sábado, 8 de setembro de 2018

CANTINHO DA POESIA


SÉTIMO CANTO

JNM
A sabedoria bebe em muitas fontes.
Em busca do conhecimento da vida,
sentindo o hálito do seu criador,
o homem traça muitas linhas:
tem que perscrutar o universo
no rastro da luz do Grande Arquiteto.
No caminho é possível aprender
que tem as linhas interligadas,
aos fios invisíveis de universos interiores;
primeiro, deve compreendê-los,
para alcançar outros campos.
E ser ungido pela verdade.
Não alcançará o além
se for preso ao egoísmo
e não haverá sabedoria,
se não entender o AMOR.

PEQUENA CRÔNICA

PAÍS SEM HISTÓRIA

Vicente Licínio escreveu: Rio São Francisco, um rio sem história. Consultando o passado de São Francisco constamos o mesmo: São Francisco, uma cidade sem história. São registros esparsos, na maioria de observadores visitantes. E, agora, num salto maior podemos dizer que o Brasil ficou mais pobre em registro de sua história, quando se viu o Museu Nacional ser consumido, totalmente, e em poucas horas, pelas chamas. Uma comoção nacional e repercussão no mundo todo pois, afinal, tratava-se de um acervo de mais de 20 milhões de peças abrangendo um período que nasceu junto com o império no Brasil, há mais de duzentos anos. Salões que abrigaram Dom João VI e, depois os imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II, onde foi assinado o decreto de Independência do Brasil, salões cheios de encanto; galerias com todas as espécies de objeto de arte, oriundos do Egito, da África, do Brasil que nascia; o crânio da mulher mais antiga das América Latina – Luzia -, com 11.200 anos de idade, esqueletos preciosíssimos de dinossauros encontrados no Brasil, apetrechos indígenas, raríssimos. Em poucas horas tudo virou cinza, sem direito a Fênix, senão um meteorito, porque de pedra que, para chegar à terra, enfrentou o gelo do espaço, o  calor extremo na entrada da atmosfera terrestre para cair em solo baiano.
O Museu Nacional abrigava um vasto acervo com mais de 20 milhões de itens, englobando alguns dos mais relevantes registros da memória brasileira no campo das ciências naturais e antropológicas, bem como amplos e diversificados conjuntos de itens provenientes de diversas regiões do planeta, ou produzidos por povos e civilizações antigas. Formado ao longo de mais de dois séculos por meio de coletas, escavações, permutas, aquisições e doações, possuía uma das maiores bibliotecas especializadas em ciências naturais do Brasil, com mais de 470.000 volumes e 2.400 obras raras. A instituição remonta ao Museu Real, fundado por Dom João VI (1816-1826) em 1818, numa iniciativa para estimular o conhecimento científico no Brasil.  Com o casamento do príncipe Dom Pedro I com a princesa Maria Leopoldina de Áustria, vieram para o Brasil importantes naturalistas europeus, como Johann Baptiste von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius, que trabalharam para o museu. Muitos outros pesquisadores europeus, como Auguste de Saint-Hilaire e Georg Heinrich von Langsdorff, contribuíram, ao longo do século XIX, para a coleção de exemplares naturais e etnológicos da instituição, nas respectivas expedições pelo país. Já àquela época, o Museu atraía os olhares do mundo para o Brasil destacando sua exuberância riqueza cultural.
E, agora, atrai mais uma vez os olhares do mundo para atestar a incúria de nossas (des) autoridades que, mesmo sabendo, deixaram que toda e imensa riqueza se transformasse em cinzas. Só resta a lembrança e a imensa tristeza pelo descaso que reservam aos nossos bens culturais.

