sábado, 20 de abril de 2024

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

 Nota: Esta monografia será dividida em capítulos, 

mais curtos, para uma melhor leitura.


Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS – XVI

  

        O  CAMINHO PELO RIO


Inaugura-se uma nova era – povoamento das barrancas e a navegação pelo rio São Francisco, que se tornou a via comercial das Minas com a Bahia. Canoas a princípio, depois as barcaças, intensificando a navegação ligando Pirapora a Juazeiro, abrindo uma linha interligando o  Sul e o Norte dando ao rio um papel importante na integração do Brasil, lembrando Geraldo Rocha quando afirmou que o “O Rio São Francisco, fator precípuo da existência do Brasil”. As barcaças, em princípio, tiveram um papel importante como meio de transporte de mercadorias  dando proeminência a São Romão e Januária que tiveram movimentados portos.

Chegando-se ao século XVIII observa-se  importantes mudanças sociais e econômica na região do Médio São Francisco. Zanoni Neves anota o que “Sob o impulso do desenvolvimento comercial, alguns povoados foram fundados ao longo da ribeira. Outros como  Barra do Rio das Velhas, São Romão, Salgado e Matias Cardoso cresceram sob o influxo das articulações regionais e inter-regionais”. Surgem, então, as barcas que tinham como principais atividades o transporte de cargas e o comércio ambulante no curso de Juazeiro a Pirapora. As barcas eram importantes na vida econômica dos habitantes das cidades e vilas. Os donos de vendas, ou seja, os pequenos comerciantes de secos e molhados, eram clientes das barcas, onde compravam a rapadura, o sal, a farinha, o feijão, o arroz, a carne seca, o açúcar, a cachaça, o querosene. E mais, havia barca onde se podia comprar tecidos, adornos para as residências, produtos de ourivesaria, carretéis e novelos e calçados.

A par do fator econômico registra-se que os remeiros legaram ao folclore um acervo significativo, sobretudo no campo da literatura oral, como registrado por Zanoni:  poesia, música, casos, contos, mitos e lendas, anedotas e outras narrativas, como o milagre de Bom Jesus da Lapa foram difundidos em toda a região são-franciscana pelos navegantes das barcas”.

No estudo sobre o papel das barcas na história do Médio São Francisco, quanto a fator socializante, econômico e cultural, recomendo a leitura dos livros Os Remeiros do Rio São Francisco, do mestre Zanoni Neves e São Francisco – o rio da unidade  nacional, editado pela Mercedes-Benz do Brasil S.A. É uma oportunidade interessante para conhecer como era extremamente penoso o trabalho dos remeiros na condução das barcas em viagens que poderiam se prolongar por mais de 4 meses; a interação social deles com as mulheres barranqueiras nos prostíbulos, a sua valentia e a maneira como eram tratados – discriminadamente  – pela sociedade das cidades onde aportavam as barcas. E mais, vale a pena – e muito – ver o belo trabalho fotográfico do  francês Marcel Gautherot – Retratos da Bahia, com texto de Lélia Coelho. Trata-se de uma verdadeira obra de arte.

Os vapores terão o registro do nosso sentimento no próximo capítulo.

sábado, 13 de abril de 2024

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

  Nota: Esta monografia será dividida em capítulos, 

mais curtos, para uma melhor leitura.


Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS – XV

  

        Ponto de partida para São Francisco. Segundo Gilberto Freire (Casa Grande & Senzala) “No Brasil, as relações entre negros e as raças de cor foram desde a primeira metade do século XVI condicionadas, de um lado  pela sistema de produção econômica – a monocultura fundiária: do outro lado a escassez de mulheres brancas, entre os conquistadores”. Daí, deu-se início à formação da etnia brasileira, no que escreveu  João Ribeiro: “a fusão das raças branca, negra e vermelha traduz-se em vários tipos de cruzamento (mameluco, mulato, cafuso) branco-índio, branco-negro, índio-negro”.

Neste contexto, a região do Médio São Francisco, compreendendo  uma faixa de São Romão  a Matias Cardoso entra na história a partir da segunda década do século XVIII quando Januário Cardoso foi nomeando pelo Governo-geral com poderes absolutos de Regente, com ordem a pacificar o rio, ainda que a peso de  armas, Ele então ocupara o lugar de seu pai o capitão-mor Matias Cardoso fundador do povoado Morrinhos, hoje Matias Cardoso.

O desenvolvimento populacional desta região foi gradativo, de acordo com circunstâncias de fatores ligados à expansão da pecuária, da criação de fazendas às margens do Rio São Francisco. Januário Cardoso,  tomando um exemplo sugerido pelos índios, que tinham  suas tabas independentes e ligadas apenas ao poder  do cacique, foi entregando a seus companheiros de armas, parentes e amigos íntimos, o governo e domínio das aldeias e novos arraias. Assim foram criadas as fazendas Pedras de Cima (São Francisco), de Domingos do Prado e Oliveira, e Pedras de Baixo (Maria da Cruz) de Pedro Cardoso.

Pelo mesmo motivo que levaram Januário Cardoso a entrar para o S. Francisco, entrou pelo rio Pardo o Capitão Antônio Gonçalves Figueira,  companheiro de armas de Matias Cardoso, que para completar o plano de pacificação, ocupou imediatamente os territórios do Rio Verde e Gorutuba em correspondência com os arraiais do S. Francisco fundando por seu lado Itaí, Olhos-d´Água e Montes Claros.

Assentadas as fazendas Januário Cardoso deu curso ao plano de pacificação enviando tropas comandadas por seu sobrinho Capitão Manuel Tarcísio Toledo, guiado por Manuel Pires Maciel com o concurso de Domingos do Prado, para combater os índios sediados na ilha Guaíbas e na aldeia Tapiraçaba,  no que resultou na criação de São Romão e Januária.

