Anos transcorridos, foram tantos!
Jovane estava de volta ao Urucuia, pois de saudades tantas não mais resistia
ficar à distância do mundo que participou da construção. Era, afinal, um amor
amalgamado no sentimento de um nobre ideal. Precisava estar mais uma vez onde
plantou sonhos e teve fase tão rica e
prodigiosa de sua vida, conquanto em tão poucos anos. Ora, anos não contam, não
existem o ontem, o hoje e o amanhã quando se navega na corrente contínua do
vir-a-ser: “a consciência profunda que não é limitada pelo nascimento e morte,
nem pelas formas individuais de aparências”, ensina o misticismo tibetano. Ali
ele estava no espaço onde viveu circundado por exuberante natureza, pois dela
não se desligou. Então, ali alojados estavam seus fluidos espirituais agora,
neste retorno, por que trouxe e como chegou o seu corpo? O que intuiu a sua
viagem? Foi sentimento de buscar a verdade de alguns fatos para dissipar as
dúvidas que lhe ocorreram, por informações, a respeito de uma narrativa que o
levou a publicar um livro contando uma história passada naquele cenário.
Pretendia fazer o resgate de uma
história, ou de uma lenda, que muitos anos passados narrou-lhe um velho
urucuiano – a lenda de dona Joaquina, a matriarca que fundou a fazenda
Conceição, agora próspera vila, sede do Núcleo Colonial Vale do Urucuia
plantado pelas Escolas Caio Martins.
COMO
FOI O POUSO DE JOVANE NO REGRESSO
Jovane chegou pelos gerais de tanto
sentir vontade de correr pelas veredas para ouvir o canto dos buritis com o
sopro do vento; ouvir o chuá suave da água nascendo de locas enfurnadas nas
raízes de gigantes palmeiras; percorrer trilhas das seriemas no emaranhado
de árvores retorcidas, pequenas de ser e
de quase nada de sombra dão a cair no capim de ano; de se colorir nas
ciganinhas para recordar do amigo Saul Alves Martins, que viaja no etéreo e de
lá vigia o sertão; de arrancar raízes do carapiá e se inebriar em seu perfume
recordando o amigo sertanejo Zé Guedes, companheiro de jornadas embrenhando no
cerrado; passar por um rancho de palha de buriti, perdido em campos não
visitados, e recordar o amigo Domingos Diniz, que tanto cantou, com tanta
sensibilidade, aquele cenário;
contemplar filhotes de emas escondendo-se, serelepes, em moitas de capim de ano
buscando na memória Audálio Lisboa, que
até escreveu um belo poema com o título de Ema Xandu, ave que vivia no Núcleo
do Carinhanha, como amiga dos meninos ali acolhidos; trotar por uma estrada amaciada por um
tapete de areia branca, caminho para as fazendas Cabo Verde e Brejo Verde
recordando os bandeirantes Geraldo Moreira e Geraldo Saldanha, no Brejo Verde e
Lourinho e Raimundo Melo, no Cabo Verde, extensões do Núcleo; no topo da serra da Conceição deteve-se no socalco até onde chegou a tentativa
de abertura de uma estrada para as fazendas Brejo Verde e Cabo Verde, projeto
frustrado pela impossibilidade de ultrapassar uma barreira de pedras,
lembrando, então, de Zé Maria no comando do trator de esteiras Nordest Vander.
Ao descer a rampa, deparou-se com a primeira casa, que fora levantada sobre as
ruínas da casa sede de dona Joaquina para abrigar Zezinho Cearense e sua
família, contratado para construir um aqueduto (famoso Rego) para captar água
do pé da cachoeira do Conceiçãozinho para consumo no Núcleo; perto dali a casa
dos Bandeirantes, transformada em lar
para os pequenos internos no Núcleo, e lembrou, então, de Pedro Buchene, Flávio
e Jonas, que ali se abrigaram no amplo quarto da frente. Depois, estendeu o olhar na direção do rio Conceição
e do bosque de angicos vindo a lembrança do rancho construído com palhas de arroz e buriti, depois melhorado
com alvenaria e telhas portuguesas, e lá viu o quarto onde morava com o
companheiro Chico Bandeirante, o doutor.
Tudo estava no mesmo com poucas
mudanças: uma nova igreja onde foi entronizada a imagem de Nossa Senhora da
Conceição, que acompanhava os bandeirantes, não muito longe da ruína da
capelinha construída por dona Joaquina para a mesma santa. O espaço da
natureza: para o Leste o capão de angicos à margem do rio Conceição; a Oeste a
serra da Conceição, imponente; para Norte o córrego Conceiçãozinho que escorre
da cachoeira Conceiçãozinho desaguando no rio Conceição – ali tudo é Conceição,
muito importante, sinal de fé; para o outro lado a estrada de saída para a
fazenda Boa Vista dos Palma, São Romão e Pirapora. – neste passeio Jovane encontrou outra
estrada de saída, em direção contrária. Que cenário!
Assentado em seu velho ninho, pulcro
e feliz, desceu até a praça palco de seus encontros com Chico e Audálio nas
noites em torno de uma fogueira – cenário onde, ficticiamente, ele ouviu as narrativa do velho Zacarias. No
crepitar das brasas Chico cantava, com acompanhamento de cavaquinho, belas
guarânias, imortalizadas na memória de Jovane. De quando em quando o encontro à
beira da fogueira se dava iluminado pela
lua cheia, um belo espetáculo de beleza naquele encantado sertão.
