João Naves de Melo
Todas as coisas são
difíceis: os homens não podem as explicar com palavras – Eclesiastes 1:8
Lá
pelos anos 80 conheci um oficial do Cartório 2º Ofício da Comarca de Januária. Iniciava
minha jornada como advogado depois de anos dedicados ao magistério. Ainda verde
nos trâmites forenses, em uma ação que se desenvolvia, em parte, em Januária
onde encontrei, ao realizar uma pesquisa, um oficial no fórum daquela comarca, que
com toda solicitude atendeu-me, ou melhor, orientou-me nos embaraçosos trâmites
de uma ação cívil. Deu-me o seu nome de
família – Guedes. Logo o associei a outro Guedes (Zé), de São Francisco, meu
guia pelas incursões no cerrado colhendo informações para um livro que eu
escrevia sobre este valioso bioma. Pronto, estabeleceu-se um fio, um liame,
criou-se uma empatia entre nós.
Passaram-se
os anos e, de repente, deparo-me com um dito popular: “o mundo dá muitas
voltas...”. Pois é, em uma delas eis-me, mais de trinta anos depois, em novo
contato com o Guedes, contudo de forma muito especial: o neto dele,
Allan, casou-se com minha filha Rachel. Então, daquele simples e primeiro
contato, passamos a uma convivência mais amiúde e, com isso, fui conhecendo um
pouco de sua história. No corre-corre de minha vida, atropelado por trabalhos à
frente ou participando de diversos organismos em nossa terra – nas áreas
ambientais, sociais, culturais e história – dediquei um tempo à atividade de
escritor para registrar o meu trabalho de pesquisas, à escrita de memórias e romances. Certo dia, ocorreu-me que preciso
era deixar as fronteiras de minha cidade e ir à vizinha Januária, pois ali
luzia uma extraordinária figura que deveria fazer parte dos meus escritos.
Lembrei-me do ensinado em Eclesiastes: “Todas as coisas são difíceis: os homens
não podem explicar com palavras”. O propósito a que me propus não seria nada
fácil diante, não do desconhecido, mas pela figura que se me avultava ao objetivo
proposto. Seria possível explicar a vida do Seu Guedes com palavras? Talvez
não, mas quiçá seja permitido, assim mesmo, ousar em fazer um registro, pelo
menos para guardá-lo em nossa memória, afinal ele é bisavô de minha adorada
netinha Maria Naves – família entrelaçada.
QUEM É ANTÔNIO
GUEDES MOREIRA
Seu
Guedes – como carinhosamente é tratado – nasceu na fazenda Pedrinhas, distrito
de Serra das Araras, município de São Francisco-MG, no dia 4 de abril de 1932, filho de Sebastião
Moreira dos Anjos e Enedina Guedes Moreira (ela nasceu em São Francisco, filha
de Benjamin Guedes e Eloína Guedes – tradicional família são-franciscana
estabelecida na região de Serra das Araras, onde viveu o seu tio Vigovino,
homem de elevada cultura, esotérico, que diariamente ouvia noticiário da Rádio BBC de Londres em uma
cabana onde improvisara uma biblioteca e, no mais, ele era iniciado na sociedade
Rosacruz. Passo seguinte começou em Januária para onde se transferiram seus
pais.Com oito anos de idade Guedes começou a trabalhar como alfaiate; cursou o primário, o ginasial e o Curso
Técnico de Contabilidade no famoso
Ginásio São João – foi contemporâneo de Aristomil Gonçalves Mendonça (oficial de justiça e ex-prefeito de São
Francisco). Em 1951 alistou-se no Tiro de Guerra do Exército Brasileiro guarnição
de Januária – onde construiu uma história de muito respeito, de conquista e de
uma indelével posição após ter dado baixa. Mais tarde foi vendedor de uma loja.