Faço um registro paragonando os desenvolvimentos, através dos anos,  de São Francisco, São Romão e Januária, cidades ribeirinhas, com Montes Claros surgida pela entrada do sertão. Registro feito por Diogo de Vasconcelos (História Média de Minas Gerais) “Quando se avolumou a população das Gerai, e o comércio cresceu de valor em gêneros alimentícios, em gado principalmente, o Capitão que já tinha aberto caminho ligando Montes Claros a Tranqueira, encruzilhada que vinha da Bahia para o S. Francisco, prolongou a linha de Montes Claros  ao Rio das Velhas, encontrando com esta o itinerário , que ia do Sabará à mesma cidade. A viagem tornou-se, além de tudo, mais cômoda e por zonas saudáveis, preferida, portanto, pelos viajantes que deixaram de passar pelo Rio São Francisco”.

sábado, 23 de março de 2024

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

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Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS – XIV

  

        A raça do brasileiro foi formada pela miscigenação por três raças  branca. Negra e vermelha, como acolhido  por diversos historiadores. Destarte, apesar de ser despiciendo pelo tanto que já foi escrito, remeto-me a um sucinto comentário a respeito da raça branca que, de certa forma  tem  certo destaque na humanidade. Rebuscando narrativas históricas atento-me a ela considerando que origina do continente europeu o povo que  deu origem ao povo que descobriu e deu início à colonização do Brasil. Passo, como ponto de partida a ascensão do Império Romano sob o prisma da sede de conquista no período que conquistava imensos territórios na Europa, estendendo sua ânsia e poder de conquista à Ásia e África – poder e riqueza, eram a inspiração. Acompanho, depois,  a expansão do  império britânico, que foi o maior na história da humanidade, chegando a dominar quase um quarto do planeta – era tanto que foi apelidado de “o império no qual o Sol nunca se põe”. Seguem os expansionismos de Portugal, Espanha, França e Bélgica em  busca de especiarias, ouro, diamante e, lamentavelmente, subjugando nativos. Essas civilizações dispondo de recursos náuticos, exército bem equipados, impulsionados pelo mercantilismo estenderam seus tentáculos em territórios da África. O problema é que esses territórios abrigavam diversas etnias e tribos diferentes, com religiões e culturas diferentes, e que eram historicamente inimigas. Isso ocasionou diversos conflitos internos e guerras civis que marcaram a história do continente e contribuíram para a pobreza da população local. Outros fatores que ocasionaram a miséria foram a retirada desenfreada de recursos naturais oriundos da mineração, como ouro e diamantes, e a caça, que esgotaram os recursos naturais em diversos locais daquele continente.

            Não estendo nesta particularidade (expancionismo, imperialismo, ganância) detenho-me em Portugal que, da Europa dos brancos é o que interessa diretamente posto ser o país que descobriu e colonizou o Brasil. Da raça que primeiro influenciou a raça brasileira, à parte do negro e do índio, tem raízes ancestrais na África, como anotou Gilberto Freyre (Casa Grande&Sensala): “Quanto ao fundo considerado autóctone de população tão movediça, uma persistente massa de dólicos morenos cuja cor a África árabe e mesmo negra, alargando de gente  sua  largos trechos da Península, mais uma vez veio avivar de pardo ou de preto. Era como se os sentisse intimamente seus por afinidades remotas apenas empalidecidas; e não os quisesse desvenecidos  sob as camadas sobrepostas de nórdicos nem transmudados pela sucessão de culturas europeizantes. Toda a invasão de celtas, germanos, romanos, normandos (...) Que tudo isso sofreu restrição ou refração num Portugal influenciado pela África, condicionado pelo clima africano, solapado pela mística sensual do islamismo.”

             O antropólogo Ferraz de Macedo definindo o tipo do português, segundo registra Gilberto Freyre, deu logo com a dificuldade fundamental: “a falta  de um tipo dinâmico determinado. O que encontrou foram hábitos, aspirações, interesses, vícios, virtudes variadíssimas e com origens diversas – étnicas, culturais.

            Eis o português colonizador, que definiu Fernando de Azevedo: “O elemento português que se fixava lentamente no Brasil, não era, o que se podia dizer,  uma raça, no sentido biológico da palavra, mas o resultado da mistura dos povos indígenas da península –os primitivos íberos –, e de raças e povos que se cruzaram em constantes migrações pela península ibérica, como os celtas, os regos, os fenícios, os romanos, os visigodos e os árabes, sem falar nos judeus...” A escassez de mulheres brancas contribuía para atiçar para atiçar as relações com as do país e a estimular a mestiçagem de brancos, índios e negros. 

sábado, 16 de março de 2024

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

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Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS – XIII

  

        São tantas as descrições da saga do africano na colônia. Um aspecto abordado por  Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling (Brasil uma Biografia) foi o da  Civilização do açúcar: “Difícil entender como este local, período entre o paraíso e o inferno, iria aos poucos se definir como território importante para o comércio de doçura e fazer largo uso do chamado ‘trato dos viventes’,  também conhecido como ‘infame comércio de almas (...) É a partir de 1650, que o açúcar, em especial aquele feito de cana, converte-se de um luxo raro num produto corriqueiro e basicamente obrigatório.”

            Uma contribuição muito interessante sobre a questão da escravidão vem do jesuíta Antônio Vieira. No Sermão do rosário levanta a voz contra a escravidão. “Os senhores poucos, os escravos muitos, os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus; os senhores nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferros; os senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo como deuses; os senhores em pé apontando para o açoite, como estátua de soberbas, e da tirania, os escravos prostrados com mãos atadas atrás como imagens vilíssimas de servidão e espetáculo de extrema miséria. Oh! Deus. Quantas graças devemos à fé, que nos destes, porque ela só nos cativa o entendimento, para que à vista destas desigualdades reconheçamos, contudo,  vossa justiça e providência  Estes corpos não crescem e morrem como os nossos? Não respiram com o mesmo ar? Não os cobre o mesmo céu? Não os esquenta o mesmo sol? Que estrela é aquela que domina, tão, triste, tão inimiga, tão cruel? Quem pudera cuidar que as plantas regadas com tanto sangue inocente houvessem de medrar, nem crescer e produzir senão espinhos e abrolhos?”