O que procurava Jovane? O que
inquietava seu espírito motivando o retorno às plagas urucuianas? O motivo
tinha origem na lenda contada e narrada pelo velho Zacarias? Contudo, de tal
como era contado e falado pelos moradores da fazenda e região, estava tudo tão
bem dito. Então, o que suscitou ao Jovane revirar a história?
Ele conta. Partindo da Conceição,
por ordem superior, ainda que não quisesse cumpri-la para não deixar o Urucuia,
vivendo noutras plagas, decidiu voltar aos estudos escolhendo o Direito, posto
que não tinha condições de cursar o que mais condizia com sua vocação, a
Agronomia. Sua senda foi outra, a partir daí, trilhando outras veredas, mas
sempre fincado raízes no campo da educação. Escreveu muito em jornais, que
dirigia – reportagens, crônicas e poesias, estas em grane quantidade. O amigo
poeta Fernando Rubinger insistiu para que ele publicasse um livro com seus
poemas. Depois de muito relutar, ele publicou seu primeiro livro: O Homem e
suas tempestades. Contudo não tirava o Urucuia do pensamento, carregando-o com
profundo sentimento de saudade, e isto o levou a escrever um livro de
memórias: “A saga de um urucuiano”, que
teve enorme repercussão, especialmente na apreciação do mestre Saul Martins,
que o prefaciou, e dr. Oscar Caetano Jr., que fez brilhante comentário sobre
ele, o posfácio. Os dois livros motivaram o amigo e incentivador Domingos Diniz
a cobrar a criação de um romance. Jovane relutou o quanto pode, mas acabou cedendo.
E o tema? Não tinha nada às mãos. Foi então que voltou ao Urucuia e se viu, de
novo, à beira da fogueira com Chico e Audálio assando úbere de vaca, ouvindo as narrativas do velho Zacarias a
respeito de dona Joaquina. Seria o tema do romance... e assim foi. Saiu o
livro: “Joaquina – uma lenda urucuiana – Narrativa do velho Zacarias a um jovem
bandeirante”. O romance, com a ajuda do amigo Dirceu Lelis na recapitulação
geográfica e valiosas sugestões de seu filho Ricardo, ficou excelente, muito
bem recebido.
Eis que, com o livro pronto, chegou
às suas mãos uma carta enviada por um descendente de dona Joaquina contando a
história com outro enredo. Jovane lembrou, então, que baseara o seu romance
apenas na narrativa do velho Zacarias, ouvira apenas um lado, corroborado,
ainda, pelo livro “A ermida do planalto” do januarense Manoel Ambrósio, na
mesma linha, isto é, apenas uma versão do contado na fazenda Conceição. Lembrou
Jovane de um dos ensinamentos do curso de Direito, a do contraditório, isto é,
não é legal o julgamento baseado apenas numa versão dos fatos. A constatação o
preocupou. Dor de cabeça. Injustiça. Sem dúvida perturbador atendo-se à carta
do parente distante de dona Joaquina,
que dizia:
“Prezado
Irmão e amigo JOÃO NAVES DE MELO, li o seu livro “A saga de um urucuiano”
quando da minha ida ao projeto Bauxita de Paragominas no estado do Pará, motivo
pelo qual demorei em dar resposta. Estou trabalhando neste projeto (fico uns
tempos lá e outros aqui). A leitura me agradou bastante pelos seguintes
motivos:
Inicialmente
pelo idealismo e coragem em tomar a frente tamanho empreendimento e o qual deve
ser orgulho pelos frutos obtidos. Trata-se de um relato muito bem escrito e
ordenado, de como estava as coisas em um passado não tanto remoto assim. Como
eram difíceis aqueles dias e como era atrasado o nosso Brasil!
Lembro
dos comentários da ida de meu avô materno, Cassimiro Joviano de Abreu
juntamente como o meu tio Sigefredo de Matos Abreu para matricular uma criança
abandonada em casa de uma das minhas tias e batizadas pelo nome de César da
Ressureição (data em que foi abandonado), isto nos idos de 1950. Foi para
conhecer e conferir se realmente poderia ser de escola para o César esta
recém-fundada Escola Caio Martins. Pelas ligações que tinha com a região este
meu avô tinha ouvido falar muito bem da mesma. Ele achou, na ocasião da viagem,
que as instalações ainda eram precárias, motivo pelo qual não o matriculou.
Hoje, ao ler o livro creio que ele errou ao tentar proteger o César impedindo
este de passar por esta instituição educacional e optando por criar com todos
os carinhos de um “avô”, fazendo todas as vontades, etc. Moral da história:
esta pessoa apesar de ótima índole vive hoje como empregado de uma fazenda de
um parente sem ter dado coisa melhor. A vida, meu irmão, é feita de momentos!
Para
conhecer algum relato sobre a fazenda da Conceição, que pertenceu a meus
antepassados, a D. Joaquina e o Major Raphael.
Passemos agora aos comentários, centrado
principalmente sobre este desditoso casal. Você irá conhecer a versão dos
vencidos e não dos vencedores conforme descrito no livro “A ermida do planalto”
de Manoel Ambrósio o qual já conheci. Este livro baseia-se em informações
orais, que circulava no ambiente urucuiano e afins. Segundo minha avó, D.
Florinda Matos, esta calúnia ela afirmava que muita coisa que constava no livro é mentira, foi mandada
escrever, ou suja versão foi mandada circular, pelo Dr. Francisco adjunto pai
da vítima Inácio Adjunto, genro de D. Joaquina. O ressentimento entre as
famílias persistiu, como você percebe...
