sábado, 23 de dezembro de 2017

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

                                                                                                           XXI - Parte

PROJETO DE PRODUÇÃO
Com as turmas do curso de Magistério desenvolvia-se no Centro Integrado de Esmeraldas o Projeto Educação e Saúde. Com o curso  Técnico em Agropecuária a metodologia era outra, restringia-se somente à área de produção. Os alunos eram distribuídos, a cada ano, em diversos setores de modo a cobrir a metodologia teórica, procurando oferecer-lhes a mais ampla oportunidade de realização de aulas práticas. Assim, foram criados vários setores de produção – animal: bovinocultura (de corte e leite), suinocultura, avicultura (de corte e postura), cunicultura e piscicultura. Culturas: grãos (arroz e milho); horticultura; pomicultura.
Uma característica muito interessante e rica do sistema era atender, exatamente, o que propunha o Centro: integrar as  áreas enquanto eram aplicadas as noções teóricas, tudo com acompanhamento dos professores das matérias correlatas. Cada Projeto era desenvolvido por um grupo de alunos dos quatros anos do curso tendo como coordenador um aluno do 4º ano, geralmente escolhido pelo grupo. Era atribuído a ele determinar as tarefas, acompanhar o andamento do projeto,  apresentar relatórios e dar a nota pelo desempenho de cada aluno – assiduidade, interesse, conhecimento, aplicação ao trabalho. As notas atribuídas pelos coordenadores eram, depois, avaliadas pelos professores de cada área tendo em conta o desempenho do Projeto, no todo, os relatórios e reuniões de apreciação.
Como se dava a integração: suinocultura, bovinocultura e avicultura – substrato para adubação da cultura de milho  (em um concurso promovido pela Emater de Esmeraldas para Produtor Jovem, o projeto do CI obteve o primeiro lugar regional com a produção de 11.500 kg/hectare). Avicultura – bovinocultura: substrato para preparação de ração para engorda de bois em sistema de confinamento com excelentes resultados (posteriormente o sistema foi interrompido pela proibição da Vigilância Sanitária do uso da cama de frango na preparação de ração para engorda de bois). Suinocultura (além do uso do churume na agricultura) integrado com a criação de peixes, diretamente no tanque. Cunicultura – piscicultura (ração). Rizicultura-piscicultura (arroz irrigado em tabuleiros, com peixes). Composto com substrato vegetal: todo extrato vegetal resultado de capinas tinha como destino a produção de composto orgânico: capim e esterco. Apicultura-marcenaria: os alunos trabalhavam na fabricação das caixas.
Projeto não integrados: equinos (doma de cavalos com orientação moderna sem sacrificar o animal); cultura do café: plantio experimental em terras de baixa qualidade que teve como resultado o “como não se deve plantar café”.
A produção alcançada nos projetos atendia, em primeiro lugar, a alimentação dos alunos. O excedente era vendido para a própria sustentação dos projetos: aquisição de sementes, adubo, ração para aves e suínos.
Integração de cursos: os alunos do primeiro grau (antigo primário e ginasial) participavam dos projetos como aprendizes, sendo assim, desde cedo  direcionados para opções futuras na escolha do curso a fazer.
Um registro para que não caia no esquecimento – professores do curso, na área específica: Geraldo Magela, Nivaldo, Reni. Funcionário de apoio: “seu” Geraldo – curral.






VOZES DOS CIDADÃOS

JANDIRA DE SOUZA PINTO – III
João Naves de Melo*
A praça, lembra dona Jandira, era quase desabitada. Tinha poucas casas e não tinha tanto comércio como hoje. Lembra com destaque do coreto, das casas do cel Oscar Caetano, Ribas, Coutinho, Odilon Barbosa, Francisco Amorim; o bar Trianon, pensão de dona Amanda. Lembra, ainda que havia, lá no fundo, o prédio do mercado onde via chegar todo dia carros-de-bois com cargas de rapadura e outras mercadorias..
Como era o divertimento, as festas,  naquela época? Rindo, dona Jandira falou: “quieta! Festa boa só naquele tempo. Os bailes na Associação ou nas casas, o Carnaval tão animado, as festas de São João, tudo tão bonito, com a participação do povo e das moças e mulheres como Maria Eunice, Branca, Irene, Toniquinha, Preta, Daide, Cylita, Alda, Conceição e tantas outras…”
Dona Jandira conta que, anos, muitos anos passados, ela voltou a lembrar dos “Revoltosos”. Tudo aconteceu na fazenda Salobo, quando trabalhadores da fazenda preparavam um terreno para plantar roça. Abrindo covas para plantar cana o trabalhador de nome Zé Preto bateu a  ferramenta num metal. Estranhou o tinir e, com cuidado foi tirando a terra com as mãos até que encontrou um objeto amarelo – era um medalhão de ouro, com inscrições e desenhos que lembram ícones da Igreja. Cadinho negociou com Zé Preto e tem guardado aquele objeto, que até hoje desperta curiosidades. Conta-se que os “revoltosos” agradavam as mulheres, dando-lhes joias. Outros que deles muitos era devotos e gostavam de ter a proteção dos santos e, no caso a medalha poderia ser de um deles, o que procede pois foi encontrada num local onde eles estiveram acampados na fazenda Salobo, segundo contam os mais antigos e chegou ver dona Jandira.
Ainda sobre os “revoltosos” ela lembra que eles não gostavam que as pessoas fugissem deles. Chegavam até atirar neles, como aconteceu com Marinho Coelho – ele não morreu, mas ficou ferido. Os pobres não corriam, pois não tinham nada para perder e, por isso, ganhavam muitas coisas deles, coisas que eles tiravam dos ricos, até jóias. A velha Tiburça ganhou muitos presentes deles. Teve um caso gozado, conta dona Jandira: “eles pegaram um cavalo velho e amarraram ele na cama Antonino de Souza, filho de Domingas, irmão de Ricardo, e foram embora. Quando o dono voltou para casa só encontrou a carniça na sua cama”.
Ao contrário do que diziam a respeito do recrutamento, na região aconteceu um fato diferente: o revoltoso de nome Ramiro gostou tanto do Salobo que ficou lá, não acompanhando a tropa, casando-se com Carolina do Junco.
Dona Jandira muitos anos viveu com José Pinto e com ele constituiu uma grande família, homens e mulheres que destacam na vida são-franciscana como educadores, administradores, políticos (o filho Josedir foi prefeito do município), fazendeiros e servidores públicos. As filhas Lia, Walkyria e Berlamínia fundaram e mantém um Colégio na cidade, o Pentágono, da rede Pitágoras, conceituado estabelecimento de ensino.
A descendência de dona Jandira e José Pinto: Jandir, Maria do Socorro, Walkyria, Josedir, Solange, Antônio Ricardo, Belarmínia, Consuelo, Fátima Regina e Jandira das Graças.
(Do livro Crônica da História de São francisco, no prelo)*