            O  padre Antônio Vieira com sua poderosa eloquência, em seus sermões,  insurgiu contra a escravidão, lutou em defesa dos índios, plantou escolas e, chamou atenção especialmente, como um jesuíta, pela defesa dos judeus, investindo-se com firmeza contra a inquisição. Esse posicionamento, segundo seu biógrafo João Lúcio de Azevedo, citado no ensaio Padre Antônio Vieira e os Judeus, de Arnaldo Niskier, fez dele  “o homem mais detestado de Portugal”.

A mancha: liderado sobretudo por Portugal e Espanha, buscou-se na África subsaariana pessoas para serem escravizadas nas colônias e satisfazerem as necessidades de mão de obra agrícola e da mineração. Nesse processo, assim como os países europeus tomaram riquezas naturais de suas colônias situadas nas Américas, também confiscaram riquezas naturais africanas.

sábado, 9 de março de 2024

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

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Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS – XII

  

        Na África, onde ficou a alma do negro? Nas savanas,  florestas,  rios,  lagos,  vales, animais,  choças,  instrumentos de caça e de trabalho, nos cantos e ritos livres, na voz da natureza, no murmurejar dos rios e fragmentar de cachoeiras, nos perfumes inebriantes da flora e tudo resumido no espírito coletivo: homem – terra na liberdade plena do seu assentamento milenar na Terra-Mãe. Ah! África milenar!. África do Kilimanjaro de pico nevado beijando o céu, das cataratas da Vitória cavando abismos, dos lagos alimentando veios d´água, que serpenteiam suas  extensas planícies. África milenar que na travessia da história traça os fios da civilização na estrutura de Lucy.  Do ouro, do diamante, do marfim, objetos da cobiça de homens que, não satisfeitos em usufruir e usurpar seus bens naturais foram além,  quiseram o homem dele fazendo seu escravo ou objeto de riqueza no comércio humano. Alex  Haley em tintas vivas e marcantes pela ignomínia, no livro Raízes, descreve com realismo a escravidão, o desenlace extraordinário de tudo que naturalmente existia, a posse vital, que ao negro foi roubado arrancando-o da sua terra. Roubaram-lhe a Mãe-África e o levaram a um mundo que lhe era estranho em todos os sentidos. Na Mãe-África  ficou a sua alma, tudo o que tinha, desprovendo-o de sua dignidade humana.

            À força brutal foi arrancado da terra-mãe, acorrentado e atirado em navios da morte  com descreveu  Caio Prado (História do Brasil): “Mal alimentados, acumulados de forma a haver um máximo de aproveitamento de espaço, suportando longas semanas de confinamento e as piores condições higiênicas, somente uma parte de cativos alcançava seu destino”.  A travessia do  oceano, mais que nostalgia, era de extrema dor e ignominia. A. Souto Maior (História do Brasil) registrou: “Os traficantes obrigavam também os pobres negros a dançarem, com evidente intenção de livrá-los do torpor e da melancolia, mas o banzo, uma psicose depressiva, provocada pelo sofrimento e nostalgia, dizimava-os. Alguns se atiravam ao mar.”

            Vindo os grupos, em sua maioria da costa oriental aportaram, em maiores contingentes na Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro –  Moçambique, Guiné, Congo, Costa do Marfim;  maiores grupos, os bantos, dois grandes grupos: angola-congoleses e moçambiques. Chegaram destituídos de sua personalidade e dignidade como bem observou Boris Fausto: “O negro  era considerado juridicamente uma coisa e não uma pessoa”.  Em tal situação viraram objeto do interesse econômico dos senhores  como tão bem definiu  os definiu o jesuíta Antonil dono de frases tão sintéticas como cruéis, “Como as mãos e os pés do senhor do engenho, porque sem eles no Brasil não seria possível fazer, conservar e aumentar a fazenda, nem ter engenho corrente”. Real alicerce da sociedade, os escravos chegaram a constituir, em regiões como o recôncavo na Bahia, mais de 75% da população. 

sábado, 2 de março de 2024

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

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Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS – XI

  

        Chegamos à história do negro no Brasil e, consequentemente, ao fio da nossa etnia. Então, somos levados a ultrapassar a antropologia detendo-nos a um aspecto singular, o que certamente mais fala do negro em nossa formação: a sua personalidade, à sua alma. Recorri, então, em primeira linha, ao fantástico livro Mãe África de Fidêncio Maciel de Freitas renomado engenheiro, que reside atualmente em São Francisco, onde tem uma criação de búfalos e cabritos, e laticínio,  fabricando a apreciada mussarela. Sua trajetória profissional é variada, eclética e, de certa forma, curiosa. Como engenheiro profissional, com reconhecimento internacional, trabalhou no Iraque e Irã, mas sua maior experiência foi na África vivendo na República Camarões por mais de quatro anos como diretor de uma grande construtora brasileira. A enorme curiosidade fez com que ele  se interessasse apaixonadamente pela África, o que o levou a escrever  o livro Mãe África revelando religiões, crenças e costumes africanos com singularidade e honestidade – uma obra apaixonante de imenso valor histórico e cultural.

            Na apresentação do livro, ele delineia o seu conteúdo fundamental: “Nada mais ultrapassado do que discutir superioridades raciais. Os homens são iguais, embora as culturas sejam diferentes. Usando uma linguagem moderna podemos dizer que o homem é uma máquina viva, dotada de um computador. E o que diferencia um indivíduo do outro não é a máquina, nem o computador,  mas o software instalado em cada um. Este software é a cultura da pessoa, no seu sentido mais amplo. Acrescente-se a esta definição materialista o sopro de Deus, já que o homem é um ser religioso, mesmo que, às vezes, possa não aceitar esse fato”.