VOZES DOS CIDADÃOS

SEVERIANO RENDEIRO E OS VAPORES – Final

Viana ganhou muito respeito com seu trabalho, sua postura séria e luta incessante em busca de maiores conhecimentos. Para se ter uma ideia ele formou-se em contabilidade aos 56 anos, um feito e tanto, a considerar que, para isto, teve de se deslocar para Montes Claros. Daí ter sido sempre procurado para compor diretorias de entidades, alternando os cargos de tesoureiro e presidente.
Quando foi fundada a Colônia dos Pescadores de São Francisco, institui-se uma janela junta governativa, tendo como presidente Zezé Generoso e Viana como tesoureiro. Na primeira eleição da entidade, Viana elegeu-se presidente, cargo que exerceu por muitos anos – ainda hoje ele é ligado à Colônia. Antes, foi pescador de carteirinha (amador). Foi também tesoureiro da Legião de Maria, da Conferência São Vicente de Paulo, do Automóvel Clube, do Dínamo Esporte Clube e do partido político Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Viana nasceu em 1919, filho de Francisco Gomes Rendeiro e Maria Ana da Conceição. Casou-se pela primeira vez com Celina Soares Rendeiro (falecida), baiana como ele. Seu padrinho de casamento foi Arsênio Lopes, pai de Raulino Lopes Neves, de quem Viana foi colega de escola, em Sítio do Mato, onde também fez amizade com José Lopes e Massu. Casou-se  pela segunda vez com Terezinha Vieira de Brito Rendeiro, com quem vive até hoje, numa confortável casa que construiu na rua até hoje, numa confortável casa que construiu à rua Cassiano José Vieira, com muitos coqueiros, para lembrar a velha terra.
O interessante, na conversa com Viana, é a maneira saudosa como ele fala dos vapores. É interessante lembrar que, assim como o rio São Francisco, os vapores estão intimamente ligados a muitos capítulos de nossa história – a vida de São Francisco nasceu pelo rio, com a subida dos bandeirantes e, depois, com os chegantes, oriundos da Bahia, Pernambuco, Piaui, Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe, todos contando, com indelével saudade, a viagem pelo vapor que os trouxe pela vez primeira à terra.
Assim,  Viana vai trazendo à vida os velhos vapores. Da Viação Baiana do São Francisco: Mata Machado, Cordeiro de Miranda, Djalma Dutra, Saldanha Marinho, Barão de Cotegipe, Fernando da Cunha, Juracy Magalhães e Antônio Muniz – a sede da companhia era em Juazeiro. Da Viação Mineira do São Francisco: Engenheiro Halfed, Raul Soares, Fernão Dias, Wanceslau Braz, Antônio Nascimento, Governador Valadares, Curvelo, e Paracatuzinho – a sede era em Pirapora. Da companhia e Indústria de Pirapora: São Francisco, Benjamim Guimarães e Otávio Carneiro. Havia ainda o Salvador, que era de propriedade do coronel Clemente de Araújo Castro, da Bahia. O Coronel Clemente era um homem muito rico, que gostava de andar sempre muito bem vestido, e cismava que o comandante do seu vapor tinha de ser um seu compadre, o que o levava a constantes atritos com a Capitania. Existiam vapores com três classes: a primeira, com camarotes, e a segunda, sem acomodações, onde os passageiros geralmente armavam redes. O Saldanha Marinho tinha duas pás, nas laterais; os apitos mais apaixonados e que chamavam mais atenção eram do Barão de Cotegipe (duetado), do Halfed e do Antônio Nascimento – quando apitavam, de longe o barranqueiro os reconhecia e se encaminhava para   o porto para recebê-lo.
Além de passageiros, os vapores carregavam muita carga nos porões e alguns ainda rebocavam lanchas. Às vezes, o vapor ficava atracado um dia inteiro no porto, descarregando e carregando carga; outras vezes parava apenas para entregar o correio. Viana lembra que, de quando em quando, o Sr. Oscar Caetano conseguia a liberação de um deles para fazer carregamento exclusivo para a Aliança Comercial Ribeirinha, de São Francisco para Pirapora, transportando mamona – era um dia inteiro de intensa movimentação de carroças levando sacaria para os cais.
Viana tem muitas histórias pitorescas sobre as viagens pelo São Francisco, lembrando, em algumas delas, o destino de passageiros clandestinos que, quando flagrados, às vezes pulavam no rio, dando um trabalho imenso à tripulação para salvá-los.
Severiano Viana Rendeiro, um grande exemplo de vida, mais um baiano que fez história em São Francisco.
Uma correção: o personagem da história da manilha, lembrado no capítulo anterior, não era Roberto e sim o pernambucano Zé Ferreiro.