sábado, 16 de dezembro de 2017

CHUVA, UMA BÊNÇÃO

Há muito não se via o solo são-franciscano tão agraciado de águas pluviais. Um longo período de seca, com baixíssimo índice pluviométrico, o que se contabilizou foram prejuízos imensos no meio rural: culturas, pastagens, perda de gado, desestruturação da atividade produtiva. Os produtores rurais jamais desistiram, mesmo somando enormes prejuízos e sem perspectivas para enfrentar a terrível situação. A seca consumiu pastagens, canaviais e, incrível chegou ao cerrado calcinando árvores como fogo fosse.  As resistentes mangueiras, frondosas árvores que oferecem sobra o ano inteiro, com chuva ou não, também sofreram, como se viu num cenário triste, nas praças, orla do rio e em quintais: desfolhadas, galhos secos, a própria imagem da terrível destruição vegetal. A falta de chuva causou mais dano, segundo relato de pessoas chegadas dos gerais urucuianos e serranos: a proliferação de besouros que dizimaram as floradas dos pequizeiros comprometendo a produção neste ano. Com isso, o tradicional e dos mais preferidos pratos da região, o pequi, pode faltar às mesas.
Tudo, por enquanto, é passado, pois desde o passar de novembro para dezembro, que o município vem sendo contemplado com precipitações bem controladas, serenas e muito benéficas. Certamente que muitos dos ribeirões até então secos terão água lambendo suas barrancas; que as lagoas sejam supridas, com o leito rachado que se encontravam; também os tanques espalhadas por todo o município estarão tomados de água.  O reflexo dessa dádiva  do Criador se vê no semblante de produtores rurais, abrindo-se em largos sorrisos. Muitos dizem que perderam  os pastos, as culturas, mas o mato está verde, a terra molhada e dá para recomeçar a lida.
Cortando o município desce o São Francisco, até dias atrás tão seco, com um cenário tão triste, mas tomado de bancos de areia que água – água que já chegava contaminada pela cianobactéria. Suas águas barrancas cobriram as praias. Sobem no barranco e, na sexta-feira, chegaram ao nível de 4,90 m e pode subir mais, pois há precipitações a jusante. Contudo, tanta alegria vai ficar pelo meio do caminho, pois as águas vão passar – vão passar sem que sejam guardadas. Os governantes não se atentaram, não dispensam maior atenção para as questões hídricas, indo, além das palavras aos atos. Que custava dotar os municípios de máquinas suficientes para serem empregadas na abertura de pequenas barragens, barraginhas e tanques, em profusão, para reter toda água que vem do céu? Deus manda, o homem desperdiça. Dá tristeza ver as enxurradas lavando as ruas da cidade como verdadeiros córregos e   delas nada ficando. Mais tarde, quando abrir o sol, quando chegar o veranico de janeiro (tomara que não venha com sua força total), delas só ficará a lembrança.
Esperar, só esperar dos governantes é demais. Por isso, com o pouco que tem, São Francisco faz a sua parte através do Codema, Secretarias Municipais do Meio Ambiente e Obras.
Poderia fazer muito mais, porém os recursos vão alimentar outras alas, como se sabe.


PEQUENA CRÔNICA

O QUE SERÁ DO AMANHÃ?
O Stand Up José Vasconcelos, com seu variado repertório, cravou uma pertinente observação, ainda que buscasse um cunho de pilhéria: “o brasileiro é o único povo do mundo que sabe que vai dar uma mancada, e dá”. Se aplicarmos o dito ao momento político brasileiro, pré eleições presidenciais, já podemos antever que já vem anunciada a “mancada”, quando a disputa pela presidência da República fica restrita a dois nomes: Lula e Bolsonaro.  Seria falta de líderes, homens ou mulheres que despertassem o respeito e o interesse do eleitor, que correspondessem aos reclamos por um país consertado, avançando em conquistas sociais e econômicas, respeitando e preservando o meio ambiente e por aí afora?
Nada disso vislumbramos no horizonte – um horizonte turvo porque tem as cinzas, as nuvens negras do passado. Conclui-se, de como vão as tendências, qualquer que seja o resultado, que o país só terá a perder. Perde com um candidato que traz na bagagem um recente passado repleto de escândalos de corrupção, quando se viu, e provado ficou, que um bando atrelado ao governo, escancaradamente, assaltou o erário e, consequentemente, o bolso de todos os brasileiros. O saber tão explícito nada adianta. Isso me lembra a “mulher de malandro”. Conheci uma respeitável senhora que apanhava do marido todos os dias e a única coisa que fazia era chorar e, depois, perdoar.
Brasileiros tantos, pelo que mostram as pesquisas,  no andar da carruagem, pouco somam pelos fatos ocorridos, tão recentes, fatos que afundaram o País muito mais ainda na lama, Pinta-se um negro retrato – o do retrocesso.
E o que não guarda um resquício do negro passado, tem uma postura que assusta quanto às retrógadas posições anunciadas. Mesmo assim, pelo que se ouve, seria uma opção, ou seja, dos males o menor. É ruim demais quando se chega a uma posição tal, um dilema: seja o que vier, será ruim.
É o ponto a que se chegou o Brasil.
Enquanto isso, de Norte a Sul, assiste-se a uma população desprotegida enfrentando problemas nas áreas da saúde, da educação, transporte e, muito pior, na segurança. Cresce assustadoramente a violência, os bandidos multiplicam-se como formigas e tudo  muito facilitado, pois o Estado não tem como retê-los nas prisões, que prisões já não existem suficientemente. É o caso que se observa em São Francisco: bandido preso; bandido solto. Isso acaba se transformando em estímulo para recrudescer e não mudar de vida. Paga a população.
Alguns dizem: é esperar para ver. Outros dizem que não estão nem aí. Outros que não vão à eletrônica dar seu voto. Esse desinteresse é, também, deletério, por maior que seja a decepção e até raiva de políticos. Pode-se defenestrá-los exatamente através do voto. Infelizmente não é o que se vê… é o que se pinta.