Segundo versão contada pelos meus
familiares antigos (todos falecidos), o que aconteceu foi o seguinte:
O Inácio era casado com a
Florinda (filha de D. Joaquina e do Major Raphael) e irmã de Rosa, casada com
Manoel Luiz da Silveira. Tinham duas filhas Idalina e Gertrudes. Pouco após o
nascimento de Gertrudes o Inácio arranjou uma amante em S. Romão (uma artista
de circo) com quem pretendia casar. Tramou, então, o assassinato de sua esposa
simulando um acidente. Por conhecer o gênio da sogra e temendo represálias,
fugiu logo após a morte da esposa para terras de seu pai, situadas em Paracatu
e onde este era fazendeiro abastado possuindo muita influência na região.
Enquanto viveu sobre a proteção do pai nada lhe aconteceu. Passados sete anos
resolveu rever as suas terras no Urucuia sem saber, no entanto, que a velha
havia colocado espiões para seguir os seus passos avisado da intenção de voltar
às suas propriedades para ver como as coisas estavam sendo geridas por alguns
de sua confiança (já que não pretendia viver no local por temer D. Joaquina)
esta armou uma tocaia que o surpreendeu em suas terras. Ele foi assassinado
dentro de sua propriedade. A este assassinato seguiram-se três julgamentos
sendo que no último, o casal, formado por Major Raphael e D. Joaquina, foi
condenado a oito anos de prisão, pena cumprida na cadeia de São Romão,
construída pelo Coronel Pedro Gonçalves de Abreu (também um dos meus
antepassados) conforme consta do livro “S. Francisco nos caminhos da história”
de autoria de Brasiliano Braz.
Diante da situação, bastante
complicada da família na região e, temendo represálias, Manoel Luiz da Silveira
vendeu todos os bens da família mudando para o distrito de Tomás Gonzaga,
município de Curvelo, adquirindo fazendas na região. Após cumprirem a pena imposta pelo
assassinato do genro, este casal também mudou para Tomás Gonzaga onde
terminaram seus dias, amparados pelo genro e sua esposa Rosa, uma vez que já
não possuíam bens de valor.
Quanto
ao gênio de D. Joaquina as informações que possuo, também passadas pelos meus
antepassados e por observação de meus familiares maternos, eram o seguinte: Era
uma pessoa intransigente, do tipo matrona, que achava que as sua forma de
pensar era a correta e que todos deveriam viver de acordo com esta regra. O seu
mundo particular deveria girar em torno de sua pessoa e de acordo com seus
pensamentos, não aceitando discórdia. Era muito religiosa e não constava nada a
cerca de sua moral. Quanto esta versão de que matava as pessoas com quem fazia
negócios para recuperar o dinheiro, não consta de nenhum registro familiar. Era
uma pessoa dura, com certeza, irascível, etc, mas não uma assassina contumaz.
Era uma mulher muito rica e consta que em sua fazenda existiam cachos de uva em
ouro puro usados na decoração da casa. Ela não possuía influência política pelo
fato do marido não ter presença marcante, o que foi fatal quando da ocorrência
do processo criminal.
Dona Joaquina não tinha
parentesco algum com a D. Joaquina do Pompeu (que nasceu em 1750 em Pitangui),
a qual era antepassada do Inácio Garcia Adjunto, o genro assassinado. A dona
Joaquina do Pompeu também tinha fama de ser perversa, mas hoje sabe-se que tal
fato não procede (ver o livro de Agripina Vasconcelos sobre esta mulher) bem
como o livro de Jacinto Guimarães sobre
a descendência dela.
A ermida que ela mandou
construir possuía oratório com a imagem de Nosso senhor do Bonfim, cujas
lágrimas de Cristo são de rubi, e que se encontra na casa de uma prima minha,
em Belo Horizonte. Quanto ao Major Raphael este homem era de boa índole,
conciliador, afável e dominado pela mulher, sem nenhuma voz ativa.
Agora
relatarei algumas informações sobre a fazenda Conceição conforme busca que
realizei no Arquivo Público Mineiro nos idos de 1980, quando elaborei a árvore
genealógica de minha família.
Presumo que este seja o registro da fazenda pois, o fatos ocorreram por
volta desta época, quando então, a fazenda era ocupada pela D. Joaquina e pelo
major Raphael. Acredito que foi por volta dos anos sessenta que a Florinda foi
assassinada (ela nasceu em 1835). Isto porque sua filha Idalina nasceu em 1857
e a outra filha Gertrudes nasceu um ou dois anos depois. Neste arquivo consta o
seguinte: “O abaixo-assinado faz ver que possui uma fazenda neste município da
Vila de São Romão consignada Fazenda da Conceição que extrema com outra que
possui no município de Paracatu, que parte pelo riacho das Lages acima as suas
cabeceiras e cortando rumo direto ao
Norte águas vertentes e cabeceira da Ponte pequena e por ela abaixo ao ribeirão
da Conceição cujas houve por compra ao finado Antonio José da Cunha vila de São
Romão 18 de junho de 1855 – Raphael Joaquim de Macêdo. Foi-me a presente
declaração apresentada aos 19 de junho
de 1855 – vigário Raymundo Carlos de Oliveira e Sá. Recebi do declarante mil e setenta e seis
reis – Oliveira e Sá. Era o que continha em a dita declaração e notas que aqui
registrei fielmente sem cousa de dúvida faça a insistência do declarante visto
não satisfazer a declaração ao disposto no artigo cem da lei seiscentos e um de
18 de setembro de 1852 em obediência ao artigo 102 da referida lei. Eu Raymundo
Carlos de Oliveira Sá, vigário o escrevi”.