João Naves de Melo

HORTA DO JOÃO

No lar dos Idosos São Francisco de Assis muitos dos assistidos são de idade avançada e com muitas limitações físicas que dependem de muita assistência material e espiritual. Recebem toda atenção material por parte dos servidores da casa, com muito desvelo e carinho. A parte espiritual é suprida por grupos de Cenáculos e Legionários de Maria através da oração do terço, todos os domingos; comunhão duas vezes por mês e santa missa uma vez por mês. Na parte social/recreativa os momentos são proporcionados pela Associação Comunitária de Homens e Mulheres da Terceira Idade (eventos especiais – São João, Natal, e outros) e Droga Rede (comemoração dos aniversariantes do mês).
Entre os assistidos tem um idoso que se locomove e comunica com maior facilidade, o que lhe permite assistir os demais idosos da casa ajudando as cuidadoras. Quis ele, no entanto, mais atividade. E assim, lembrando de seus tempos de trabalhador rural, manifestou ao Francisco Vieira (Chicão de Noca) e sua esposa Lucilene, que regularmente visitam o lar, inclusive levando a Eucaristia, que gostaria de plantar uma hortinha no lar. Chicão, prestimoso e muito amigo dos idosos da casa, cuidou de fazer um canteiro para ele, levou adubo e providenciou as sementes. Resultado: em pouco tempo a hortinha do João ganhou vida criando um espaço verde no corredor do Lar. Hoje, alegre, ele já colhe todos os dias algumas pimentas para seu almoço e fornece tempero para a cozinha do lar – coentro, cebolinha e salsa.
Mais do que o alimento é a oportunidade que foi dada ao João de se reencontrar com o passado, com a vida que ficou para trás; foi a de dar alegria a  uma pessoa que, de repente, tornou-se reclusa da sociedade. E foi, ainda, sem dúvida, uma satisfação muito grande para Chicão e Lucilene que com um gesto de bondade, cultivaram o amor.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

CANTINHO DA POESIA

URUCUIA

O Urucuia
belo em belo
serenas verdes águas
fingindo dormir

as coroas alvinhas
na paz das águas
galinholagem das garças
tintando a manhã
de copos de leite

mas coça que coça
as costas das águas
no liso das pedras

e rola encantado
por entre mis árvores
levando a saudade
pra longes lugares

Do livro Gaiola Aberta – Fernando Santana Rubinger (poemas 1977) –  Foto: Dirceu Lelis

REMANDO CONTRA A MARÉ

Anos atrás o pesquisador e ambientalista João Botelho Neto disponibilizou um acervo particular, resultado de pesquisas sobre a história e cultura de São Francisco, como embrião para criação da Ong Preservar Núcleo de Pesquisas e Preservação do Patrimônio Cultural de São Francisco, o que se deu no ano de 2001. Com o pequeno, mas muito precioso acervo, Botelho reuniu um grupo de professores, todos muito idealista – e, juntos, consolidaram a ONG. Nos primeiros anos vieram os resultados. Ainda que mal instalado, em um velho prédio da Prefeitura, onde lá pelos anos 30 funcionava uma caldeira gerando energia para a cidade, a ONG começou a receber estudantes e pesquisadores de outras cidades em busca de fatos ligados à história e cultura são-franciscana. Botelho mergulhou nos arquivos do Fórum e resgatou preciosos documentos que estavam condenados ao fogo e, assim, enriqueceu o acerco da ONG que, ao mesmo tempo, foi recebendo contribuições de pessoas que amam São Francisco. Um caso: a professora Juracy Sá doou sua coleção muito antiga da revista O Cruzeiro e a bicicleta que era seu meio de locomoção para alcançar as escolas onde lecionava, uma delas a distante Caio Martins, naquela época. Muitas outras doações chegaram. Coleções dos jornais SF – O Jornal de São Francisco, Nosso Tempo e O Barranqueiro foram dispostos nas estantes, assim como livros diversos, muitos importantes e doados.
O Preservar cresceu. Fazia pesquisa de campo abrangendo questões ambientais e de geografia e história, conduzindo levas de estudantes ao contato com a natureza. Passou-se aos eventos culturais – fantásticos. Sarau da Cultura, sempre realizado no mês de maio como preparação para o grande Festival de Agosto – Raízes São-franciscanas com belíssimas performances envolvendo todas as escolas da cidade e algumas do município em memoráveis desfiles alegóricos. Até este ano foram dezesseis eventos focando folclore, arquitetura histórica, música, bairros, famílias – um retrato de São Francisco.
A procura da Ong cresceu. No humilde e precário cômodo não cabia o acervo reunido e não havia espaço para reuniões e eventos. Com muito arrojo a diretoria da Ong promoveu a reforma e ampliação do cômodo e construiu um espaço para eventos. Recursos? Só Deus sabe. Vendendo livros doados por autores da terra, promovendo rifas e festas. Um trabalho imenso. Um sacrifício inaudito. E a dívida lá em cima. São Francisco ganhou um patrimônio. Estudantes e pesquisadores dele se valem. E só isso. O governo municipal e a sociedade, se não torcem o nariz, pouco se dão quanto ao papel importante da Ong, no contexto histórico e cultural de São Francisco.
Na verdade, é bom que se diga, é um campo de trabalho ingrato, amargo. Bom mesmo são os grandes eventos com bandas famosas, todos eles tão fugazes, que levam tanto dinheiro do município.
A Ong com sua última promoção – diga-se de passagem, uma belíssima festa – ficou no vermelho. Ora bolas, que importa agora! Só o futuro dirá.