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

                                                                                                           XX - Parte

UMA EXPERIÊNCIA INOVADORA – I
Uma situação incômoda relativa à saúde das crianças do Centro Integrado de Esmeraldas nos levou a criar um projeto que, com o passar dos anos, seria um avanço educacional do maior significado e expressão: Projeto de Saúde e Educação.
Começou assim: havia uma incidência muito representativa de doenças de pele nos pequeninos (a famosa pereba), acrescida de problemas crônicos de acidez gástrica (azia) e o famigerado piolho. O combate com remédios era caro e surtia pouco efeito. Debati a questão com o médico que atendia o CI, Dr. Joel, de Esmeraldas.  Ele sugeriu, então, que fossem tomadas medidas profiláticas: banhos dos pequeninos acompanhados, com uso de muito sabão e cuidado especial com a limpeza das feridas e combate sistemático ao piolho (catar) e às lêndeas (controle). A idéia foi posta e, de nosso lado, pensamos como colocá-la em prática se não contávamos com funcionários suficientes. Mal um casal tomando conta de cada lar com 25 alunos. Foi aí que veio a idéia de criar um projeto de saúde, contando com a participação de alunos do curso de magistério – 2º e 3º anos. A idéia foi apresentada aos alunos que a receberam com satisfação. Levada aos professores do curso de magistério chegaram contribuições: transformar o projeto em Projeto de Educação e Saúde. O que seria? Os alunos do 2º ano que estudavam à tarde, cuidariam dos menores na parte da manhã, e os do 3º ano em horário inverso. E o que fariam? Receber os pequenos em seus lares  conduzindo-os em atividades de campo: inicialmente um passeio pelos  jardins e outros recantos da escola, todos muito bucólicos. Primeiro uma oração, depois um pouco de música. Nas caminhadas fazendo-os sentir a natureza dando explicações sobre a razão da vida de maneira simples levando-os a sentir e a perguntar. De volta ao lar, os pequeninos eram levados ao banho, acompanhados pelos monitores. E não ficava aí: os pequeninos eram levados ao refeitório e, na refeição, eram acompanhados por alunos do projeto. Um grupo acompanhava a confecção dos alimentos, elaborados, na maneira do possível, o cardápio recomendados para evitar a acidez gástrica e outros problemas estomacais. O mesmo método era aplicado aos alunos do 3º ano na parte vespertina. À noite, revezando-se, os monitores do projeto acompanharam a hora de estudo dos pequeninos.
Todos procedimentos relativos à saúde eram acompanhados pelo médico com toda atenção e desvelo, apaixonado pelo programa.
Os procedimentos educacionais tinham o acompanhamento dos professores das disciplinas correlatas: psicologia, pedagogia, religião.
A avaliação dos trabalhos semanais era feita aos sábados, no que contávamos com a participação dos professores Estanislau, Maria Lúcia, Maria Augusta, Rosalice, Dinorá que, prazerosamente e de maneira voluntária, se deslocavam de suas cidades (Betim e Belo Horizonte) até ao Centro Integrado para avaliar o trabalho e reunir-se com os alunos do projeto.
Os alunos, de cada turno, eram divididos em grupos, tendo, cada um, um coordenador que ficava encarregado de apresentar o relatório das atividades desenvolvidas na semana. Os relatórios eram um primor, ilustrados, com letras desenhadas, com um português correto e com belíssimas capas. Era quase uma competição entre os grupos. A mim cabia analisar cada relatório e emitir, por escrito, comentários, estimulando, destacando a excelência de sua elaboração e a realização dos trabalhos. O comentário não podia faltar, e se isso acontece, por um motivo ou outro, havia protesto.
Resultado: a cabo de poucos meses, Dr. Joel anunciou a queda nas consultas e gastos com remédios: nada de feridas, de azia e piolhos.

Texto e fotos: João Naves de Melo
(Recuperação de Slides – Jonas Silva)