Vou agora apresentar a você alguns personagens desta história, ou seja,
seus descendentes. Informo que descendo, por parte de minha mãe, tanto de uma
das filhas do casal Rosa e Manoel Luiz da Silveira (pais de Leopoldina Joaquim
da Silveira que era esposa de Cassimiro
Pereira de Abreu) e de Idalina Garcia Adjunto (filha de Inácio Garcia Adjunto e
da infeliz Florinda) pois, os meus avós eram primos (Cassemiro Joviano de Abreu
e Florinda de Matos).
As
fotos cuja cópia enviarei por correio por ocuparem muito espaço para serem
enviadas via arquivo eletrônico mostram:
Cassimiro
Pereira de Abreu (fazendeiro da região do Urucuia) e sua esposa Leopoldina
Joaquina da Silveira sendo ele filho do coronel Pedro Gonçalves de Abreu e ela
filha de Luiz da Silveira e Rosa (filha do Major Raphael e de D. Joaquina). São
os pais de meu avô Cassimiro Jovino de Abreu.
Manoel
Luiz Silveira, Rosa e sua filha Querubina (que morreu em idade avançada e
solteira). Idalina Garcia Adjunto, filha do casal Inácio Garcia Adjunto e
Florinda (irmã de Rosa e filha de D. Joaquina e Major e Raphael). Florinda de
Matos, minha avó quando nova e esposa de Cassimiro de Abreu.
Após
nosso contato telefônico em 25.12.04 aguardo ansiosamente uma cópia do processo
criminal (tire um xerox e envie por correio ou através de Jandira/Dr. Francisco
e mande a conta para mim) bem como uma assinatura do jornal “O Barranqueiro”.
Qualquer esclarecimento adicional, fotos, etc. basta você marcar um encontro em
BH ou em São Francisco (é necessário agendar diante das minhas viagens ao Pará)
que terei o maior prazer em colaborar. Quanto ao livro que estão escrevendo
gostaria de receber uma cópia do mesmo e, caso queiram, fornecer alguma
informação que julgarem necessária.
Desejando
ao Irmão um feliz ano novo extensivo a toda sua família, dou meu, TFA”.
Finalizando a leitura da carta, Jovane foi
remetido àquele tempo, final do século XIX
buscando entender como era a vida naquele sertão inóspito naquela época:
as famílias, a cultura, os costumes, as relações sociais, a autoridade e a vida
ao arrepio da lei. Sem elementos básicos, valeu-se de dados da antropologia no sentido lato sensu. Tomou com
base a década de 1950 quando foi
instalado um Núcleo da Escola Caio Martins nas ruínas da fazenda Conceição.
Tendo como parâmetro a vida social dos moradores da fazenda Conceição e região
conheceu como eles viviam em uma sociedade isolada, sem nenhuma assistência
governamental, sem estradas, escolas, apoio à saúde e quaisquer dos benefícios
disponíveis no meio urbano. Tudo era novidade para eles que, na sua grande
maioria jamais fora a uma cidade. Viviam mergulhados no império das crendices,
das lendas, dos mitos, do curandeirismo, naufragados na ignorância e de raro
contato com pessoas de fora. Assim, o mundo que povoava a sua mente era de
ampla escuridão, tudo aceitando no sobrenatural, como natural por não ter
contraponto.
QUESTIONAMENTOS DE JOVANE
Na sua aflição, Jovane mergulhou em
fatos históricos, na antiguidade para melhor compreender a humanidade, como se
comportavam os homens dominados pelo misticismo: deuses do Olimpo, bruxas,
duendes, gigantes, sereias encantadas,
fadas e por aí afora. Se era propalada a
história da mula sem cabeça, o poder do famaliá, os assombrações, crenças
enraizadas, porque não acreditar no poste encantado que corria pelos campos
badalando um sino; no homem que virava cupim (facínora Perneta que infernizou
aquelas bandas)....
Jovane lembrou-se que dona Joaquina era
conhecida no Urucuia como Joaquina de Pompéu, uma confusão desfeita por
informação do mestre Saul Martins. Só esta confusão já é motivo para justificar
o temor dos moradores locais no enfrentamento com dona Joaquina. Então, quem
foi Joaquina de Pompéu?
Uma mulher extraordinária, nascida em
Pitangui em 1750, construindo um verdadeiro império. Ela tornou-se uma figura lendária de Minas Gerais.
Foi uma das mulheres mais influentes e poderosas dos século XVIII e XIX,
estando entre as poucas personalidades femininas a participarem do processo de
Independência do Brasil. Foi uma mulher à frente do seu tempo e nas localidades
onde exerceu a sua soberania, ficou conhecida como Baronesa do gado, Matriarca
do Oeste Mineiro, Sinhá Braba, Dama do Sertão dentre
outros títulos populares, presentes na cultura oral e na literatura. Fatos
reais de sua vida misturam-se a contos populares e suscitando uma imagem
controversa. Tinha ela a simpatia de Vossa Alteza Dom João de Bragança, que socorreu em diversas
ocasiões com gado e dinheiro. Assim, qualquer pedido que fizesse ao príncipe
regente era atendido imediatamente. De acordo com Agripa Vasconcelos, tamanha
era a sua influência, que obteve do rei Carta Branca. Isto dava a
ela total liberdade de ação, sendo imune à censura, processo e prisões.
