceção da pesca nos rios Acari,  Pardo e lagoas, a  pesca é pouca, pois o acesso aos poços, no meio das veredas é muito difícil. É comum o campineiro abrir buracos em alguns pontos para pegar os peixes.

MARINA ESCRITORA

 Os lábios da sabedoria estão fechados, exceto para os ouvidos para o entendimento – O Caibalion

 


 

Mariana Naves na introdução do seu trabalho mergulhou nos campos físico/biológico e  da metafísica  ao falar de  um Caroço. Uma dualidade poder-se-ia dizer, mas que perder a razão abstrativa, pode transformar- se em um conceito.
    Nesta edição são apresentados dois títulos: Os Olhos e a Língua.  No caso dos Olhos  Marina passeia por paisagens da cidade revivendo a sua infância reencontrando bucólicos espaços com lirismo e paixão. No outro, a Língua ela passeia pelo universo/cerrado e paisagens da cidade trazendo  aos nossos olhos e alma uma natureza exuberante naquilo que oferece, como uma dádiva, aos homens.

1. OLHOS

sou fruto de uma terra árida, mas úmida
de lágrimas que regam minhas veias
e as veias da Quixabeira e as veias das ruas
de paralelepípedos que foram trocadas pelo concreto
como o quartzo foi pelo rubi

Vi pelo que rememoram seus olhinhos que em sua infância conheceu uma velha árvore em sua cidade ribeirinha. E essa árvore velha existia há muitos e muitos séculos e era anciã há muitos e muitos anos. Sobrevivia a árvore-avó-de-todas-as-outras pela seiva do choro de muitas mulheres. Mulheres que perderam seus amados para a terrível Iara, sereia que levava os homens às profundezas do rio São Francisco e lá os fazia adormecer pela eternidade.
Perguntou um dia ao seu avô o nome daquela árvore enrugada, que ficava na esquina da última rua que ainda não fora tomada pelo progresso, pelo concreto do asfalto que arrancara os paralelepípedos de todas as outras da cidade.
— A Quixabeira. Ele respondeu, certeiro.
E todas as vezes desde então ela se perguntou se quando chorasse por alguém a árvore-avó-de-todas-as-outras se tornaria mais forte e mais anciã por causa da seiva de suas glândulas lacrimais. Quem sabe, então, eu me pergunto por que sei que ela se perguntou, não é centenária a enrugada árvore pois todas as mulheres um dia choraram por alguém naquela cidade ribeirinha?
Chorar quem sabe seja uma forma de regar a terra seca do sertão. O sal é adubo, o suor é adubo, o esforço de existir é também adubo. Isso tudo pensou a menina quando olhava a quixabeira centenária no dia que chorou por alguém. E eu sei disso porque os seus olhos me contaram quando nela, minha hospedeira, comecei a crescer sorrateiro e intruso.

2. LÍNGUA

    As papilas gustativas que residem em sua língua me contaram da joia do cerrado, dourada e carnuda, de cheiro esquisito e chamativo. Em seu quadro da memória, esse que tive acesso pela narrativa de todo o seu corpo fofoqueiro, o pequi, joia do cerrado, tem um lugar especial.
    O alimento de ouro fedido que tinge o arroz e acompanha o frango cozido encheu sua barriga tantas vezes, e foi certeiro em tantos dias quentes numa terra de calor escaldante! Seu paladar me disse que se atiçava na estrada ao ver os ambulantes nas entradas das cidades vendendo os mais diversos estandartes de aromas: o pequi — joia do cerrado — a mexerica e o araticum.
    A língua também se lembrou da secura nos anos de pouca chuva, quando o calor era retado, e o sol brilhava mais do que nunca, a pino, pendurado no topo do céu. Tudo era tão seco, o nariz sangrava, e a sede fazia sua morada na boca, e seu gosto era sentido nas papilas gustativas. Odiava-se o pequi, então, pois dele vinha a maldição da seca, como já dizia o seu avô:
— Ano que dá muito pequi chove pouco!
    Alimentar-se dá sede e lembrar, lembrar demais do que já foi nos dá dor de cabeça e faz tristeza na mente. A fartura do pequi é prelúdio de seca e mal agouro, mesmo quando nos enche a barriga de boa comilança. Há de se lembrar o sertanejo que debaixo da carne da joia do cerrado, fruto dourado e fedido, tem espinho. Se rói feito ratinho não machuca, mas se morde se engasga. E eu sei disso porque a sua língua me contou quando nela, minha hospedeira, comecei a crescer sorrateiro e intruso.