VOZES DOS CIDADÃOS

JANDIRA DE SOUZA PINTO II
João Naves de Melo*
Dona Jandira conta: “Os dias passaram e passaram. Numa tarde dona Belarmínia foi ao terreiro panhá pimenta, quando viu, do outro lado da vereda, um mangote de cavaleiros, uma fileira grande de revoltosos. Correu e avisou pro meu avô e ele logo determinou: junta os meninos e foge para a vereda, vai de lado e ganha o cerrado até a cabeceira. Vô enterrá a caxinha com dinheiro e sigo atrás, (essa caxinha de madeira, toda roída de cupim, existe até hoje, guardada com carinho pela Jandirinha). Ela ficou ainda vigiando a casa, de longe, quando os revoltosos chegaram e rebentaram tudo, entrando na casa como queria. Ricardo  partiu em busca da mulher e dos filhos. Todos reunidos, logo depois, encontraram com outros grupos de fugitivos, entafunhado na chapada, com os meninos chorando de fome. Já era noite. Com custo os homens acharam ovos de ema, acenderam fogo para cozinhá-los. Mas nisso passaram dois homens e jogaram areia no fogo, era para não ter sinal deles em lugar nenhum. O pai chegou e levou todo mundo para as Marimbas, onde arrancaram mandioca e comeram com vontade, passando a noite. De madrugaram tornaram fugir indo se esconder numa grota, de onde viam os revoltosos invadindo as casas até não mais se vê sinal deles. Três dias foram passados, ali escondidos no mato até voltar para casa.
“Os revoltosos ficaram acampados três dias no Barreiro Novo, na casa de Onias e tiveram antes três dias acampados na fazenda Salobo. Era interessante como agiam: uns homens ficavam vigiando as portas das casas das pessoas que não fugiram – era para ninguém molestar os donos, que não podiam sair. No acampamento eles mantavam boi e comiam só do melhor. Só na fazenda de meu pai foram mortos muitos bois e quando eles foram embora levaram dezessies animais, dos melhores.
“As casas invadidas, quando eles foram embora, ficaram arrasadas – nenhuma panela, nenhum prato, só paina dos colchões espalhados no chão. O que tiravam dava para os pobres que não fugiram, até ouro. E muitos mulheres acabavam ficando com eles e ganhavam presentes. Tempos depois eles foram para Serra das Araras, onde tudo se repetiu. Dizem que queriam invadir São Francisco e só não o fizeram porque souberam da presença de muitos soldados lá.”
Dona Jandira fala com saudade daqueles tempos vividos na roça. Era muita fartura e muita paz. Produzia-se de tudo: abóbora, mandioca, verdura, arroz, feijão, cana; criava gado, galinhas, porcos, cabras e carneiro em grandes quantidades. As fazendas eram muito espalhadas, mas aparecia gente de todo lado para trabalhar, não faltava, vinham de toda região. Lembra que seu pai, de uma feita comprou 300 alqueires de terra e 40 novilhas para cada filho, na fazenda Santa Catarina e falou para ela: “não te eduqei mas vou te dar essa ajuda”.
Em 1938 dona Jandira casou-se, na fazenda Bela Vista, com José D’Ávila Pinto. O juiz de paz foi José Bonifácio. Mais tarde casou-se na igreja, na fazenda Salobo e o celebrante foi o Pe. José Ribeiro, que construiu a torre da Matriz de São José. Em 1948 ela veio de mudança para a cidade, trazendo os filhos, Jandir,  Lia, Walkirya e Josedir – estava grávida de Cadinho. A primeira casa que moraram foi na rua da casa de Pedro Pepé. Ficou apenas um ano na cidade, estando tudo muito difícil e acabou voltando para a roça, no final do ano. No ano seguinte o casal foi surpreendido pela chegada da professora Juracy Sá que não concordara em deixar os meninos sem aula. Ela ficou na fazenda Salobo até o mês setembro, lecionando de manhã e de tarde para os meninos. Dona Jandira fala que os que eles aprenderam nesse período valeu por dois anos. No ano seguinte a família voltou para a cidade, indo morar na rua Direita na casa de Inácio de Barros.  Depois o casal mudou-se para a praça, morando na casa onde mora, hoje, dona Mariinha. Depois, por insistência dela, José Pinto conversou com Odilon Barbosa comprou a casa da finada Tuta, que tava de saída, onde moram hoje e vendeu para eles que foram pagando aos poucos. Dona Jandira lembra que teve ocasião do José Pinto trazer  carros e mais carros-de-bois de mamona da fazenda para abater no preço da casa. Derrubaram a casinha existente no local e construíram outra.
(Do livro Crônica da História de São francisco, no prelo)*

sábado, 9 de dezembro de 2017

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

                                                                                                           XIX - Parte

A CAPELA
Coral da igreja Santa Tereza na década de 80
Não estou seguindo uma linha progressiva em minhas reminiscências caiomartinianas. Conforme me leva a lembrança, escrevo.
Nesta semana me veio uma doce recordação: a capela de Santa Tereza, símbolo de fé e união de alunos e servidores da Escola Caio Martins de Esmeraldas e moradores da região. Vejo, como hoje fosse, o capelão José Augusto, do alto da escadaria da igreja erguida em um topo que dominava toda a paisagem da Escola. Brandia o sino e gritava os nomes, um por um dos que chegavam – “vamos seus dorminhocos, está na hora de conversar com Deus!” E de todos lados afluíam os fiéis. De estradinha rurais, vinham fazendeiros e sitiantes, uns em charretes, outros a cavalo, muitos a pé. Vinha a família toda, vestida como em dia de festa – homens, mulheres e crianças. Lembro-me muito bem da família Batista – pai, mãe e um linda menina, Tita, que todos nós chamávamos por Pintinha, porque tinha uma bela pintinha no rosto. Mais tarde ouvi do coronel Almeida o que significava aquela bela reunião da família caiomartiniana (professores, chefes de lares, funcionários e moradores da região: uma síntese social.
A celebração da Missa era muito especial. O capelão José Augusto era vibrante, alegre, muito comunicativo e transmitia as mensagens religiosas, sobretudo as práticas comentando os Evangelhos, de modo peculiar e de fácil entendimento. Gostava de dizer, lembro-me bem, referindo à missa de cada domingo: “nesta dominga!” – ainda não encontrei explicação para o termo.
De especial tínhamos o prazer de participar do coroorfeão que, a moda antiga, ficava no alto, no fundo da igreja, de onde tinha-se uma visão de todos os fiéis espalhados nos bancos abaixo. O harmônio, sempre com dona Márcia (esposa do coronel Almeida) na execução e um grupo de alunos formando o coro: eu, Jonas, Chico, Raimundo, Durval, Inês, Virgínia, os mais assíduos. Não entendia muita coisa, mas gostava das músicas em latim. Guardo, no fundo da memória, às vezes confundindo as letras, as belas canções da consagração: “Bendito seja, o Santuário/ Em que encontrei consolação./ Meu bom Jesus, meu sacrário/ A paz me trouxe ao coração…” Ou…. No final da celebração em que as canções finais, variavam, mas todas tão belas e inspiradas, sempre dedicadas à Nossa Senhora: “Eu vos saúdo, Imaculada. Amável soberana, Imaculada. Cuja beleza, inebria os imortais…” E, em especial, – “Formosa és, ó Mãe Imaculada. Divina flor que despontou no céu. Se fores tu, dos homens olvidadas, não penses não que a olvide também eu”.
O som do harmônio esbatia com suavidade de parede a parede até alcançar o altar e nós, cheios de encantamento, cantando com prazer inusitado. A! adolescência!.
O harmônio de dona Márcia inspirou nosso colega Durval, que se fez músico e tomou conta do teclado do harmônio da igreja para nos acompanhar no hino de despedida de nossa formatura, uma belíssima adaptação feita por dona Márcia da música Träumerei (A sonhar) de Robert Schumann.  Difícil, muito difícil foram os ensaios, pois sempre o canto era interrompido pelas lágrimas dos formandos quando repetiam: “Adeus Escola tão querida…”
REFRÃO:
Bendito seja o santuário,
Em que achei consolação!
Meu bom Jesus, o teu sacrário
A paz me trouxe ao coração.
Ai! Jesus, que infeliz hei sido!
Quanto penei longe de Ti!
Mas, quando a Ti hei recorrido,
Minha aflição já não senti.
Minha aflição já não senti.
Oh! que dor, que pesar sofria
Longe de Ti, meu bom Pastor!
Mas já me deu pura alegria
Teu Sacramento de amor.
Teu Sacramento de amor.
Só em Ti há felicidade,
No Sacramento do altar,
Porque contens a divindade.
Que só nos pode saciar.
Que só nos pode saciar.
Ó Jesus, a minha esperança
É nesta vida assim te amar
E lá no céu, com segurança,
Te possuir e te gozar.
Te possuir e te gozar.
Texto e foto: João Naves de Melo