            Ainda apresentando o livro, ele toma palavras de Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala) uma verdadeira ode referencial à nossa etnia. “Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo (...), a sombra, ou pelo menos a pinta do indígena ou do negro (...) A influência direta, ou vaga e remota do africano. Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera da vida trazemos quase todos a marca da influência negra da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolengando na mão o bolo de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho de pé de uma coceira boa, da que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama-de-vento, a primeira sensação completa de homem, do moleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo”.

            É uma boa indicação para cumprir o nosso intento.  

sábado, 24 de fevereiro de 2024

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

 Nota: Esta monografia será dividida em capítulos, 

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Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS – X

  

        O índio está em nossa ancestralidade mais recente e direta no liame  à terra-mãe. A nossa etnia – informações genéticas físicas, espirituais e comportamentais –, no entanto, vem de tempos mais distantes, esquecidos nas brumas dos séculos. A raça mais próxima na composição de nossa etnia, depois do índio, é a do negro africano. No processo da aglutinação das três raças do branco, do índio e do  negro ocorreu a formação da raça do brasileiro. O caminho, no entanto é longo, passando por milênios. Percorrendo espinhosos e tortos caminhos, muitas vezes com indignação diante de atos ligados ao comportamento humano, vamos encontrar fiapos de raízes da abominável escravidão, fato marcante da introdução do negro africano no processo de colonização do Brasil e, consequentemente, na formação da raça brasileira. Ainda que não se aprofunde na questão, por demais debatida e exposta em  estudos por cientistas e historiadores, apenas para dar curso a este sucinto trabalho, pretendo discorrer sobre o assunto para entender o porquê da escravidão e como ela, apesar do sofrimento imposto a seres humanos, teve extraordinária importância na constituição do nosso País. Indo além para  entender a nossa ancestralidade como um raça brasileira, fusão, em sua origem na três raças branca, índia e negra.

      Revendo a escravidão em suas origens buscamos entender o comportamento humano ou desumano. Ela foi presente nas sociedades do Egito Antigo por mais de dois milênios – desde o Império Antigo (2700–2200 a.C.), prisioneiros de guerra eram escravizados e um grande contingente da população realizava trabalho compulsório. No Código de Hamurabi (1792-1750 a.C) a escravidão também era contemplada. Passou pela antiga Grécia onde encontramos o conceito do  Aristóteles (A Política) sobre a  escravidão: “A utilidade dos animais domésticos e a dos escravos é mais ou menos a mesma que tanto uns, quanto outros ajudam-nos, através de sua força física, a satisfazer as necessidades da existência. Assim a guerra é um meio natural, pois ela compreende esta caça que se deve fazer aos animais selvagens e aos escravos, que, nascidos  para obedecer, se recusam à obediência”. Espantoso em tempos atuais.

       Conhecer o papel representado pelo branco, índio e o negro nas raízes da nossa civilização nos levará a entender melhor o comportamento da raça resultante, o brasileiro, em seus costumes de modo geral. No caso, em ligeiras linhas, já abordamos a participação dos índios e a presença deles na formação do povo barranqueiro, em nosso caso, no médio São Francisco. Vamos, então,  nos ater um pouco da presença do negro.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

ANTÔNIO GUEDES MOREIRA, UMA VIDA DE DEDICAÇÃO À SOCIEDADE

 

João Naves de Melo


Todas as coisas são difíceis: os homens não podem as explicar com palavras – Eclesiastes 1:8

 


            Lá pelos anos 80 conheci um oficial do Cartório 2º Ofício da Comarca de Januária. Iniciava minha jornada como advogado depois de anos dedicados ao magistério. Ainda verde nos trâmites forenses, em uma ação que se desenvolvia, em parte, em Januária onde encontrei, ao realizar uma pesquisa, um oficial no fórum daquela comarca, que com toda solicitude atendeu-me, ou melhor, orientou-me nos embaraçosos trâmites de uma ação cívil.  Deu-me o seu nome de família – Guedes. Logo o associei a outro Guedes (Zé), de São Francisco, meu guia pelas incursões no cerrado colhendo informações para um livro que eu escrevia sobre este valioso bioma. Pronto, estabeleceu-se um fio, um liame, criou-se  uma empatia entre nós.

            Passaram-se os anos e, de repente, deparo-me com um dito popular: “o mundo dá muitas voltas...”. Pois é, em uma delas eis-me, mais de trinta anos depois,  em novo  contato com o Guedes, contudo de forma muito especial: o neto dele, Allan, casou-se com minha filha Rachel. Então, daquele simples e primeiro contato, passamos a uma convivência mais amiúde e, com isso, fui conhecendo um pouco de sua história. No corre-corre de minha vida, atropelado por trabalhos à frente ou participando de diversos organismos em nossa terra – nas áreas ambientais, sociais, culturais e história – dediquei um tempo à atividade de escritor para registrar o meu trabalho de pesquisas, à escrita de memórias e  romances. Certo dia, ocorreu-me que preciso era deixar as fronteiras de minha cidade e ir à vizinha Januária, pois ali luzia uma extraordinária figura que deveria fazer parte dos meus escritos. Lembrei-me do ensinado em Eclesiastes: “Todas as coisas são difíceis: os homens não podem explicar com palavras”. O propósito a que me propus não seria nada fácil diante, não do desconhecido, mas pela figura que se me avultava ao objetivo proposto. Seria possível explicar a vida do Seu Guedes com palavras? Talvez não, mas quiçá seja permitido, assim mesmo, ousar em fazer um registro, pelo menos para guardá-lo em nossa memória, afinal ele é bisavô de minha adorada netinha Maria Naves – família entrelaçada.  