I – A ÁGUA

 

A população que habita às margens do rio São Francisco, especialmente na cidade, que tem o rio São Francisco como provedor imediato e direto de suas necessidades de consumo, contando com o eficiente sistema de tratamento e distribuição de água da Copasa, não avalia o que representa o sofrimento e causa de atraso para a população rural, que não tem acesso à água, com raras exceções, como da vila Santana de São Francisco. Vive-se com minguadas latas de água distribuídas por caminhão-pipa. Quem tem água encanada e tratada em casa, com abundância, não é capaz de imaginar o drama de moradores do meio rural, das donas de casa que dependem de água para múltiplas funções e não a tem. E não fica apenas nisto, o que já é muito grave. Como incrementar as atividades agrícolas – criação de animais, irrigação essencial ao desenvolvimento de capineiras, plantio de feijão, hortaliças? Sem água não há vida, não há desenvolvimento. A vida se arrasta sempre não esperança da chegada das chuvas que se sabe, na região tornam-se raridades.
    Em recente publicação do vice-prefeito Raul Pereira, foi dado conhecimento a sua entrevista com o  ministro Wellington Dias (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social). O fruto do encontro, muito importante por sinal, pela iniciativa do vice-prefeito, não vai alterar em absolutamente nada a situação hídrica do município A construção de cisternas nas casas para retenção de água da chuva é solução individualizada não se estendendo à comunidade. Pior é a distribuição de caixa d´água e canos, quando o que falta é água.
    O ideal, e necessário, é o governo municipal retomar o projeto plantando água que tanto resultado foi colhido no município anos atrás. Construção de tanques, barraginhas,  proteção de nascentes, terraceamentos, todo tipo de obra que possa reter a minguada precipitação pluviométrica conhecida do município. Indo mais longe, com vista a um projeto mais amplo que pode beneficiar um número muito maior de pessoas do meio rural, até mais de mil: a construção de barragens. Um exemplo está aí: as barragens de Jiboia e do Traçadal, que modificaram o meio assistindo e promovendo a população. Então, por que não investir na construção de barragens? Como fator político imediato parece não ser um bom negócio.   Este projeto é tão significativo e importante que levou técnicos do Norte de Minas ao estado do Ceará para conhecer o projeto de armazenamento de água da chuva com barragens. Foram tão longe enquanto sabemos que  aqui, no município de São Francisco, em escala menor, a experiência tem anos de passagem. Numa análise crua, pela incúria de nossos governantes, repete-se: tem anos, mas ficou no tempo, pois foi desativado o projeto Plantando Água dos programas do PJBN, Codema e Preservar. Fica a pergunta: por quê? Sem resposta, e ninguém deu a mínima e a situação de penúria perdura.

SÃO FRANCISCO 147 ANOS

 


 A cidade de São Francisco completa, neste dia 5, 147 anos. Uma epopeia para chegar a esta efeméride considerando os atropelos anteriores  às décadas de 1930/1945. Quantos embates, acirradas disputas políticas levando a tantas tragédias. Entraves  envolvendo políticos, magistrados,  polícia e bandoleiros. Coronéis que tinham o poder de manipulação dos destinos da cidade conduzindo a população como marionete. A saga de Antônio Dó. O Barulho – jagunços impedindo a concretização de um ato eleitoral legítimo. Felizmente tudo foi vencido e a pequena cidade foi se desenvolvendo como sede do município originado de São Romão. Um belo mercado recebendo a rica produção rural carreada por dezenas de carros de boi, situado no Largo Santo Antônio (praça Centenário) onde, depois das jornadas, os bois, deitados, descasavam ruminando. Na barranca do rio, o mercadinho (biblioteca pública) que recebia as mercadorias oriundas do outro lado do rio, transportadas em canoas. Cavaleiros do meio rural desfilando belos cavalos, muitas vezes trazendo as madamas nas garupas, para os ofícios religiosos ou para fazer compras no “comércio”; alguns ricamente ajaezados como o esquipador de Joaquim Figueiredo. Carros de boi chegavam carregados de mamona para os depósitos de Oscar Caetano, Sady Maynart, Floriano Mendonça e algodão para Sancho Ribas. Cidade que mergulhava em  viagens fantásticas no universo dos mistérios das crendices, lendas e mitos (de riqueza incomensurável no destaque de tipos imorredouros). Da fé religiosa  na busca do divino fazendo preces em piedosas procissões pedindo chuva. Do canto das incelências para encomendar as almas de entes queridos. Das procissões com multidão de fieis  percorrendo ruas revivendo o encontro de Jesus e Maria, conduzindo o Senhor Morto e nos festivos cortejos da festa do Divino Espírito Santo, e pelas água do São Francisco conduzindo Nossa Senhora dos Navegantes. Palpitantes manifestações: as  típicas danças, algumas voluptuosas, outras onomatopaicas ou caricatas; os autos do Natal,  folguedo como o festivo boi-de-reis, o histórico Rei dos Temerosos e a reverencial dança do São Gonçalo. As belas e famosas festa de São João da Escola Caio Martins. Ternos de violeiros em jornadas noturnas para saudar o Menino Jesus e em outras ocasiões para pagar promessas a São Pedro, Bom Jesus da Lapa, São Sebastião. O  Quebra, ruela bucólica com casebres  enfileirados  nas barrancas do rio; o Matadouro onde Hercílio Assobiador escreveu sua história no ofício de abater reses; os sobrados Regalito e Renascença; a rua Direita de tanta história; rua do Sossego, palco de uma tragédia (a morte do juiz Antero Simões). A construção da matriz de São José com homens e mulheres, aos domingos, depois da Missa, carregando pedras para erguê-la; a pequena igreja São Félix da idade de São Francisco; rua Montes Claros  a via de saída terrestre,  perpendicular ao  rio, via fluvial; os vapores  trazendo, para a cidade que se projetava, ilustres famílias. Viajando para o leste e oeste tropeiros levavam a produção do município e traziam mercadorias para abastecer os armazéns. Na Quiçaça o campo de pouso dos teco-tecos que transportavam peixes para Belo Horizonte. O sopro de búzios na chegada de pescadores ao porto, no raiar do dia, com canoas repletas de peixes de variedades tantas.
    São Francisco foi crescendo, crescendo e se modernizando com ares de cidade grande, tão bela, tão aprazível, tão privilegiada com as bênçãos de São Francisco, o santo. São Francisco de um povo generoso, hospitaleiro. No resumo, apesar dos percalços históricos,  o que se tem, nesses 147 anos, é uma história de AMOR. Lembrando o santo que lhe deu nome, São Francisco,  desejamos-lhe Paz e Bem!