PEQUENA CRÔNICA

POR QUÊ TANTA DESIGUALDADE?
Lemos em Gálatas 6,7-8: “Não vos iludais; de Deus não se zomba. O que o homem semear, isso colherá: quem semear na sua carne, da carne colherá corrupção; quem semear no espírito, do espírito colherá a vida eterna.”
O que ensina São Paulo é, para uns, um alento espiritual, um ensinamento para se encontrar com Deus, quando busca trilhar pelo caminho do bem, do amor. Para outros, é questão morta, não vale nada, pois sua riqueza é terrena, o ter aqui e agora é que importa. Uma verdade ou outra, o que se tem é um estúpida desigualdade social, onde uns poucos vivem (e esbanjam) no luxo, nada em dinheiro, tanto dinheiro que sequer têm como consumir, mesmo com todas ostentações, podendo adquirir quadros famosos por mais de um bilhão de reais. Na outra ponta, a grande maioria vivendo em extrema miséria. No meio, a classe trabalhadora, a consagrada classe média que sustenta o funcionamento da máquina – com seu trabalho suado e com os impostos pagos. Os que podem tanto, pagam menos, pois têm lá os subterfúgios e meios de sonegação e, quando pegos, têm como prolongar o pagamento (se o fizer) a sumir de vista. Os outros,  sem meios de contratar bancas de advogados, pagam, religiosamente o que devem.
Mas não é isso aonde queremos chegar. Foi apenas um preâmbulo. O que nos assusta é o quadro da miséria que toma conta do País e pouca gente vê ou se importa, principalmente os governantes, é claro. Aliás, os governantes (todos os poderes), quando abordam os problemas, ficam na falácia – nada fazem, que o diga o deputado Tiririca em seu antológico discurso de desabafo que, segundo Alexandre Garcia, foi do mais puro e honesto.
Têm as vítimas de desastres naturais e de desastres causados pela negligência dos homens (empresários gananciosos que não nutrem respeito pela vida de terceiros, quando pensam no lucro). Ora, que nação é esta em que famílias e famílias perdem tudo o que têm – casa, móveis, terras, tradição, tudo, tudo – e vivem estendendo pires, clamando por justiça. Falo das vítimas de Mariana. Emendo nisso (agora causas naturais) as vítimas das enchentes ocorridas no Sul de Minas – comunidade em que 90% dos moradores perderam tudo, tudo, literalmente. Não tem o que comer, beber, vestir, morar, perderam seu passado. Um dantesco quadro.
O que falar dos miseráveis moradores de rua ou desempregados que vivem das sobras de lixo – em busca de sobras de comida para si e sua família; ou de papelão para impor-se, com um pouco de dignidade, como um trabalhador. Sem teto, sem nada, sem perspectivas.
Enquanto isso, nos tribunais, discute a doação de anel de oitocentos mil reais para mulher de governador. Como resultado da roubalheira que resultou na operação Lava Jato, o fenômeno de enriquecimento fantástico de bancas de advogados (trabalho honesto, mas fruto da desgraça brasileira).