Seu poder pode, ainda, ser medido pelo patrimônio que deixou com a sua
morte: 11 fazendas, 40 mil cabeças de gado, centenas
de escravos, baixelas de prata, bandejas, barras de ouro e outros
tesouros". Além de uma imensa
área territorial de 48 400 km2 que hoje abrange os
municcípios de Abaeté, Dores do Indaiá, Bom Despacho, Pitangui, Pompéu, Pequi, Papagaios, Maravilhas, Martinhos Campos, Riachinho e Urucuia. Segundo Vasconcelos as áreas somadas eram maiores do que
a Bélgica, Suíça, Holanda, Dinamarca e El Salvador. Sua fortuna hoje seria de aproximadamente 2 bilhões de
reais.
O império de dona Joaquina do Urucuia, conquanto muito menor que o de dona
Joaquina do Pompéu, era de uma considerável e respeitável extensão. Segundo se
vê no Livro de registro das declarações e terras possuídas dentro dos limites
de Freguesia da Vila Risonha de São Romão – São Romão (Santo Antônio da Manga,
1855/1855, consta as declarações do
Major Raphael Joaquim de Macêdo, esposo de dona Joaquina: “o abaixo assinado faz ver que possui uma fazenda neste município de
Vila de São Romão consisignada Fazenda Conceição que que extema com outra que
possui no município da cidade de Paracatu...(g.n.)
Considere, atualmente, qual era a
extensão territorial da fazenda
Conceição (NCVU- Caio Martins) tendo em vista a direção de sua sede ao
município de Paracatu que passa pelos municípios de Riachinho, Bonfinópois e
Dom Bosco. Nas declarações não está consignada a área ocupada em cada município,
mas tem-se uma ideia que seja uma faixa, no mínimo, e isto demonstra a extensão
da fazenda Conceição. Na instalação do NCVU foi dito que as terras de dona
Joaquina englobavam as Fazendas São João, Boqueirão e Rodeio, que ocupavam uma
área do atual município de Riachinho
indo às margens do rio Urucuia, divisa com o município de Urucuia.
Distinção dos nomes: a de Pompéu – Dona Joaquina Bernarda
da Silva de Abreu Castelo Branco Souto Mayor de Oliveira Campos. Ela nasceu em
1752 e morreu em 1824. A do Urucuia: dona Joaquina Pereira da Mota. Ela nasceu por volta de 1840 (data incerta),
desconhewcida a data de sua morte.
Não estão muito distantes os
períodos de vida e reino das duas
Joaquinas na região Paracatu/Urucuia. Há alguma semelhança entre as duas,
apesar da distância de épocas, mas não tão longe assim quando o calendário era
mais medido pela passagem da lua. Outro fato possível da confusão: as terras de
dona Joaquina do Urucuia penetravam no território que, outrora fora de dona
Joaquina de Pompéu. E mais: nas terras da fazenda Conceição existiam muitos
moradores oriundos da região de Pompéu, os conhecidos pompeanos. Assim, por
tradição, é possível que se consagrou a fama do nome JOAQUINA não
individualizando qual. Não é impossível entender a situação se voltarmos no
tempo, séculos e séculos. Veremos que os mitos gregos surgiram quando ainda não
havia escrita, eram preservados pela tradição e transmitidos oralmente pelos
aedos e rapsodos, cantores ambulantes. No nosso caso, passando de pai para filhos
criou-se o mito JOAQUINA. Segundo as
filósofas Maria Lúcia e Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins no livro
Filosofando, “Mito não é lenda, mas verdade.Tem a função de acomodar e
tranquilizar o ser humano em seu mundo assustador. A experiência individual não
se separa da experiência da comunidade, consciência mítica – preponderância do
coletivo. O Mito não resulta do delírio nem se reduz a simples mentira, mas faz
parte do nosso cotidiano, como uma forma indispensável do existir humano”
Uma observação interessante fez
Domingos Sales, urucuiano, ali da região do Núcleo, fazenda Santa Rita. No
livro Fulanos e Sicranos, ele escreveu, abordando a fazenda Conceição: “No
dizer de um filósofo de “talk show” de televisão, o mito é a consubstanciação do
inexistente, criando-se a possibilidade da realização do irrealizável. De fato,
a população admira muito as pessoas de maiores posses e poderes, alçando-as à
categoria de mitos, justamente por serem capazes de incrementar certos projetos
que aos menos afortunados, se apresentam como impossíveis, pela falta de
recursos. Na fazenda da Conceição, ao pé da serra e às margens do ribeirão do
mesmo nome, a fazendeira Dona Joaquina Pereira da Mota era uma pessoa que
passou à história regional com essa fama. A disparidade de suas posses com a
plebe da redondeza era tal que se lhe tem atribuído atos que nunca poderia ter realizado, embora fosse protagonista de alguns
feitos fora do normal” (g.n.).
O urucuiano (Conceição) de então
tinha o senso comum, o conhecimento adquiridos por tradição, herdados dos
antepassados e ao qual acrescentavam os resultados da experiência vivida na
sua comunidade. Não chegava ao bom
senso, pois não atingia a elaboração coerente do saber e como explicitação das
intervenções conscientes dos indivíduos livres.
Não teria como adquiri-lo na vida quase isolada do mundo em que vivia.
Estulto ele não é, por isso aceita o fato comum como verdadeiro.
Um dado que pode servir como liame
entre as duas Joaquinas: o genro dela Inácio Garcia Adjunto era antepassado de Joaquina do Pompéu.