MORRE O ARTESÃO MARTIM RODRIGUES

São Francisco perdeu um grande artesão na segunda-feira 27, aos 98 anos de idade: Martim Rodrigues. Ele era um ponto de referência no município, quando o assunto era o artesanato. Dos mais afamados fabricantes de viola, um nome despontando na Taboquinha d Tapera, comunidade próxima do povoado Angical.
A arte de Martim não ficava apenas na fabricação de viola. Ele, segundo João Raposo, afamado folião e artesão, foi um carpinteiro dos melhores, muito famoso na construção de casas currais, engenho,  bolinete para ralar mandioca e carro de boi – com uma peculiaridade: os carros que ele fabricava “cantavam direto, ele fazia um eixo de jeito especial, só ele”, falou João Raposo.
A comunidade Taboquinha e seus foliões ganharam grande repercussão nacional depois do excelente trabalho de pesquisa e edição feito por Joacy Ornelas – Foliões e Tocadores, Taboquinha da Tapera. Martim foi um dos visitados por Joacy.

LEMBRANÇAS DO CERRADO

No caminho de casa, indo e vindo do trabalho, meus olhos alcançam um quadro que simboliza todo encanto, toda beleza do cerrado – um belíssimo e florido pé de ipê na calçada do prédio de Tião Agege. No coração  de São Francisco, um retrato de um dos maiores símbolos do nosso cerrado. Aquela imagem de pétalas de tanto ouro,   um tapete colorido estendido no asfalto, como uma homenagem da natureza, levou-me a um sonho a lugar mais distante. E lá fui pousar na serra das Boicanas, município de Arinos, à procura do “buriti de perdido” de Afonso Arinos, que o buriti  também é uma  expressiva manifestação do cerrado dando vida, cor e música às veredas. E mergulho no que a pena romântica de Arinos escreveu:
“Se algum dia a civilização ganhar essa paragem longíncua, talvez uma grande cidade se levante na campina extensa que te serve de sóco, velho Buriti Perdido!
Então, talvez, uma alma amante das lendas primévas, uma alma que tenhas movido ao amor e à poesia, não permitindo a tua destruição, fará com que figures em larga praça, como um monumento às gerações extintas, uma página sempre aberta de um poema que não foi escrito, mas que referve na mente de cada um dos filhos desta terra!”
Este texto lírico encontra-se gravado no mármore constante na Praça Buriti, em Brasília-DF.
E como isso se deu? Durante a construção de Brasília, a palmeira do buriti foi escolhida como símbolo da cidade. Em 1959, inspirado no poema “Um buriti perdido”, de Afonso Arinos, o engenheiro Israel Pinheiro determinou que fosse plantada uma muda da árvore na frente da futura sede do Governo do Distrito Federal. A muda morreu, mas, em 1969, houve uma segunda tentativa e, desta vez, a palmeira conseguiu se desenvolver. No local, foi inaugurada a Praça do Buriti. E, em 1985, aquela árvore foi tombada.
Então, aqui onde tanto falamos em patrimônio histórico – material e imaterial – evocando, entre tantos bens até mesmo o nosso por-do-sol, por que então não dar um destaque ao Ipê perdido da calçada de Tião Agege. Uma vez por ano ele nos traz o amarelo brasileiro, as cores e alegrias do cerrado. Não tantos mais existem, que servidos foram  – matas inteiras – para as serrarias e até mesmo fornos de carvão. Esse ipê tão garboso é parte de um tempo de nossa história. Ipê, buriti, pequi – a família verde e colorida da vida de um cerrado “pai das águas”, que  homens, gradativamente foram destruindo.
Então, eis o portentoso ipê, flor do Brasil cerrado, bem na frente da casa da minha netinha, Princezinha Sorriso Maria. De muito cedo na vida, os olhinhos dela já alcançam aquele quadro de rara beleza e vai se acostumando com as cores do nosso Brasil.