VISÃO APOCALÍPTICA

No III Encontro Internacional de Revitalização de Rios e I Encontro das Bacias Hidrográficas de Minas foram relatadas diversas situações, todas muito comprometedoras, em relação às questões hídricas no País e, especialmente, na bacia do Rio São Francisco.
Fato primeiro: o Rio São Francisco e seus afluentes enfrentam, desde 2013, uma das mais prolongadas estiagens de sua história. Entre vários mananciais apontados que sofreram fortes impactos, em consequência da seca – sem falar no rio São Francisco – causou profundo espanto a situação do rio Paracatu, com destaque para dois slides: um mostrando um homem atravessando o rio com água abaixo dos joelhos. Outro – a devastação do cerrado na região desse rio para implantação de projetos agrícolas. Num caso o bombeamento muito volumoso de água para a irrigação; no outro a supressão do cerrado comprometendo o sistema de retenção de água pluvial para recompor o lençol freático. Como consequência, morre o rio que, em priscas eras, era meio de ligação navegável entre São Romão (em tempos mais distantes) e Pirapora (mais recente), com o município de Paracatu e região, inclusive escoamento de mercadoria para Goiás. Pelo visto, nas fotografias, e notícias chegadas de lá, nem com canoa é possível navegar pelo antes tão formoso e caudaloso rio.
Fato segundo: a análise feito por João Suassuna sobre o polêmico projeto da transposição do rio São Francisco. Suassuna foi categórico ao apontar a ineficiência da medida que dispensou montantes muito elevados de dinheiro público. E anuiu: “Por ter múltiplos e conflituosos usos, ele (o rio) jamais teria condições de fornecer volumes para atender as demandas de um projeto desta magnitude”. Ele também falou de outras possibilidades para abastecimento da região Nordeste que não foram consideradas pelo governo federal, em detrimento da transposição – “As pequenas, médias e grandes represas têm um potencial de acumulação de 37 bilhões de metros cúbicos. É o maior volume represado em regiões semiáridas do mundo. Nós temos ainda na região águas de subsolo; estima-se que podem ser utilizados 27 bilhões de metros cúbicos para abastecimento. Ou seja, nós temos muita água. O que nós não temos é gestão desses recursos”.
No mesmo sentido falou o presidente do CBHSF, Anivaldo de Miranda, fazendo coro aos apontamentos de João Suassuna,criticando severamente a gestão dos recursos hídricos nos Estados da bacia.
Uma lição que extraímos do segundo fato é que o governo faz o que lhe interessa, em primeiro lugar, sem atender o que seria precípuo – o interesse das coletividades. Taí o exemplo: o rio São Francisco morre, na seca o volume de sua vazão é insignificante e ainda quer o governo justificar um projeto megalômano.

UNIÃO PELO DESENVOLVIMENTO

Preleciona o professor Mauriti Maranhão que “Pode parecer óbvio que todo grupo constituído devesse ter naturalmente uma finalidade estabelecida, comunicada e compreendida por todos seus integrantes. Nem sempre é assim. Grupos aparecem e desaparecem, dependendo da sua dinâmica interna e dos fatores externos. E desaparecem tão mais rapidamente quando menos tiverem um propósito suficientemente estabelecido. Um grupo constituído, quanto mais estável e sustentado (no tempo), acabará por se aproximar do que atende-se por organização.
Um dos fatores que mais influenciam a estabilidade e a sustentação dos grupos no tempo é a existência de um propósito, que pode ser visto como a cristalização de uma vontade, um mantra ou inconsciente coletivo, que orienta e estimula as ações das poucas partes pertencentes à organização. Quanto melhor estabelecido e mais eficazmente comunicado o propósito, maior será a coesão do grupo, transformando-o propriamente em uma organização mais e mais sólida. O propósito, ou finalidade, é possivelmente a melhor “cola’ para a unir, força e poder da organização”.
Serve o texto para definir o trabalho que está sendo desenvolvido por um gruo de empresário de São Francisco, que em 2015 criou o Grupo de Desenvolvimento de São Francisco – GDESF. O que parecia um sonho distante, vai, com o passar dos anos se cristalizando como uma saudável realidade. Tudo começou por volta do ano de 2015, quando dezesseis empresários se reuniram e tiveram a ideia de pensar São Francisco, a São Francisco que queremos.  Não há de se negar que era isso, exatamente que São Francisco precisava, de muito tempo, o envolvimento do coletivo pensando ações no sentido de alavancar o progresso do município. Pensaram bem os empresários se for levado em consideração que no passar dos anos nada era feita no sentido de mudar os rumos do município, deixando as ações sempre a mercê dos políticos que, por sua vez, quase sempre sem um planejamento tocavam o barco na mesmice secular. Com isso São Francisco foi perdendo oportunidades, mergulhando no atraso, deixando de alcançar conquistas que pudessem representar a transformação de sua quase provinciana vida. Perdia-se em lamentações como o tradicional mote de João Botelho Neto – “São Francisco do já teve”, ou esticar os olhos às conquistas de municípios vizinhos sempre contemplados com benesses dos governos federal e estadual – no caso basta, primeiro, ver a imensa desigualdade com as contemplações do município de Januária, que se transformando em pólo regional, concentra todos os órgãos mais importantes nas áreas dos dois governos. Mas não fica só neste exemplo. São Francisco perdeu muito mais no passar dos anos, como no caso da instalação do Instituto Federal.
Agora, chegou o GDESF e apresentou um plano de desenvolvimento ao governo municipal que, certamente, deverá chegar ao Legislativo. Enseja, aos dois poderes, meios para promoverem o desenvolvimento de São Francisco correspondendo os anseios e necessidades da comunidade. Seria um trabalho baseado no estudo coletivo e que, na sua realização contaria com o apoio do Grupo e da comunidade no todo. É esperar para ver.