 

            QUEM É ANTÔNIO GUEDES MOREIRA

 

            Seu Guedes – como carinhosamente é tratado – nasceu na fazenda Pedrinhas, distrito de Serra das Araras, município de São Francisco-MG,  no dia 4 de abril de 1932, filho de Sebastião Moreira dos Anjos e Enedina Guedes Moreira (ela nasceu em São Francisco, filha de Benjamin Guedes e Eloína Guedes – tradicional família são-franciscana estabelecida na região de Serra das Araras, onde viveu o seu tio Vigovino, homem de elevada cultura, esotérico, que diariamente ouvia  noticiário da Rádio BBC de Londres em uma cabana onde improvisara uma biblioteca e, no mais, ele era iniciado na sociedade Rosacruz. Passo seguinte começou em Januária para onde se transferiram seus pais.Com oito anos de idade  Guedes  começou a trabalhar como alfaiate;  cursou o primário, o ginasial e o Curso Técnico de Contabilidade  no famoso Ginásio São João – foi contemporâneo de Aristomil Gonçalves Mendonça  (oficial de justiça e ex-prefeito de São Francisco). Em 1951 alistou-se no Tiro de Guerra do Exército Brasileiro guarnição de Januária – onde construiu uma história de muito respeito, de conquista e de uma indelével posição após ter dado baixa. Mais tarde foi vendedor de uma loja. Em 1952 foi admitido como funcionário do Banco Agrícola de Minas Gerais, exercendo o cargo de chefia de serviço. Em 1958 prestou concurso e foi aprovado como escrivão judicial e extra-judicial, escrivão e tabelião, cargo que exerceu no correr de  magistraturas de mais de 40 juízes na comarca de Januária. Enfim, no dia 25 de maio de 1961, por ato do governador do Estado foi investido na serventia vitalícia do ofício de 2ª Tabelião e Escrivão do civil da Comarca de Januária. Ele  ainda está em plena atividade auxiliado por sua filha Rosa, agora em um Cartório modernizado e com atendimento estendido a Cartório de Protestos.  O fato novo o faz ir ao passado quando para desempenhar a função era obrigado a fazer “uma verdadeira ginástica profissional”. Não sem razão, ele mesmo contou que apesar da urbanidade que sempre dispensou a todos é um verdadeiro jogo de cintura atender às necessidades de cada um. No cartório era necessário esforço físico mesmo, principalmente nas dificuldades iniciais da comarca, quando os processos ficavam em caixas de sabão, entre morcegos e baratas, ou na correria imposta pelas cheias do São Francisco alagando o fórum.

            Seu Guedes dedicou-se à atividade no campo, comprando uma propriedade na localidade de Pandeiros, com muito sacrifício, onde por bons anos exerceu a lida de produtor agrícola – pecuária e agricultura. Sem condições de manter esta atividade, pela distância, adquiriu um sítio na localidade de Barreiro, a 5 km da cidade – a atração pela atividade pastoril manteve-o ligado à terra.

 

OUTRAS PASSAGENS

 

            Antônio  Guedes  tem participação ativa na Loja Maçônica Duque de Caxias de Januária, tendo exercido o cargo de Orador e Inspetor Geral da Ordem do Grau 33; faz parte do Supremo Conselho do Grau 33. Foi um grande desportista: corria – ida e volta – de Januária ao Brejo (12 km) para jogar bola; foi do segundo quadro do tradicional Clube Regata Monte Castelo do qual foi um dos fundadores; gostava muito de navegar em canoa no rio São Francisco. Marcou sua passagem no Tiro de Guerra como exímio atirador. A sua relação com a corporação é tão intensa que em todo evento por ela realizado na cidade, anda atualmente,  ele é convidado, destacado e homenageado, especialmente em eventos  cívicos, desfilando em veículo militar.

            Foi Escrivão Eleitoral durante muitos anos recebendo, em 1966, atestado de integridade e idoneidade firmado por todos partidos políticos e juiz eleitoral da Comarca. No Centenário de  Januária foi condecorado como Escrivão do Século.

 

OUTRAS MENÇÕES E FEITOS

 


            Foi homenageado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais com a Medalha Desembargador Hélio Costa.

            Obteve o reconhecimento  do judiciário da Comarca de Januária, pelo juiz de direito Paulo Roberto Pinto Zanini, atestando que “Antônio Guedes Moreira é serventuário exemplaríssimo, cumpridor incansável de seus deveres e obrigações, destacando-se como o melhor entre os ótimos, este juiz jamais encontrou e jamais encontrará pessoa tão cheia de méritos e qualidade de caráter”.

            Recebeu o diploma de Colaborador Emérito do Exército  em reconhecimento aos relevantes serviços prestados ao Exército Brasileiro, assinado  pelo General do Exército Fernando Azevedo e Silva, comandante militar do Setor Leste.

            Foi colaborador do lançamento da revista Alfa Centauri.

            Foi destacado na coluna Gente de Januária pela revista Alfa Centauri.

            Foi destacado por juízes que serviram à Comarca como “Embaixador do Fórum”. De uma feita foi designado para substituir o  juiz da comarca de Manga na realização de uma convenção partidária num ambiente de acirrada política.

            O nome de Antônio Guedes Moreira está ligado a um evento de grande repercussão registrado pela revista Alfa Centauri: “Em fevereiro de 1977 atendendo a sugestão de Antônio Guedes Moreira o prefeito de Januária, Euler Tupiná Bastos, concedeu a Zulmira Rolim de Mendonça Lins uma bolsa de pesquisa para o trabalho de levantamento das grutas de Januária”. Consequentemente, utilizando os mapas e relatórios da Sociedade Excursionista e Espeológica dos alunos da Escola de Minas de Ouro Preto, foi iniciado o trabalho de pesquisa que durou seis meses. A orientação deste trabalho esteve a cargo do professor januarense  Saul Alves Martins, antropólogo da UFMG, folclorista de renome. Hoje, o Brasil tem os olhos voltados para as grutas de Januária, o complexo Peruaçu (município de Januária e de Itacarambi) que  têm despertado a atenção de espeleólogos e arqueólogos de muitas partes do mundo estando, inclusive, concorrendo à indicação de patrimônio da humanidade, com grandes possibilidades de ser confirmado.