Em 1952 foi admitido como funcionário do Banco Agrícola de Minas Gerais,
exercendo o cargo de chefia de serviço. Em 1958 prestou concurso e foi aprovado
como escrivão judicial e extra-judicial,
escrivão e tabelião, cargo que
exerceu no correr de magistraturas de
mais de 40 juízes na comarca de Januária. Enfim, no dia 25 de maio de 1961, por
ato do governador do Estado foi investido na serventia vitalícia do ofício de
2ª Tabelião e Escrivão do civil da Comarca de Januária. Ele ainda está em plena atividade auxiliado por
sua filha Rosa, agora em um Cartório modernizado e com atendimento estendido a
Cartório de Protestos. O fato novo o faz
ir ao passado quando para desempenhar a função era obrigado a fazer “uma
verdadeira ginástica profissional”. Não sem razão, ele mesmo contou que apesar
da urbanidade que sempre dispensou a todos é um verdadeiro jogo de cintura
atender às necessidades de cada um. No cartório era necessário esforço físico
mesmo, principalmente nas dificuldades iniciais da comarca, quando os processos
ficavam em caixas de sabão, entre morcegos e baratas, ou na correria imposta
pelas cheias do São Francisco alagando o fórum.
Seu
Guedes dedicou-se à atividade no campo, comprando uma propriedade na localidade
de Pandeiros, com muito sacrifício, onde por bons anos exerceu a lida de
produtor agrícola – pecuária e agricultura. Sem condições de manter esta
atividade, pela distância, adquiriu um sítio na localidade de Barreiro, a 5 km
da cidade – a atração pela atividade pastoril manteve-o ligado à terra.
OUTRAS PASSAGENS
Antônio Guedes
tem participação ativa na Loja Maçônica Duque de Caxias de Januária,
tendo exercido o cargo de Orador e Inspetor Geral da Ordem do Grau 33; faz
parte do Supremo Conselho do Grau 33. Foi um grande desportista: corria – ida e
volta – de Januária ao Brejo (12 km) para jogar bola; foi do segundo quadro do
tradicional Clube Regata Monte Castelo do qual foi um dos fundadores; gostava muito de navegar em canoa no rio São Francisco.
Marcou sua passagem no Tiro de Guerra como exímio atirador. A sua relação com a
corporação é tão intensa que em todo evento por ela realizado na cidade, anda
atualmente, ele é convidado, destacado e
homenageado, especialmente em eventos
cívicos, desfilando em veículo militar.
Foi
Escrivão Eleitoral durante muitos anos recebendo, em 1966, atestado de
integridade e idoneidade firmado por todos partidos políticos e juiz eleitoral
da Comarca. No Centenário de Januária
foi condecorado como Escrivão do Século.
OUTRAS MENÇÕES E FEITOS
Foi
homenageado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais com a Medalha
Desembargador Hélio Costa.
Obteve
o reconhecimento do judiciário da
Comarca de Januária, pelo juiz de direito Paulo Roberto Pinto Zanini, atestando
que “Antônio Guedes Moreira é serventuário exemplaríssimo, cumpridor incansável
de seus deveres e obrigações, destacando-se como o melhor entre os ótimos, este
juiz jamais encontrou e jamais encontrará pessoa tão cheia de méritos e
qualidade de caráter”.
Recebeu
o diploma de Colaborador Emérito do Exército em reconhecimento aos relevantes serviços
prestados ao Exército Brasileiro, assinado
pelo General do Exército Fernando Azevedo e Silva, comandante militar do
Setor Leste.
Foi
colaborador do lançamento da revista Alfa Centauri.
Foi
destacado na coluna Gente de Januária pela revista Alfa Centauri.
Foi
destacado por juízes que serviram à Comarca como “Embaixador do Fórum”. De uma
feita foi designado para substituir o
juiz da comarca de Manga na realização de uma convenção partidária num
ambiente de acirrada política.
O
nome de Antônio Guedes Moreira está ligado a um evento de grande repercussão
registrado pela revista Alfa Centauri: “Em fevereiro de 1977 atendendo a
sugestão de Antônio Guedes Moreira o prefeito de Januária, Euler Tupiná Bastos,
concedeu a Zulmira Rolim de Mendonça Lins uma bolsa de pesquisa para o trabalho
de levantamento das grutas de Januária”. Consequentemente, utilizando os mapas
e relatórios da Sociedade Excursionista e Espeológica dos alunos da Escola de
Minas de Ouro Preto, foi iniciado o trabalho de pesquisa que durou seis meses.