sábado, 26 de outubro de 2024

MARINA ESCRITORA

 No capítulo anterior abordamos uma faceta da Marina  Naves poetisa como
introdução do de um trabalho acadêmico, que ela  revela a sua maturidade e
o grande talento literário. O título que ela deu ao excelente trabalho foi CAROSO.  
Nesta edição, a primeira parte.

 


Quando a febre estabelece seu domínio na mente e cozinha cada fibra de pensamento em certeiros quarenta graus celsius, nela ela pinica e arde um incômodo imenso. Não há osso de unha ou de faca ancestral — dessas neolíticas expostas como prêmio nas vitrines dos museus da Europa, conquistadas a roubo de algum lugar do mundo — que seja capaz com afiado corte de cessar o que coça. E ela vai coçando.
Um dia ela ouviu de uma farmacêutica que a coceira é uma forma de dor. Processo inflamatório. É como o mosquito que mordisca uma impressão despercebida na pele humana e lá fica sua arte vermelha, o calombo, o sintoma mínimo de dor e um ruído de existência. Coceira. Processo inflamatório. E quanto mais coça mais vai ardendo, cozinhando a exatos quarenta graus celsius, ou um tanto-pouco menos, um pequeno incômodo que alimenta o outro.
Noutro dia ouviu também, da Rejeição, que a coceira gosta de sangrar. Seu gato a unha, mostra-lhe as garrinhas afiadas e, na mesma pele-banquete do mosquito, finca suas pequenas lâminas. Não dói tanto quando acontece, dorzinha fina e aguda. Mas agudo é o sino que anuncia a tristeza de pensar que até aquele bichinho a rejeita, aquele serzinho que morreria de fome sem seu cuidado e seu dinheiro. O sangue escorre dos arranhões. Mas o que mais incomoda mesmo é a coceira que ele anuncia.
    Eu observo tudo de dentro como numa visão panorâmica. Tudo é escuro e quente dentro do corpo humano, o pulsar do coração intermitente dá ritmo aos dias e às noites sem fim — até o fim derradeiro. Às vezes entediado no meu tear de nódulo hepático, com a companhia dessas gordurinhas amareladas agarradas ao tecido do órgão, me pergunto se outros caroços, desses que ficam no útero e crescem feito parasitas, sentem-se amedrontados com a escuridão do Corpo. Sentem-se, será, assustados com o tudum-tudum-tudum do átrio-ventrículo? O respirar do pulmão engasgado de ansiedade os põe ansiosos também?
    De dentro da profundidade dos músculos vermelhos de hemoglobina eu a observo. Sei tudo sobre seus pensamentos e sua jornada no mundo. Não estive sempre aqui, mas o resto do seu corpo me contou sobre sua história. Agora tudo sei sobre ela, e nada ela sabe sobre mim, nem mesmo sobre minha existência sorrateira. Embora não se possa saber ao certo há quanto tempo eu exista, ancião ou engatinhando ainda, em minha carne passou cada cerveja gelada digerida em sua juventude festeira. Cada lata de energético, cada remédio. E quantos remédios!
    Se eu pudesse lhe deixaria uma nota em sua mesa de cabeceira ao primeiro raiar da lua, e assim lhe escreveria:
estive vigilante no momento
que teu sonho era de brancas ovelhas
Para lhe incutir medo, o que é da minha natureza, completaria:
“não temas”, disse o anjo forte, no entanto,
temia o anjo as más e ardentes centelhas
Pode parecer cruel a deixar experimentar esse suspense, mas já disse, é da minha natureza. Existo para entregar o sabor do medo aos humanos, embora talvez só quisesse um lugar para existir. Todos querem arrancar-me deles como querem arrancar-lhes os próprios traumas. Sou um trauma ossificado em carne. Mas não quero arrancá-los de mim. Por eles tenho carinho — são meu lar. Poderia ser o trauma uma morada?
    Não importa. Hei de contar agora para quem puder me escutar, se é que há alguém, o que eu ouvi de outras partes de seu corpo. Contarei sobre sua vida e de tudo o que sei, porque tudo sei — tudo que ela é é de meu conhecimento. Seus medos, sonhos, seus ensejos e desejos mais profundos, profundos como as águas escuras do rio que serpenteia em sua memória. Me disseram as sinapses do seu cérebro.
    Talvez tenha sido a cabeça também, não sei, mas acho que foi o coração: o que mais dói lá dentro e une todas as coisas lá no fundo é uma saudade cortante de casa – que casa? – uma casa que não volta, morada na memória. Algo perdido no selecionar, guardar e recuperar de acontecimentos da vida. Mas eu tudo sei por que seu corpo tudo sabe e tudo me conta. E vou contar para quem quiser ouvir, hoje, alguns fios esquecidos do tecido da lembrança.