Assim, no sentido amplo foi o que
encontrou Jovane ao conhecer a lenda de dona Joaquina tendo como fio para a
compreensão das narrativas, o escrito por Manoel Ambrósio. Contudo não chegou a
um questionamento, aceitando-a como uma única verdade. O povo local e Manoel
Ambrósio não ofereceram outra versão. Tendo-a como definitiva, ele escreveu o
seu romance “Joaquina – uma lenda urucuiana”. Um tanto melhor que ele não
escreveu um fato histórico, pois elementos para tal não encontraria, além do romance do livro de Manoel Ambrósio,
também mais focado na lenda. Existia, de escrito, apenas o processo criminal do
julgamento de dona Joaquina em São Romão. Esse processo foi arquivado na Comarca
de São Franciscol. Um historiador local foi informado que o juiz da Comarca
determinara a incineração de processos há muitos anos arquivados no Fórum. Ele,
então, obteve autorização para separar e apoderar-se, para arquivo público
municipal, processos que lhe interessassem entre os descartados. Ele, entre
vários processos, encontrou o do julgamento de dona Joaquina. Um descendente (o da carta) de dona Joaquina,
sabedor do fato, pediu ao Jovane que fizesse cópias do processo para ele.
Solicitado, o historiador negou ceder o processo para aquele fim, alegando que
o uso só poderia ser feito pelo arquivo público municipal, isto é, impos uma
exclusividade do que deveria ser público. Uma pena, pois depois de sua morte, apesar de exasutiva buscas, o
Jovane, chegou à triste informação: o processo desaparecera.
COMO ERA
CONCEIÇÃO NO TEMPO DE DONA JOAQUINA
Restou ao Jovane, de maneira
singular, ainda sem dados de confirmação,
fazer parte do resgate da história de dona Joaquina do Urucuia. O seu livro foi publicado contando-se a lenda,
tal como conhecida na fazenda Conceição e em São Romão, às vezes com pinturas
diferentes, mas com a mesma raiz destacando o caráter de dona Joaquina.
O Urucuia (Conceição) àquele tempo era um mundo esquecido, absconso nas
trevas do isolamento. Asssim, o que era dito e aceito pela coletividade se
transformava em uma verdade, uma lenda, que é o que se conta. Deu, então, na
lenda urucuiana a história de Joaquina. Jovane, com este resgate, não desmente
a narrativa anterior, posto que baseada numa lenda, que é o que se conta, mas
busca a estabelecer uma linha paralela para justificar, em parte o que se fala
e conta de dona Joaquina, deixando evidente que mais se trata de um mito que,
verdadeiramente uma história.
Basta criar um fato inusitado para dar curso a uma história. E são tantos
os casos de assombraçaões, as livusias que contava o Vicente nos saraus em seu
rancho assistindo o nascer da lua cheia
no fundo do capão de angicos na beira do rio Conceição. Chamava atenção, também,
em toda a região, o poder dos rezadores e dos curandeiros. Famosa era lenda do
“Poste badalando sino no escuro da noite”. Assustava os moradores da fazenda e
até gente esclarecida, conforme a ocasião. Foi o que aconteceu com Jovane, que assustado por se encontrar sozinho à noite, na
beira da fogueira, ali deixando dormindo pelos companheiros, ao ouvir o
badalar repercutido de um badalo sentiu
um frio na espinha, lembrando da
história do misterioso poste que batia sino à noite nos pátios da fazenda, como
contavam seus moradores dizendo ser o espírito de dona Joaquinha vagando em
suas plagas. Percebendo que estava só, cobriu a cabeça com uma capa. Ali ficou
inerte até que, de repente e silenciosamente, alguém chegou e cutucou sua
perna. De um pulo ele se colocou de pé, assustado, preparando para correr
quando ouviu uma voz indagando – Que foi, seu moço, é eu, o Tonho da Olaria?
Jovane quedou-se sentado e não disse nada, não quis render a conversa do poste,
mas pereguntou ao chegante: – Que sino é este que está batendo por aí? Seu
interlocutor respendeu: – Num é nada não, seu moço, é o burro do seu Carlim,
que só anda com o sincerro dispendurado no pescoço pra mode ele achá ele de
manhã. É factível ter outro desfecho
fosse um supersticioso morador local naquele episódio, haveria dizer que ouvira
passar de perto o poste com o sino badalando, lembrando as lendas antigas da
fazenda de dona Joaquina.
Muito mais Jovane teria que revirar para escrever este resgate, mas
entendeu que não avançaria muito se restringisse aos depoimentos dos moradores
locais – a história, sem dúvida, se repetiria. Quem sabe, um dia, se encontarar
o processo criminal perdido sabe-se lá onde, pois o historiador encantou-se,
possa ele acender uma luz com alguns esclarecimentos verídicos.