VOZES DOS CIDADÃOS

JANDIRA DE SOUZA PINTO
João Naves de Melo*
Dona Jandira de Souza Pinto nasceu dias depois da Revolução Russa, em 03.12.1917, na fazenda Santa Cruz, hoje Urucuia. Cruzou anos de uma vida que acompanhou a história de São Francisco desde os tempos primeiros, quando tudo era feito com muito sacrifício e luta, mas não era pior que hoje, segundo ela conta. A sua história começou na fazenda Barreiro Novo – na Santa Cruz foi só para nascer, na casa da vó, Honória Alves Martins. De criar mesmo foi na fazenda dos avós por parte de pai – Hermano José de Souza e Domingas Pacífica Chaves. Logo foi para a fazenda dos pais (Ricardo José de Souza e Belarmínia Alves de Souza, na Bela Vista, perto da vereda Tapera. Levou sua vida na roça, era a única menina da família e, por isso não pôde estudar, como os seus irmãos que foram levados para São Francisco pela vó Domingas – eles moraram na casa que mais tarde veio ser de dona Detina, na esquina da rua Montes Claros com Bernardo Guimarães, de triste lembrança, pois foi onde teve início o famigerado Barulho que levou a vida de Gentil Caetano.
A menina Jandira não recebeu permissão do pai para estudar. Ele dizia que lugar de mulher era em casa, trabalhando e que não precisava estudar. Dona Jandira não guarda mágoa do fato, pois entende que naquele tempo era assim mesmo, mulheres tinham pouco espaço na sociedade e tudo era muito austero. Ela não ficou iletrada, pois nas férias, quando sua vó Domingas voltava para a fazenda, ela apressava o almoço, lavava as vazilhas e corria para a casa da vó para apreder ler e escrever – é o que sabe até hoje. E diz sobre os conhecimentos da vó Domingas: o pai dela chamava-se Máximo. Ele era dono de escravos e, com uma escrava teve a filha Domingas, que ainda bebê levou para Januária onde foi batizada e a entrege para  a madrinha criar. Em Januária ela estudou até o quinto ano. Era uma mulher muito interessante, gostava muito de ler romances e contar histórias. Dona Jandira herdou muitos de seus romances o que guardava na fazenda Salobô, acabando por perdê-los pela imprevidência de uma moradora da casa que os queimou sem saber do que se tratava, confundindo-os com meros papéis.
Dos fatos antigos, dona Jandira conta que ouviu de seus pais que a vó Honória era índia** e que, quando criança, fora capturada na região do Urucuia, por vaqueiros e cachorros. Cresceu e teve muitos filhos.
Menina e moça, Jandira fazia regulares viagens a São Francisco – se em carro de bois, quando menina, saía às 5 horas da tarde, da fazenda, viajando a noite toda para chegar a Pedras (São Francisco) no outro dia, de manhã. Quando mocinha a viagem era a cavalo, também cansativa, de quase um dia.  Não guardou muitas lembranças da vida na cidade, daquele tempo, pois as meninas e moças eram muito recatadas e viviam mais dentro de casa e, sendo da roça, mais ainda. Suas melhores lembranças são da fazenda.
Menina, quase sem entender as coisas direito, passou por um momento de extremo medo: a presença de uma parte da Coluna Prestes na fazenda de seu pai. Conta que estava, como era costume, dando ração para do burrinho Mochila e de outro, na companhia de dois meninos da fazenda, quando chegaram dois homens fortes, bem vestidos, montados em duas grande mulas, ricamente arreadas, com xenis e arriatas reluzentes. Os meninos gritaram e foram acudidos pela mãe de dona Jandira, Belarmínia, que prontamente atendeuo chegantes, mas que se pôs a tremer muito, quando viu de que se tratava – não era para menos, ela já sabia da presença dos “Revoltosos” na região e, deles, todos tinham pavor. Eles queriam entrar na casa para dar uma busca de armas. Dona Belarmínia implorou para que não o fizessem, pois o marido não estava em casa e que, sabendo disso, ele ficaria muito bravo com ela, depois. Eles concordaram dizendo que voltariam depois, mas que, naquele momento precisavam trocar de montaria – “as mulas escorriam água de tão cansadas”. Passaram os arreios nos burrinhos, entre eles o Mochila, e foram embora. O pânico tomou conta de todos.
  • Índios caipós (duas hordas), deixando o Maranhão, quando combatidos por Matias Cardoso, se assentaram na zona do Japoré e zonas entre os rios Paracatu e Urucuia,
(Do livro Crônica da História de São francisco, no prelo)*

sábado, 2 de dezembro de 2017

UM CENÁRIO MACABRO


A Agência de Bacia Hidrográfica/CBH Rio das Velhas Peixe Vivo promoveu o III Encontro Internacional de Revitalização de Rios e I Encontro das Bacias Hidrográficas de Minas Gerais. Em três dias – 28, 29 e 30 – de intensos estudos, de 8h às 18h, foram proferidos vinte e quatro palestras por especialistas ambientais brasileiros e estrangeiros (EUA, Colômbia e Portugal e um vídeo com uma experiência coreana).
Foram três dias de notícias assustadoras sobre os problemas hídricos do País, uma visão aterradora do que está acontecendo e pior ainda do que poderá acontecer se nada for feito, com toda seriedade e empenho, pela sociedade e governantes.

Os congressistas (três de São Francisco: João Naves, Zezito e Alda, do CBHSF9), ainda que têm vivido e acompanhado o desenrolar da situação hídrica no Brasil, ficaram extremamente chocados com o que viram: a degradação de quase todos os rios brasileiros; a redução dramaticamente da disponibilidade de água para uso da população; a destruição de solos; o desmatamento e outros danos. Viram assustados como tem sido o avanço de empresários sobre o Cerrado, mata Atlântica, Pantanal e Amazônia. Destroem o país, com beneplácito do governo com a justificativa da necessidade de produzir e exportar produtos para aviar divisas para o país. Mas a que preço? Destroem o cerrado para produzir soja para mandar para o exterior e no rastro de sua operação cresce o deserto e extinguem-se as fontes de água. Destroem montanhas, e com elas parques aquáticos, para exportar minério barato para China e deixam buracos, poluição, destruição e a morte de nascentes de importantes rios. Até a transposição do rio São Francisco, tão combatida como projeto megalomaníaco e sem necessidade, provado que no Nordeste há abundantes recursos hídricos faltando apenas gestão séria, esteve em pauta, pois se sabe, agora, que maiores beneficiados não serão os pobres,
Mostrou-se a situação dramática do rio Paracatu: rio que antanho foi navegável, levando sal dos portos de São Romão e, depois, Pirapora, para a cidade de |Paracatu e, de lá, para Goiás. O cenário mostrado é de chorar: um barranqueiro atravessando o rio, de margem a margem, com água abaixo do joelho. Nas margens, território adentro, o cerrado ocupado por extensas plantações de soja e pastos, com gigantescos sistemas de irrigação que sugaram as últimas gotas de água do rio.
Mostrou-se a luta de ambientalistas e populações em defesa das águas da Gandarela que podem desaparecer para dar lugar à exploração do minério pela Vale. Aí, vendo a pura água escorrendo em cachoeiras vale abaixo, na direção de Belo Horizonte, fica uma pergunta: o que será amanhã da Capital? Uma Montes Claros? Por que não aproveitar as águas da Gandarela para suprir BH? A resposta, segundo foi denunciado, está no interesse do Governo em atender a Vale, ou seja, aos empresários. E o motivo todos sabem: Ministério Público, Polícia Federal e juízes, estão revelando o que está debaixo de tanta força que investe contra os interesses do povo, da nação.
O que se viu no nesse Encontro ainda será objeto de muitas análises para que a gente barranqueira sinta, compreenda e acorde para o grave problema que vai tomando conta do país como uma doença silenciosa, que mata no final.