Certificado de reconhecimento profissional expedido pelo Rotary Clube de Januária – Águas Belas.

 

 AMIZADES

 

Seu Guedes tem inúmeros amigos. Registra, especialmente, os nomes  de Saul Martins (mestre do folclore, autor de vários livros), Tertuliano Silva (poeta e músico, autor da canção Januária, terra amada) Coronel Laurentino  Filocre  (presidente do Tribunal de Justiça Militar), Mário Lisboa e Sebastião Carlos de Matos, ex-prefeitos de Januária; Dom Daniel Baeta Neves e Dom João Batista,  bispos diocesanos de Januária,  e um grande número de pessoas, entre elas vários que militaram em Januária tendo, todos, grande apreço por ele.

 

A FAMÍLIA

 

Casou-se com Maria das Dores  com quem teve os filhos Eustáquio, Arlete, Rosa, Vera Lúcia, Antônio Guedes Moreira Filho e Vicente. Netos: Farley  Allan, Júnior, Caroline, Camila, Luanne, Isadora,  Antônio, Pedro Jackeline, Heitor, Victor; bisnetos: Miguel, Arthur, Maria Naves, Pietro, Laura e  Matheus.

Sua esposa era bisneta do Barão de São Romão, importante figura na história de Januária (José Eleutério de Sousa), primeiro e único barão de São Romão (18101894), um nobre brasileiro, agraciado barão e coronel da Guarda Nacional. Na vigência do Regime Imperial liderou por muitos anos o Partido Liberal.

 

QUEM É O SEU GUEDES

 


            É um homem generoso, dado à caridade, sem ostentação, muito  querido e respeitado na comunidade januarense, por ricos e pobres, um cidadão cônscio de seus deveres para com a sociedade e a Pátria, o que se constata na trajetória de sua vida. Homem dedicado ao trabalho honesto, sempre firme,  todos os dias a postos  em sua mesa de trabalho no Cartório – uma lenda construída ao curso de décadas e mais décadas.  Homem que dignifica o passado com suas ações, com sua participação na vida comunitária, por suas ações humanitárias, ainda atuante, com vigor e alegria, aos 91 anos, vésperas de 92, sem dúvida um exemplo a ser seguido por seus contemporâneos e pelos pósteros contribuindo pelo engrandecimento de sua amada Januária. A sua trajetória de vida e de serviços prestados à comunidade foram reconhecidos pela Câmara Municipal de Januária que lhe outorgou o Título de Cidadão Honorário do município.

            Quando me veio a intenção de falar um pouco sobre este grande homem, este grande amigo, ative-me à lição do Eclesiastes :“Todas as coisas são difíceis: os homens não podem as explicar com palavras”. Sim, todas as coisas, honestamente, são difíceis e, muitas vezes não podemos explicá-las. Ora, não busco explicações para falar o Seu Guedes. Busco render-me aos fatos, à pessoa tão grande que é (ainda que tão miudinho fisicamente) Antônio Guedes Moreira, o admirado e respeitado Seu Guedes. Em nossa conversa Guedes sinalizou uma das razões que o colocam em situação de respeito, uma frase curta, mas de imensa sabedoria, que pode levar muitas pessoas, às  vezes insensatas, a refletir buscando uma vida harmoniosa: “Eu nunca misturo política com religião”.

        Aí, amigo Guedes, agora você está no meu caderno com todo carinho.


NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

 Nota: Esta monografia será dividida em capítulos, 

mais curtos, para uma melhor leitura.


Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS – IX


    Concluo os capítulos sobre os índios com o papel da índia na contribuição da família brasileira. Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala) tece interessantes considerações sobre ela: “A mulher gentia temos que considerá-la, não só a base física da família brasileira, aquela em que se apoiou, robustecendo-se e multiplicando-se, a energia de reduzido número de povoadores europeus, mas valioso elemento de cultura, pelo menos material, na formação brasileira” Freire observa que dela nos veio a melhor da cultura indígena, que surpreende em alguns aspectos em relação ao europeu  elencando casos especiais: o asseio pessoal. A higiene do corpo banho e compara: “O brasileiro de hoje, amante do banho e sempre pente e espelhinho no bolso, o cabelos brilhantes de loção ou de óleo de coco, reflete a influência de tão remotas avós”. Informa ainda um registro de Robert  Lowie (Are  We Civilized) citando um cronista alemão: “Ainda se encontra pessoas na Alemanha que em toda a sua vida não se lembravam de ter tomado banho uma única vez”. Há registro que  damas da corte não tinham o costume de banhar-se, limitando-se ao hábito de mal e mal lavar as mãos. O homem moderno não se vale daqueles recursos para se enfeitar, porém não dispensa o que lhe oferece a moderna indústria de cosméticos.

    Nossos índios foram os primeiros a descobrir e a desfrutar da riqueza da flora brasileira em benefício da saúde – as plantas medicinais, cujo emprego deu lugar à medicina caseira segundo o folclorista emérito Saul Martins, chegando a São Francisco, em tempos recentes, através de Zé Guedes, Vicente Barbosa, Olinto e Catarino.      O Ministério da Educação e a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais financiaram  uma  pesquisa que resultou na publicação do “Livro Xacriabá de Plantas Medicinais – Fonte de esperança e mais saúde”, que traz um chamado dos índios Xacriabá: “Caro leitor, dentro deste livrinho você vai encontrar a grande importância sobre as plantas medicinais. Este livro surgiu para dar uma  resposta concreta  a um dos maiores problemas constatados por nós, índios Xacriabá, que usamos nossos conhecimentos gerais para conservar a nossa saúde. Pedimos que leia com bastante atenção. Nós, índios Xacriabá, valorizamos a natureza, pois ela é a nossa vida, onde encontramos alimentos, remédios, etc”.