PASSEIO NO CORREDOR DA TOCAIA
Jovane voltando ao cume da serra da Conceição. Poucos metros depois de
passar pelo socalco que quebrava a inclinação da ladeira, deparou-se com o corredor de pedras conhecido
na região como Corredor da Tocaia, suposto local onde os jagunços de dona
Joaquina praticavam seus atos criminosos abatendo comerciantes de gado. Um
local deveras sinistro, não só pela lembrança de tantos fatos narrados, mas o
aspecto soturno do beco espremido entre duas imensas pedras, que não se sabe
como foram dispostas separadas longitudiamente por mais de 10 metros. Um
paredão de mais de três metros de altura, tendo as paredes lisas, como que
talhadas. Impressionante. Ocorreu-lhe, então, o meio de explicar a fama daquele
ponto sinistro e amendrotador. Lembrou-se de casos de ranchos assombrados,
esquecidos às beiras de estradas, que ninguém ousava visitar. Taperas deixadas
por algum morador que resolvera partir na arribação. Tão poucos os habitantes na região acabavam
eles abandonados. Com o tempo ganhavam o aspecto sinistro, amendrontador,
porque comum era o homem sertanejo ver coisas onde coisas não existiam. No
sertão, mais que em outros lugares, a superstição, o receio do desconhecido, as
histórias de assombrações são factíveis de escrever histórias. Jovane recordou,
então, do conto de Afonso Arinos no livro “Pelo Sertão”, “O Assombramento”. Que
terrível foi a luta do arrieiro Manoel, chefe da tropa, com o “desonhecido”. E
conta que: “À beira do caminho das tropas, num taboleiro grande, onde cresciam
a canela de ema e o pau santo, havia uma tapera. A velha casa assombrada, com
grande escadaria de pedra levando ao alpendre não parecia descampada...”. A
aventura do tropeiro Manuel Alves nela
passando uma noite foi de arrepiar deixando-o, no raiar da manhã, em estado
catatônico repetindo, quase a balbuciar: “eu mato.. eu mato”, referindo-se aos
asssombrações que enfrentou em renhida luta, contra o nada, durante a noite até
se prostar desmaiado e ensanguentado de tanto lutar e atacar o nada. E não
faltou o pote de ouro, muito comum nas histórias de assombrações, disto
lembrava Jovane das histórias contadas por sua mãe Júlia pondo-o a dormir.
O PERNETA
Outro acontecimento que remete Jovane ao
campo do absurdo foi a passagem do celerado Perneta pela fazenda Conceição. Ele
ainda estava no Núcleo quando lá chegou a notícia que um bando de salteadores de propriedades
estava atuando na região sob o comando de um bandido que respondia pelo nome de
Perneta, certamente por ter um defeito físico em uma das pernas. Segundo era
narrado na região, o defeito não diminuia em nada a ferocidade dele que roubava
e matava quem obstasse as suas investidas. Mais do que a notícia foi a presença
de um delegado Polícia no Núcleo, com um grupo de policiais requerendo alguns
animais para compor a sua tropa já cansada de tantas incursões atrás do bandido
e seu bando na região. Recebeu apoio e
partiu ao encalço deles lá pelas bandas da serra do Constantino indo para o
rumo de Vargem da Galinha e Confins.
Dias depois o delegado retornou ao Núcleo
devolvendo os animais dando como termo a caçada do bando. Indagado a respeito
ele disse que abateu todo o bando, que resistiua prisão, menos o Perneta.
Fizeram o cerco deles com o Perneta comandando, isto foi visto. No final do
entrevero, cadê o Perneta? Sumiu misteriosamente. Aí, um matuto ouvindo a
história deu seu veredicto: “ué! ele virou cupim”. Corria a lenda na região que
o Perneta quando sitiado se transformava em cupim. Como ninguém dava importância
ao contado, nenhum cupim era desmanchado. Lenda ou não, o Perneta virava cupim
segundo os moradores da região.
CORPO FECHADO
As lendas, que poderiam parecer, como de
fato parecem, um absurdo, eram muito comum na região. Outra delas era a do
“Coro fechado”, o homem que sabia de rezas que o protegia de qualquer tipo de
ferimento, tiro ou facada, ele tinha o
corpo fechado.
Jovane lembrou de um julgamento ocorrido em
São Francisco em que o advogado de defesa, na impossibilidade de livrar seu
constituinte apenas com base nos fatos reais, apelou para a crendice do corpo
fechado. Induziu o júri, com o testemunho de algumas pessoas, que o réu (dono
de um boteco na zona rural) fora atacado pela vítima que portava uma faca.
Queria porque queria atacá-lo alegando ter sido por ele vilipediado. O dono do
boteco, réu, tirou uma garrucha da gaveta e apontou para ele. Não adiantou.
Berrando alto que tinha o corpo fechado, avançou sobre o vendeiro e a ele não restou outra alternativa do que atirar.
Resultado, o corpo fechado, no caso, era falácia e o agressor morreu na hora
atingido pelo tiro. O júri aceitou a tese. É que o júri é formado por pessoas do povo, e aí...
CRENÇAS ARRAIGADAS
Jovane lembrou, ainda, de outros casos na abordagem da
crença popular tão comum aos moradores da fazenda, que a pessoas
esclarecidas poderiam ser tomados como um absurdo, ignorância, mas que para as pessoas mais simples, sem
cultura, sem maior contato com os meios urbanos, sem escolaridade, e sobre tudo
pela tradição, pelo empirismo, eram fatos incontestáveis. Lembrou então de
tantos procedimentos que eram práxis na vida da população ainda em tempo mais
recente, na Conceição.
REZADOR
Jovane teve prova inconteste da ação de um
rezador. Conhecido na Conceição e, depois, em São Francisco, o Vicente Barbosa,
que curava bicheiras de animais com
reza, e mais, curava até mesmo pelo rastro do animal infestado. Jovane
não encontrou explicação para o fato, apenas a constatação da cura. Da mesma
forma tinha o Vicente rezas para afastar cobras e até mesmo curar a pessoa
ofendida por uma venenosa. Fato: onde morava Vicente era raro encontrar uma
cobra.