AS CASAS – XI

 

 


Concluindo a passagem pela praça Centenário (antes Largo Santo Antônio, XV de Novembro e Oscar Caetano Gomes) fica o registro da casa da família Botelho (hoje anexo Secretaria Municipal de Educação), que nos idos da década de 1960  chamava a atenção dos passantes  pelas rosas de dona Emília Botelho no jardim. Casa da família Ribas, onde atualmente reside a professora Terezinha Ribas. Na década de 1960  funcionava numa parte dela o Cafezinho de dona Luzia Ribas, banca de revistas e ponto de embarque e desembarque da jardineira, e ainda a Casa São José, dos irmãos Ribas.
Vencendo o tempo vamos encontrar o prédio do antigo Cine Canoas, que hoje não passa de um mausoléu (não é o desmerecendo, pelo contrário, pois um mausoléu é uma tumba grandiosa e imponente, geralmente construída para uma figura importante), que guarda  sonhos e alegrias de uma geração. A sua construção foi uma iniciativa da Associação dos Amigos de São Francisco (também coisa do passado), que tinha na presidência o saudoso Sebastião Jarbas Soares, pai do procurador-geral do Estado Jarbas Soares Jr. O projeto arquitetônico do dr. Heráclito Cunha Ortiga, que sofreu modificações para adequação do preço da construção (e ficou pior). A iniciativa remonta ao princípio do ano de 1965 com a venda de 40 cotas no valor de Cr$ 200,00, cada  –  R$ 2.940.000 hoje em dia,  possibilitando a assinatura de contrato com Mário Ribeiro, empresário montesclarence, com o objetivo de concluir e equipar o prédio como cinema – aparelhos e poltronas. Surgiu um pequeno entrave devido o atraso no pagamento das cotas, o que foi solucionado graças ao trabalho do advogado  Oscar Caetano Júnior. Valeu o esforço, pois no dia 5 de novembro de 1965, no dia da comemoração do 88º aniversário de São Francisco, o prédio foi inaugurado. Reportagem do SF– O Jornal de São Francisco fez o seguinte registro. “A população da cidade esperava por este momento, não apenas os aficionados pela arte que projetou no mundo da fama  nomes como o de Clark Glabe, Elizabeth Taylor, e outros, pois o cinema é arte e arte é civilização; isto representa a importância do grande acontecimento. O cinema é instrumento positivo de elevação, educação e melhoramento; é hoje um dos mais importantes meios de expressão do nosso tempo”.
Durante muitos anos o Canoas foi o ponto de encontro de crianças, jovens e adultos, pois além das exibições cinamotográficas ele servia para realização de shows de famosas bandas, que visitavam a cidade e  para a realização de  programas de auditórios comandados pelo empresário Helvéio Mendes, o que marcou época.
Tudo tem seu tempo. Atualmente pouca gente vai ao cinema, pois pela televisão ou celular tem-se tudo em casa. Contudo, há tantas outras e importantes atividades que poderiam ser levados ao cine Canoas em prol da sociedade. O desprezo de administrações do município em relação àquele importante prédio público (público porque a AASF foi extinta e ele retornou ao patrimônio do município) merece melhor atenção pelo que  representa como patrimônio cultural e por seu passado histórico. Não como se encontra em reuínas numa área nobre da cidade, uma situação que depõe contra a administração municipal.  


CHUVA, QUE CHUVA!

 

 O milagre da chuva se vê estampado no esplendor da natureza. Explode o verde, abrem-se viçosas e perfumadas as flores. Vê-se nas pessoas que se mostram mais soltas, alegres e disponíveis. E vem a expectativa de ter o São Francisco mais farto de água, ainda que cobrindo a tão saudável praia, afugentando-se o espantalho do veio então seco. Chegam as notícias do campo onde a vida se transforma com a visão dos tanques que recebem as precipitações como uma salvação para o agricultor – água para o rebanho, o consumo, criatório de peixes, para garantir o lençol freático e, como consequência, a manutenção dos poços tubulares de extrema importância no meio rural onde já não se conta mais com cursos d´água superficial ou perene.