O livro traz cinquenta e duas receitas para tratamento de diversas  doenças apenas com emprego de plantas medicinais encontradas em nossos cerrados e matas. 

sábado, 3 de fevereiro de 2024

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

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Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS – VIII


Encontrei indícios da gênese da nação barranqueira do São Francisco em informações da antropóloga  Rita Heloisa de Almeida (filha do barranqueiro, de Januária, Manoel José de Almeida), na Revista de Estudos e Pesquisas, editada pela FUNAI, com título Xacriabá – Cultura, História, Demandas e Planos, que interessam ao  nosso trabalho. Uma reafirma o já anunciado anteriormente: “Na segunda década do século XVIII, eles (xacriabás) são convocados a se aliar ao mestre Januário Cardoso de Almeida,  filho de Matias Cardoso, nos confrontos bélicos contra o inimigo em comum – os Kaiapós. Em reconhecimento aos serviços militares prestados, ganharam liberdade e um lote de terras delimitado pelos rios Itacarambi, Peruaçu e São Francisco”. Essa  informação coaduna-se com outras que informam ter  Januário Cardoso, com a morte de Matias Cardoso, assumido  o posto de Regente do São Francisco, nomeado pelo Governador-geral, substituindo  Matias Cardoso fundador de Morrinhos, hoje Matias Cardoso, senhor de  extensa área no médio São Francisco, nela incluída São Francisco. Destarte, São Romão, Januária e São Francisco só podem ter origem depois de 1720. Outra informação importante no estudo de Rita Heloisa que nos interessa diretamente:  Por ocasião da fundação de uma nova fazenda, Nossa Senhora do Amparo do Brejo Salgado, erguida sobre a aldeia Tapiraçaba, hoje Januária, os xacriabás são forçados a se deslocar para o rio Urucuia” (entendo melhor que seria região do Urucuia, que abrangeria o Rio Acari onde eles foram assentados segundo Diogo de Vasconcelos). Outra informação importante, dela: “Os primeiros habitante brancos da região compreendida entre os municípios de São Romão e Manga foram  Matias Cardoso de Almeida e Manoel Francisco de Toledo. Eles foram os conquistadores e povoadores do médio São Francisco.”

Assenta-se que a civilização do  Médio São Francisco aconteceu por uma providência encetada pelo Januário Cardoso que, segundo Diogo de Vasconcelos,  assumiu as terras de seu pai Matias Cardoso, nomeado Regente do Médio São Francisco pelo Governador-geral com a incumbência de reprimir a pirataria que infestava o rio de alto a baixo para garantir a livre navegação e de pacificar aquele imenso território. Prudente, Januário  acolheu o “exemplo sugerido pelos índios, que tinham suas tribos independentes e ligadas apenas ao poder do cacique. Assim ele executou o sugerido doando aos seus parentes e amigos íntimos, o governo e o domínio das aldeias e, assim, nasciam os arraias com seu governo, resultando nas fazendas de Pedras de Cima (São Francisco) e Pedras de Baixo (Maria da Cruz), que reforçaram as tropas de Januário Cardoso  nas conquistas da ilha das Guaribas (fundação de São Romão) e  Tapiraçaba no Salgado (Januária). Os xacriabá, em reconhecimento ao apoio dado a Januário Cardoso, segundo Rita Heloísa, foram contemplados com terras:  “vivem no município de São João das Missões, em 29 aldeias espalhadas nas duas terras demarcadas Xacriaba e Xacriabá Rancharia”.

            Encontramos, assim, em nossa etnia, o branco e o índio.


sábado, 20 de janeiro de 2024

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

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Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS – VII


Vou um pouco além na busca do  papel do índio na formação da etnia brasileira, é preciso, tendo como lição o que escreveu João Capistrano de Abreu: “A história não é somente uma questão de fato: ela exige imaginação que penetre o motivo da ação, que sinta a emoção já sentida, que viva o orgulho ou a humilhação já provados. Ser desapaixonado é perder alguma verdade vital do fato; é impedir reviver a emoção e o pensamento dos que lutaram, trabalharam e pensaram”. E sobre a  Colônia: “Não era  conquista só o que interessava: não era só a coisa, era o espírito da coisa

            Impossível me foi mergulhar mais na história do índio brasileiro. E não pouco  foram as razões, elencadas entre elas o fato de eu não ser acadêmico em História, de não dispor de mais material para pesquisas, não tendo disponibilidade econômica para empreender pesquisas alhures, restringindo-me às bibliografias disponíveis – os autores citados neste trabalho. Restam-me na empreitada as emoções e sentimentos com a atenção voltada ao pensamento e ações dos que viveram os tempos inaugurais do nosso Brasil.

João Ribeiro, no livro História do Brasil, mergulhando no continente bravio, inteiramente desconhecido, reproduziu a primeira descrição feita sobre os índios nele encontrados pelo escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, com admirável sensibilidade: “A feição dos índios é serem pardos, à maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes bem feitos”. Uma descrição pictórica que nos traz a imagem  dos nossos índios, belos, sem dúvida.  João Ribeiro registra que um grupo de indígenas esteve à bordo da nave de Cabral, onde não foram entendidos pelos intérpretes, mas  deixaram excelente impressão pela doçura de índole e pela inocência de suas maneiras primitivas.

            Boris Fausto (História do Brasil) vai um pouco além descrevendo o encontro após a descoberta: “Quando chegaram à terra que viria ser o Brasil, encontraram um população ameríndia bastante homogênea em termos culturais e linguísticas distribuídos  ao longo da costa e na beira dos rios Paraná-Paraguai.