A orientação deste trabalho esteve a cargo do professor januarense Saul Alves Martins, antropólogo da UFMG, folclorista
de renome. Hoje, o Brasil tem os olhos voltados para as grutas de Januária, o
complexo Peruaçu (município de Januária e de Itacarambi) que têm despertado a atenção de espeleólogos e
arqueólogos de muitas partes do mundo estando, inclusive, concorrendo à
indicação de patrimônio da humanidade, com grandes possibilidades de ser
confirmado.
Certificado de
reconhecimento profissional expedido pelo Rotary Clube de Januária – Águas
Belas.
AMIZADES
Seu Guedes tem
inúmeros amigos. Registra, especialmente, os nomes de Saul Martins (mestre do folclore, autor de
vários livros), Tertuliano Silva (poeta e músico, autor da canção Januária,
terra amada) Coronel Laurentino Filocre (presidente do Tribunal de Justiça Militar),
Mário Lisboa e Sebastião Carlos de Matos, ex-prefeitos de Januária; Dom Daniel
Baeta Neves e Dom João Batista, bispos
diocesanos de Januária, e um grande
número de pessoas, entre elas vários que militaram em Januária tendo, todos,
grande apreço por ele.
A FAMÍLIA
Casou-se com Maria
das Dores com quem teve os filhos
Eustáquio, Arlete, Rosa, Vera Lúcia, Antônio Guedes Moreira Filho e Vicente.
Netos: Farley Allan, Júnior, Caroline,
Camila, Luanne, Isadora, Antônio, Pedro
Jackeline, Heitor, Victor; bisnetos: Miguel, Arthur, Maria Naves, Pietro, Laura
e Matheus.
Sua
esposa era bisneta do Barão de São Romão, importante figura na história de
Januária (José Eleutério de Sousa),
primeiro e único barão de São Romão
(1810 — 1894), um nobre brasileiro, agraciado barão e coronel da Guarda
Nacional. Na vigência
do Regime Imperial liderou por muitos anos o Partido
Liberal.
QUEM É O SEU GUEDES
É
um homem generoso, dado à caridade, sem ostentação, muito querido e respeitado na comunidade
januarense, por ricos e pobres, um cidadão cônscio de seus deveres para com a
sociedade e a Pátria, o que se constata na trajetória de sua vida. Homem
dedicado ao trabalho honesto, sempre firme,
todos os dias a postos em sua
mesa de trabalho no Cartório – uma lenda construída ao curso de décadas e mais
décadas. Homem que dignifica o passado
com suas ações, com sua participação na vida comunitária, por suas ações
humanitárias, ainda atuante, com vigor e alegria, aos 91 anos, vésperas de 92,
sem dúvida um exemplo a ser seguido por seus contemporâneos e pelos pósteros
contribuindo pelo engrandecimento de sua amada Januária. A sua trajetória de
vida e de serviços prestados à comunidade foram reconhecidos pela Câmara
Municipal de Januária que lhe outorgou o Título de Cidadão Honorário do
município.
Quando me veio a intenção de falar um pouco sobre este grande homem, este grande amigo, ative-me à lição do Eclesiastes :“Todas as coisas são difíceis: os homens não podem as explicar com palavras”. Sim, todas as coisas, honestamente, são difíceis e, muitas vezes não podemos explicá-las. Ora, não busco explicações para falar o Seu Guedes. Busco render-me aos fatos, à pessoa tão grande que é (ainda que tão miudinho fisicamente) Antônio Guedes Moreira, o admirado e respeitado Seu Guedes. Em nossa conversa Guedes sinalizou uma das razões que o colocam em situação de respeito, uma frase curta, mas de imensa sabedoria, que pode levar muitas pessoas, às vezes insensatas, a refletir buscando uma vida harmoniosa: “Eu nunca misturo política com religião”.
Aí, amigo Guedes, agora você está no meu caderno com todo carinho.
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