Não menos interessantes são os casos das
benzeções para quase todo tipo de doença:
ESPINHELA CAÍDA: também conhecida por lumbago, designação
popular de uma doença caracterizada por forte dor no peito, nas costas e
pernas, além de um cansaço anormal que acomete o indivíduo, ao submeter-se a
esforço físico;
QUEBRANTO: suposta influência
maléfica de feitiço, por encantamento a distância; dada que o olhar de algumas
pessoas produzem em outras;
RESPONSO: reza para encontrar coisas
perdidas. Por comum, a oração mais empregada invocava “Ó beato
Santo Antônio, que ao monte Sinai subiste, o teu Santo Breviário perdeste, em
busca dele volveste muito triste e uma voz do céu ouviste: Antônio, torna atrás, o teu santo Breviário
acharás em cima dele Jesus Cristo vivo, três coisas lhe pedirás: o perdido achado, o esquecido lembrado e
o vivo guardado. Os resultados surpreendentes não espantavam os crentes, apenas
confirmavam a sua fé.
DOR DE CABEÇA E OUTROS MALES. Jovane viu,
por diversas vezes, a ação de uma benzedeira utilizando ramo de arruda: viu
murchar, durante a benzeção o galho dela e
a pessoa benzida dizer-se curada. Não buscou explicação, pois não a
teria. Não está explícito na bíblia, palavra de Jesus que “A fé remove montanha – Mt 17:20?”
Pessoas tantas, conforme o seu meio,
acreditam piamente no que lhe foi contado ou passado por seus antepasados.
Acreditam simplesmente por acreditar sem qualquer interesse ou necessidade de
buscar qualquer explicação. Pelo contrário, rejeitam qualquer explicação em
contrário.
DESPACHOS EM
ENCRUZILHADA. Encruzilhada ou encruza (o cruzamento de ruas de uma cidade ou
estradas), é um lugar onde são feitas oferendas a Exu e Pomba gira. Estas
oferendas têm as mais variadas funções, como proteção, prosperidade,
descarrego, entre outras. A encruzilhada aparece ainda, em uma ocorrência então
muito comum no sertão: onde aquele que conseguisse um ovo de galo o colocaria
debaixo do braço para obter, depois de quarenta dias, o famaliá (pequeno
demônio que prendia em uma garrafa e que lhe atendia toda forma de pedidos,
principalmente o amelhamento de riqueza mediante um pacto: entregar-lhe, depois
de morto, a alma).
PROMESSA NÃO CUMPRIDA. “Eu devo um galo a Asclepius.
Peço-lhe que pague por mim”. Foi o pedido de Sócrates aos seus amigos antes de
beber a cicuta que o levaria à morte. Ele não queria ir para outra banda da
vida sem pagar promessas feitas e esquecidas.
Jovane recebera de um
descendente de dona Joaquina do Urucuia uma cópia do processo a que ela
respondera na comarca de São Romão, que fora encontrado por um historiador de
São Francisco no fórum da Comarca local. Conhecendo o fato e sendo amigo do
historiador prometeu fazer a cópia. Debalde o peditório – o historiador negou o
pedido. Jovane, por outro lado, não deu uma solução ao caso, sempre na
esperança de poder encontrar o processo nos arquivos da entidade a que fora
destinado (?). Nada. Infrutíferas foram as buscas. A situação tornou-se mais
grave ainda com o falecimento do historiador. Perdera-se o fio de Ariadne. Pior
foi a inércia de Jovane no deslanche do caso não levando uma resposta ao
parente de dona Joaquina. Na verdade, não foi de tanto omisso ou indelicado,
pois acreditava que ainda encontraria o bendito processo. O tempo passou e
nada. Nada.
Mais complicada ficou a
situação com a publicação do romance “Joaquina – uma lenda Urucuiana”, cuja
composição já se encontrava pronta e encaminhada ao prelo pelas mãos do amigo
Dirceu Lelis. E assim foi.
Em certo dia um temporal,
como dos poucos precipitados em São Francisco,
provocou uma inundação no escritório de Jovane, causado por avaria no telhado, não previsto.
Os documentos arquivados em uma prateleira foram literalmente ensopados, de
escorrer água. Na recuperação de documentos, Jovane deu com as vistas na carta
do descendente de dona Joaquina e, ao relê-la viu o recado final: o pedido de
cópias do processo do julgamento dela. Lembrou, ainda, que não dera uma solução
ao pedido. Aborreceu-se com o fato posto
ter decorrido um lapso de tempo considerável e, com isso, julgou que seria
tarde para voltar ao assunto com o amigo.
Penitenciou-se, então, da
única maneira que julgou conveniente: rever os fatos que o levaram a escrever o
romance “Joaquina – uma lenda urucuiana” e, diante da carta do amigo, buscar
fazer um contraponto entre as duas versões. O porque apenas os fatos ligados à
lenda passaram para a história. Por que não se cogitou buscar entender a
situação social da época? Assim, decidiu escrever este texto. Sabe que não
mudara o que foi escrito no romance, posto que divulgado ainda que como uma
lenda. Contudo, procurou demonstrar que é possível encontrar explicações para a
vida, o comportamento e a fama de perversa atribuída à dona Joaquina.
Estabelecendo um paralelo entre as duas Joaquinas, o seu tempo, a sua
influência e o mundo em que viviam, é factível de entender e até aceitar que
houve exagero, e muito, na lenda de dona Joaquina do Urucuia.
Jovane virou a página
encerrando seu questionamento, fechou a história, não mais uma lenda.
Restou, então, para os
futuros pesquisadores – se a alguns aprouver – afinal, quem mesmo foi dona
Joaquina Pereira Mota?