Muito há para falar e festejar sobre a chuva, uma dádiva do céu. Contudo, nesta mini-crônica,   faço uma referência à sabedoria popular, ao conhecimento empírico ou, para ir mais além, ao patrimônio cultural imaterial para ficar mais chique. Nada excepcional, mas revela uma faceta da riqueza do conhecimento do homem simples do nosso meio, que é preciso dar valor à sabedoria que ele transmite, pois muitas vezes, sem quaisquer conhecimentos científicos ou instrumentos apropriados, ele nos passa muitas lições. Não estendendo, só como exemplo: como explicar a localização de lençol d´água para abertura de cisternas ou poços tubulares apenas com o emprego de uma forquilha de madeira? Temos o registro de muito sucesso nos dois casos.

O que trago, nesta página, é mais uma lição do experimentado homem do campo diante de uma realidade, do trivial em face da natureza. Aconteceu comigo. Num período de seca, com toda persistência e cuidado, irrigava as fruteiras do meu quintal. Passavam os dias e elas não correspondiam ao trato, com aspectos, a cada dia, mais tristes, ou quase secas, tão secas de fazer dó. Não exibiam vigor. Expus a situação a um amigo do meio rural, vivido agricultor.   A resposta foi simples: “o senhor molha a raiz e o sol queima a copa”. Tinha esquecido desta lição, dias atrás, molhando com profusão meus pés de acerola e eles, a cada dia, mais tristes, folhas desbotadas, secando, com prenúncio da morte. Até adubo foliar apliquei neles e nada. O processo de extinção evoluía-se, embora não fossem eles caducifólias.  Viajei para Belo Horizonte na quinta-feira 17 e recomendei à nossa secretária que não se descuidasse de nossas plantas.  Na minha ausência, do céu caiu  bendita chuva, que se repetiu, com intermitência,  até o dia 20. Assim que retornei ao meu lar corri ao quintal, quis ver o efeito que ela causara às minhas fruteiras. Meus Deus! Senti-me em um jardim encantado, esplendoroso, verde, tão verde, e o pé de acerola que se mostrava às vias de secar, carregado de flores com o espetáculo do balé de abelhas libando o seu néctar. Em apenas 3 dias, o que é isso? Claro, é o milagre da chuva, irrigação mais pródiga que a minha no dia a dia. A  força das minhas fruteiras estava retida apenas aguardando a chuva para explodir com vigor.  

Estava certo, tão certo, o meu amigo rurícola com o seu conhecimento empírico. É como se vê em um ditado popular “morrendo e aprendendo!”.

O CERRADO – IV

 

O buriti merece uma referência especial, pois ele é parte da vida do homem quanto à sua sobrevivência nos gerais,  e uma fonte de inspiração  para escritores, lembrando, em especial, Guimarães Rosa e Afonso Arinos. Na singeleza de um verso, Guimarães reproduz o em canto do buriti: “Buriti, minha palmeira./ Lá na vereda de lá:/ Casinha da banda esquerda./ Olhos de onda do mar”. Afonso Arinos, em Pelo Sertão,  homenageou o buriti como um herói, de porte gigante, a contar histórias como o Buriti Perdido: Velha palmeira solitária. Testemunha sobrevivente do drama da conquista, que de majestade e de tristura não exprimes, venerável epônimo dos campos!  No meio da campina verde, de um verde esmaiado e merencório, onde tremeluzem, às vezes, as florinhas douradas do alecrim do campo, tu te ergues altaneira, levantando ao céu as palmas tesas — velho guerreiro petrificado em meio da peleja! E, com uma singeleza sem par, em curta sentença, ele foi capaz de  cantar ao mundo, toda a beleza escondida (ou perdida) do buriti: “Poeta dos desertos, cantor mudo da natureza virgem dos sertões, evohé!”.
    Audálio Lisboa, poeta januarense, que mergulhou no sertão urucuiano como diretor do Núcleo Colonial Vale do Urucuia (Caio Martins/Conceição), caiu de encanto pelo buriti e o descreveu em uma página memorável: “A relação do homem com o buriti é do nascimento ao morrer. Dele faz a sua casa, seu berço, sua cama, mesa e cadeira, o chapéu, a carocha, corda, o laço, o cesto,o balaio, a  gaiola o, brinquedo, a rede que vai levá-lo à última morada e a cruz que vai marcar seu leito eterno. O buriti ainda lhe dá o fruto saboroso para licores e doces”.  
    Domingos Diniz, sertanista apaixonado pelas veredas, emenda: “Da medula extrai uma fécula parecida com sagu, muito usada pelos índios; do tronco ou espique tiram-se talas para cercas, para fazer ninhos de galinha. Do pecíolo – popularmente chamado braça pelo sertanejos –, faz-se variado artesanato (gaiola, alçapão, brinquedos, miniaturas dos vapores do São Francisco). Da folha, ainda fechada, tira-se a seda, tira resistente para fazer rede, cabresto, cordas para usos diversos, bocapi, esteira. Com folhas maduras, tiradas sempre na luz crescente, cobrem-se as casas ou ranchos.  Da polpa faz-se a saeta (sageta ou sagita), depois de seca ao sol, junta-se-lhe rapadura ou açúcar  – com água quente ou fria obtém-se a jacuba. Do caule extrai-se um líquido adocicado que os sertanejos dão o nome de vinho. Da amêndoa obtém-se um óleo, uma das maiores fontes de vitamina A. Da espata da palmeira faz-se o barrileiro onde se prepara a decoada para o sabão, Usa-se, ainda, para bicas de água”.
    A vereda, berço do buriti, é o caixão que recebe as águas do cerrado, onde brotam fontes que vão formar córregos e riachos, que alimentam o São Francisco. As veredas estão sendo extinta, logo...