            Em pouco o cenário iria se transformar à medida que o português foi ocupando a Colônia e pela presença de piratas, de franceses, espanhóis   e holandeses cobiçando as riquezas da terra descoberta. O novo cenário foi envolvendo os índios em diversos episódios formando alianças com os invasores, rebelando-se contra os colonos, guerreando-se entre eles mesmos – tupis e tapuias, principalmente. Chegou-se à era dos conflitos.


sábado, 13 de janeiro de 2024

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

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Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS – VI


A relação da população são-franciscana com os índios é nebulosa. São minguadas as informações deles  tendo-se apenas tangentes de alguns autores, como foi relatado anteriormente o primeiro registro escrito sobre a existência de índios em nossa região. Diogo de Vasconcelos fez referência à carta do padre João Aspilcueta anotando que “o descobrimento se deu no trecho entre  Barra do Mangai e Pandeiros”. Antônio Emílio Pereira também referiu-se a essa carta anotando: “Visitamos a barra do Mangai, rio que limita os município de São Francisco e de Januária, até as proximidades do São Francisco (...) “Esta região, com a nova divisão dos municípios, pertence a Maria da Cruz” (Memorial Januária – Terra, Rios e Gente).

Jean Baptiste Debret, em obra já citada,  também fez  um registro da presença de índios em nossa região: “A grande raça dos Tapuias, considerada pelos historiadores a mais antiga do Brasil ocupava toda a costa, desde o Rio Amazonas, até o Prata e, no interior  das terras, desde o Rio São Francisco até o Cabo Frio”(Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil). Ato histórico confirmado, posteriormente, por Diogo de Vasconcelos, dando conta que tapuias estabeleceram ligames de duas aldeias na ilha Guaíbas (São Romão) e Tapiraçaba (Januária). Como moradores primitivos nessas localidades, certamente, legaram influência genética na etnia de januarense e de são-romanense. Quanto a São Francisco,  a presença do índio em nosso território, à falta de registros, enveredamos na senda das hipóteses,  algumas bem viáveis. Primeiro temos como referência a Barreira dos Índios na foz do Rio Acari no Rio São Francisco. Foi registrado por Diogo de Vasconcelos que índios remanescentes dos tapiraçabas, após serem derrotados pelas tropas de Januário Cardoso, a pedido da índia Catarina, filha do cacique e esposa de Manuel Pires Maciel,  deixaram a serra de Brejo do Amparo e foram para a região Acari (Serra das Araras, São Francisco). Não há registro da presença deles senão  referências a guisa de deduções – a famosa vereda Catarina de Serra das Araras e o nome do rio que por perto tem nascente. Acari é  um nome indígena; quanto a vereda, à falta de outra explicação, o seu nome é possível que seu nome teria sido dado em referência da índia Catarina, que facilitou a libertação dos índios que mudaram para o sertão do Acari.

Sem registro em compêndios de história há notícia da presença de  índios na região do território de Serra das Araras, que me foi passada pela dona Jandira de Souza Pinto em entrevista publicada no meu livro Às margens do São Francisco, a cidade. Dos fatos antigos ela conta “que ouviu de seus pais que a vó Honória era índia, e que, quando criança,  fora capturada na região do Urucuia” – há citações de vários autores dando ciência que índios tapuias, escorraçados do Nordeste, estabeleceram-se na região do Rio Urucuia que se sabe banha o território de Serra das Araras. 

sábado, 6 de janeiro de 2024

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

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Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS – V


Estamos nos aproximando de São Francisco, mas ainda carecemos de informações para saber um pouco mais sobre a etnia do são-franciscano, quais foram as influências que sofreu na formação de sua cultura em sentido amplo,  um estudo que não desperta muita atenção, mormente nas escolas. Na sociedade, perde-se  em estéril fisiologismo estigmatizando grupos, distinguindo-os  somente pela cor, em prejuízo da sua grandeza no contexto da formação da sociedade brasileira, que não tem raça distinta; na homogeneidade está sua beleza, nossa riqueza, incomum no concerto das nações considerando que na propriedade hipotética do Universo, o cosmo, considerado como um todo, se apresenta semelhante para todos os observadores, independentemente do lugar que ocupa.

            Em dois capítulos vamos nos ater um pouco sobre o papel do índio, que originariamente era ele o senhor da terra descoberta pelos portugueses. Em princípio, nações deles se espalhavam por terras virginais tendo como notícia primeira a carta do padre João Aspilcueta Navarro, membro da expedição de Francisco Espinosa, que deixou Porto Seguro no ano de 1555 para explorar o interior da Colônia no afã de satisfazer a cobiça da coroa portuguesa pelo ouro e para converter os gentios à fé cristã. Esta  notícia antecede em quase duzentos anos à dispersão dos tapuias do Ceará e Amazonas, conforme anotado por Diogo de Vasconcelos e Jean Batiste Debret. A carta foi reportado por João Capistrano de Abreu in Capítulos de História Colonial (1500-1800). Nela o padre Aspilcueta narra ter deparado com “uns Índios que chamam Tapuyas, que é uma geração de índios bestial e feroz; porque andam pelos bosques, como manada de veados, nus, com os cabelos compridos como mulheres; a sua fala é bárbara e eles mui carniceiros”. Um detalhe que nos interessa mais, na carta: “Daqui fomos dar com uma nação de gentios que se chama Cathiguçu. Dahi partimos e fomos até um rio mui caudal, por nome Pará, que segundo os índios nos informaram é o rio de S. Francisco e é mui largo. Da parte donde estávamos são os índios que deixei; da outra chamara Tamoyos, inimigos deles e por todas as outras partes Tapuyas”.

            Então, em território original de São Francisco, às margens do rio Mangai, existia uma aldeia dos índios tratados pelo Padre Aspilcueta como Cathiguçu e, ainda na região, aldeias de índios Tapuias. Não há outros registros (pelo menos aos que tive acesso) que noticiam a existência de outras aldeias em nosso território, contudo, não há dúvida que por nossas terras ele viveram. Brasiliano Braz em seu livro São Francisco nos caminhos da história, também não fez nenhum registro sobre a presença de índios no território são-franciscano. A única referência encontrada em seu livro, além da notícia sobre a expedição de Espinosa, foi a lenda indígena que fala sobre uma velha quixabeira e e o palácio encantado de uma sereia tendo como palco um palácio encantado incrustado no penedo do cais onde foi erguida a igreja Matriz de São José.