sábado, 12 de outubro de 2024

A ESTRELA DE UMA POETISA

 

Guriazinha ensaiava tocar violão e cantar em inglês. Pouco crescida, era figura constante na biblioteca da escola onde a sua mãe ensinava, separando livros com voraz curiosidade, dizendo à bibliotecária: “quero escrever igual o meu vô”. Com 14 anos foi aprimorar a língua inglesa na Irlanda, com um grupo de alunos do colégio onde estudava. Era apaixonada pela literatura irlandesa. Lá ouviu de uma preceptora do grupo de estudantes adolescente brasileiros: “Você não precisa aprender o que já sabe tão bem” – de fato, ela já dominava bem a língua de Shakespeare. Não satisfeita, pouco tempo depois,  conseguiu um estágio na capital do Maine, EE.UU, ela e a coleguinha Laura na casa de Jorgeane Assunção,  mãe de seu coleguinha David. Até frequentou aulas na High School. Caminhou e graduou-se em Literatura Inglesa pela UFMG.... é o preâmbulo de uma linda história. A história de Marina Naves.
    A sua aventura literária teve início no ano de 2021 com a publicação de dois livros de poesias – Lua Vespertina e Voyager. João Naves no prefácio do livro Lua Vespertina, escreveu: “A poesia de Marina nos conduz a peregrinar pelo céu no fio da vida, tecido a cada passagem da Lua, levando o personagem Azevedo numa fantástica viagem Não se trata de um mero passeio pelos infindáveis etéreos, mas o vivenciar da cada fase da Lua identificada com o trajeto de nossa vida... Lua Vespertina, livro de estreia de Marina, será, sem dúvida, o portal de uma fulgurante jornada literária”. O livro Voyager mereceu de Isadora Urbano uma apresentação especial em que destaca: “Será preciso uma boa lupa para discernir as linhas e entrelinha que costuram os versos de Voyager: tal como uma peça de tapeçaria artística, é nos fios que amarram um poema ao seguintes, e aos seguintes, que encontramos os nós e as filigranas capazes de iluminar a imagem bordada no conjunto dos caminhos”.
Em 2023 Marina lançou o livro Sutura. No prefácio, Sara Begname  escreveu: “Em Sutura vemos a criação de uma persona poderosa, capaz de dominar o eu, e a luta desse eu para reconstruir e dar significado à própria vida, em sua incompletude É belo ver o esforço humano, e especificamente feminino, em livrar-se de qualquer fardo, de qualquer culpa, e em aprender o valor do tempo, que, enquanto nos ligamos ao outro, nos amarra à vida. Afinal `é, sim, isto que nos faz humanos /de ao fim chegar e então voltar ao início`”.

 

Pequena amostra dos  livros

 


 

 Do livro Voyager
MÃE


Seio, gênese e carinho ancestral;
Gaia de muitos galhos faz-se ninho

Berço e barca, um útero é relicário
caixa de Pandora – todos os dons
                de padecer no Paraíso

Ancora nos braços os viajantes
novos nesse mundo que se bifurca

Domingo igreja: o mais belo vitral
é teu rosto gentil, bom como aquelas
              imagens de Santa-Maria
                             Ave-Maria-Mãe-de-Deus.

 

Do livro Voyager

INUNDAÇÕES
(Às margens do São Francisco)

Os meus músculos são barragens frágeis
Que não podem conter as doidas águas
(suco de um corpo feito de saudades
De carinhosas memórias vagas)

Das vagas e das veredas de minha
terra abandonada. Meus chãs Gerais
com cores de Sol na poente linha,
sertão seco sobrevivendo em ais.

Quisera essas lágrimas que me ocorrem
 – e  me molham como estranha chuva –
alimentassem os leitos dos rios,

rios rasos que se arrastam, mal correm,
mas que em suas águas outrora turvas
banhei-me num batismo inundo em risos.

Do livro SUTURA

Esta impossibilidade da fala
da escrita e de toda arte que existe
perante a ausência do membro que cai
e a alma que paira na almofada triste

esta impossibilidade da luz
de penetrar no breu de olhos fartos
que trazem esperança como cruz
relances de riso e sol lhe são partos

como pode, Deus, tudo não ser nada,
se antes, nada era tudo, na palavra?
espetáculo que se encerra abrupto

se tudo que nasce um dia se acaba,
hei de crer, enfim, Naquele que lavra;
vai e viva. Que a vida é um minuto.


Este sucinto comentário é para levar aos amigos de Marina e de todos nós, um pouquinho da sua arte que já resplandece grandiosa. Na próxima edição, mostraremos um trabalho acadêmico de Marina, que em hora auspiciosa chegou às nossas mãos.  Vamos acompanhá-la em um passeio fantástico e surreal para explicar o real. Aguardem!

 

 

O CERRADO – III

 

 

Os são-franciscanos em geral, especialmente das autoridades, precisam voltar a atenção para importância do cerrado quanto ao meio ambiente (conjunto de elementos e processos físicos, químicos e biológicos que possibilitam a vida na Terra:  solo, água, ar; salinidade, pH,  flora e fauna) e, especialmente o HOMEM. Na relação meio ambiente – homem, temos o que fornece e os que destroem. Por isso, urge cuidar do cerrado em vista das  incomensuráveis beleza e  riqueza dele cerrado, que por sua natureza física não desperta quase nenhuma atenção. No entanto, para não ir longe, é importante se ater à questão hídrica, onde ele é soberano, como escreveu Ivo das Chagas –  “O cerrado é o pai das águas”. Ora, a água é elemento essencial à vida. Disso sabe e depende o homem. Então por que destrói a sua fonte?
Vejamos, numa visão geral. O bioma cerrado ocupa 60% do Estado de Minas Gerais (Triângulo Mineiro, Noroeste e Médio São Francisco) com maior predominância em regiões de estação seca, assim definida pela duração de longa estiagem – neste o período, até os meados deste mês, é de seis meses. Trata-se de um bioma com uma flora altamente rica, no qual há predominância de espécies lenhosas de várias famílias como o pequi, o murici, o jatobá as sucupiras. Salienta-se  que não se trata de uma cobertura vegetal uniforme pois, no sentido geral, o cerrado é um complexo vegetacional, onde podem ser encontrados desde formações campestres, até as formações florestais, passando gradualmente ou bruscamente, de uma para outra, dentro desse complexo encontram-se campo limpo, campo sujo, campo cerrado, cerrado propriamente dito e cerradão (floresta mesófila esclerófila), além de inclusões de mata ciliar ou de galeria, mata seca (mesófila estacional) veredas e campos rupestres (pedregosos de altitude).
Oque oferece a flora:  pimenta-de-macacos,  pindaíba;  embaúba, As árvores (com mil utilidades): araticum, gonçalo, sucupira-preta, murici, canjerana, pequi, buriti, lixeira (sambaíba), caviúna-do-cerrado,  barbatimão, baru, cagaitera, mangaba, jatobá-do-cerrado, pau-santo, jacarandá-do-cerrado, bacupari, sucupira-branca, pau-terra, ipê-do-cerrado
A medicina caseira encontra no cerrado um verdadeiro laboratório, utilizado  pelo conhecimento empírico passado de gerações a gerações, suprindo a presença do médico e de fármacos. Vastos receituários no uso de raízes, sementes, folhas e cascas na cura de doenças ou males: problemas de garganta, inflação dos olhos, inflamações uterinas, picada de escorpião, enxaqueca, dores de dente,  cicatrizante, dores do estômago e rins, gripe, febre e resfriados, prisão de ventre, antirreumático, diurético, vermífugo, calmante, expectorante,  má digestão, picada de cobra, rouquidão, problema do fígado, estimulante do apetite, dor na coluna, inchaço, banho para recém-nascido que apresenta atraso no desenvolvimento, asma, bronquite,  regulador menstrual, úlcera e gastrite, afrodisíaco masculino e feminino e inseticida. Muitos alimentos são encontrados no cerrado:   abacaxi-do-cerrado, araticum, baru, buriti, pequi, araticum, cagaita, jatobá, mangaba, murici,  mama-cadela, caju-do-mato, murta, grão-de-galo, saputá, umbu d´anta, pimenta-de-macaco (tempero), coco-indaiá.
É uma pequena amostra da riqueza – e tão desconhecida – do cerrado. Mais ainda veremos nos próximos capítulos.

sábado, 5 de outubro de 2024

O CERRADO – II

 


Contemplando o cerrado, hoje, depois de tantas jornadas e campanhas a favor de sua preservação, volto à lição do chefe Seatle escrevendo ao presidente dos Estados Unidos em 1854: “Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível vendê-los? Essa ideia me parece estranha. Somos parte da terra e ela é parte de nós. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro e o homem – todos pertencem à mesma família. Tudo o que acontecer com a terra acontecerá com os filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos. Isso sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra”.

O velho e sábio índio lançava as mais profundas lições ecológicas. O homem “civilizado” já dava sinais de que o progresso marchava em direção contrária à sua relação com a Terra, que teria de ser revolvida para mostrar a cara do ouro, outros metais e pedras preciosas; que as matas deveriam ser tombadas para darem espaço aos vastos campos de pastagens e sua madeira se transformar em energia. O homem já mostrava que, de fato, assumia o papel de deus absoluto, o dono da terra, dos animais, dos rios, da flora, do ar...

O homem assumiu essa postura sem se cuidar que ele e “a terra são a mesma matéria...” e, agora, de repente, começa a perceber – na pele, no ar, nos campos, nos rios, em casa – que foi longe demais. Aí, a lição  do  sábio  índio  explode  como  uma verdadeira bomba em nossas vidas. Infelizmente, aqueles que ainda julgam ser os donos da Terra não foram tocados pela lição, pois seus interesses planam acima da realidade – vivem seu sonho.

A ciência diz que nossa espécie apareceu há milênios. No relógio da vida, nos últimos segundos, ou nas últimas décadas, depois da Revolução Industrial e, mais acentuadamente depois da Segunda Guerra Mundial, abriram-se as porteiras da destruição, guardando a falsa crença – ou conveniência - que a terra resolve todos os problemas que lhe acarretam o homem – tudo se renova. Não é verdade, os sinais estão chegando e de maneira um tanto grave, desde as alterações do clima – efeito estufa, destruição da camada de ozônio,  tudo com um selo: a destruição da natureza de maneira avassaladora. Aqui, aos nossos olhos, as centenas de veredas hoje secas, ribeirões extintos e o rio São Francisco em estado lastimável, são o triste testemunho da ação deletéria do homem, exclusivamente do homem. Há sinais claros, insofismáveis, que a água começa escassear-se.

Tempos atrás, após a alvorada da mineração, esgotando-se os veios auríferos, o homem vislumbrou fabricar o ferro, que exigia a industrialização. Fornos e mais fornos alimentados pelo carvão. Assim, teve início o avanço sobre o cerrado. Árvores arrancadas na sanha dos correntões não deixando, sequer, uma raiz para  a rebrota. Irônico: a tradicional e rica vegetação do cerrado foi substituída pelo eucalipto, que não combina com a flora nativa e muito menos com a fauna. Resultado: um deserto verde.

Nosso cerrado vai sendo extinguido lentamente aos nossos olhos e o pior ainda está por acontecer.

 

 

O CERRADO – I

 


  O ferro e o trigo civilizaram o homem e arruinaram a raça humana - Rousseau

 

            Chegando-se a 2024, acentua-se, de forma abrangente, a ameaça de extinção do cerrado brasileiro, de forma mais direta, o mineiro. O drama atual é terrível, mas historicamente ele tem origem no século XVIII, duzentos anos depois da descoberta de Pindorama, um imenso território virgem.

Na virada do século XV para o século XVI, pronunciou-se a imperativa necessidade expansionista de Portugal e da Espanha com o objetivo imediato de produção de alimentos e,  concomitantemente, de exploração mineral, para sustentar o lucro financeiro.

            Principiou a ameaça. Espanha e Portugal se aventuraram nas viagens marítimas com atenção voltada para  a busca do ouro para fazer frente ao comércio das especiarias do Oriente que alcançavam altos preços, além do seu emprego nas transações comerciais internacionais. Na busca de encontrar um caminho mais curto para a Índia, os espanhóis em 1492 descobriram a América e, 8 aos depois,  os portugueses a terra que viria ser o Brasil.

            Na prospecção imediata dos portugueses a terra descoberta não oferecia perspectivas econômicas. Contudo, minas de metais preciosos foram abertas e exploradas pelos espanhóis em toda a extensão da América do Sul. Brilhou o ouro nos anos finais de 1500, A exploração aguçou o interesse dos portugueses.  Paulistas deixavam o vale do Piratininga avançando por trilhas pelo interior da colônia com o objetivo de capturar índios para o trabalho, descobrir ouro e pedras preciosas, seguidos por diversos grupos de avetureiro, inclusive portugues. 

            Ao mesmo tempo, deixando as zonas açucareiras, o gado foi ganhando as margens do rio São Francisco, ocupando o seu território pelo Sul e pelo Norte com objetivos diferentes, mas que, com o tempo, além de servir como processo de desenvolvimento, viria a ser um processo de degradação.   Em 1674 o bandeirante Fernão Dias avança pelo território que seria Minas Gerais. Em 1693 Antônio Rodrigues Arzão descobre ribeirões auríferos. Aventureiros paulistas, mineiros e até portugueses,  como um enxame de abelhas,  assentam-se na região do Tripui (Ouro Preto) e Ribeirão do Carmo (Mariana). Surpreendente explosão populacional.  Ouro Preto, naquela época,  suplantou a população de Nova Iorque. Em pouco tempo o que se via era montes foram lavrados com o cascalho assoreando  ribeirões. A terra começava a pagar tributo por sua riqueza natural e o homem mostrando a sua ambição desenfreada em busca do lucro, sem medir consequências quanto aos efeitos deletérios causados à natureza.

Com o esgotamento da lavra do ouro, foi dado o passo em direção à ameaça contra o cerrado.