VOZES DOS CIDADÃOS

HERCÍLIO ASSOBIADOR
Dr. Elmiro, na sua vocação de rebuscar nossa história, garimpar curiosidades e tipos característicos, falou-me entusiasmado de Hercílio, o último dos magarefes de São Francisco ainda vivo. Ficou sabendo de histórias interessantíssimas, muitas delas já transformadas em folclore, cercadas que são de mistérios e passagens pitorescas. O povo conta que Hercílio tinha uma maneira peculiar para abater uma rês: ele amarrava animal no tronco e fica girando em torno dele, assobiando, assobiando e quando ele aquietava, como que hipnotizado, de longe ele atirava, certeiramente, a faca no ventre do animal, que caía inerte.
Contam ainda que ele parou de matar gado porque teve um sonho muito estranho que o deixou apavorado: ele cumpria o ritual para matar uma vaca numa sexta-feira da paixão. Assobiou, assobiou e quando a vaca quietou, mansinha, ele jogou a faca certeira, mas quando olhou quem estava amarrada no tronco era a sua mãe. Encerrou aí a profissão de magarefe. Há outra história também: num sábado de aleluia, Hercílio levou uma novilha para tronco e se preparou para o ritual do abate, quando ela, espantosamente, arrebentou a corda e investiu contra ele, pegando-o de cheio, restando-lhe muitas escoriações e a cabeça quebrada.
No mês de dezembro de 1997encontramos o Hercílio à frente de sua casinha, construída pelo Padre Vicente, na antiga região da Luzia, hoje área urbana. Em frente da casa tem um umbuzeiro, que diz ele ter sido plantado por seu pai, a enfeitar o caminho e onde ele descansa horas sob sua sobra. Nos recebeu bem e com brincadeiras e, poucas palavras ditas, começou a assobiar e a bater com os dedos na cabeça, produzindo um som forte e ritmado. Assobiou uma música inventada e voltou à conversa. Hercílio é melancólico, reservado, não adiantando muito a conversa, sempre cortada pelo ritual do assobio e o tamborilar de dedos na cabeça. Não confirmou e nem quis render conversa sobre o fatos que andam na boca do povo, falou o que quis e não adiantou volteios para pegá-lo.
O que conta: nasceu no Jenipapo, município de São Francisco,em 1925. Foi aluno da professora Ermita, esposa de José Diamantino e, no Coelho Neto foi colega de escola do Dr. Oscar e José Dourado, que ele lembra com satisfação. Deixou a escola e, aos 16 anos, deu os primeiros passos na profissão “de matar gado” para Evaristo Velho e Augusto Cardoso – e estica, narrando com saudade, sempre parando para assobiar e bater na cabeça, que era um tempo bom, de fartura e de carne saborosa. A carne vinha temperada pela própria rês, com gosto de tipie folha de alho. “Hoje a carne tem gosto de vacina”. Lembra de como a carne era vendida: “o açougueiro fazia furos nos pedaços de carne pesados e passava uma tira de seda (cerda) de buriti, fazendo  o armarrio para o freguês carregar. Hoje é tudo dentro de sacola”.
De fato, parou de trabalhar como magarefe porque foi atacado por uma vaca e quebrou a cabeça – levou vinte e cinco pontos. “Do hospital me mandaram para a delegacia, falando que era briga”. Restou-lhe, ainda, a perda de um olho, o que o deixou triste, pois “não pode nem olhar uma moça”. Não vivia só como matador de gado. Nas horas de folga, quebrava pedra na pedreira da Lapinha. Foi lá que, adentrando uma gruta, ele deu de cara com uma ossada humana – “dois corpos secos. Devia ser dos tempos das brigas”. Trabalhou também na prefeitura, “no tempo de Chiquinho Mendonça e Brazinho”.
Hercílio é separado da mulher, com quem teve quatro filhos, morando hoje com um deles, vivendo como aposentando. Espirituoso, chega ser afável, mas muito enigmático. Ele não aprofunda em sua história. Tem-se a impressão de que não gosta de remexer nas coisas passadas, partindo para evasivas, assobios e tamborilar de dedos na cabeça, quando acuado sobre determinados assuntos. Vê-se nele um pouco da nossa história, do árduo trabalho de magarefe (que dizem ser profissão pouco abençoada, cercada de maldições), quando tudo era feito rudimentarmente no antigo matadouro, hoje hospital, e no mato; o homem que viu o florescimento de São Francisco, guardando muitas reminiscências; homem que, malgrado a tristeza estampada no rosto, ainda se ilumina quando fala nas meninas que já não gostam dele porque só tem um olho…
Texto e Foto: João Naves de Melo

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

                                                                                                           XVIII - Parte

OS DOZE BANDEIRANTES
Da crônica de Florence Bernard à realidade.
Chegamos ao local onde seria implantado o Núcleo Colonial do Urucuianos primeiros dias do mês de junho. Nada mais havia do que dois ranchos de palha e uma casinha – do vaqueiro Zé Branco – nas imediações, do vaqueiro Zé Branco. No mais só mata e, ao fundo a bela serra da Conceição. No embalo do sonho e das belas descrições do Coronel Almeida, aquilo não nos assustou. Pelo contrário deu-nos a sensação de desafio. Ocupamos o grande rancho de palha, a nossa oca, onde se abrigaram, também, os primeiros alunos. Além dos nossos dormitórios, do quarto do diretor Audálio, uma sala foi reservada para a farmácia do Chico, outra para o escritório e uma para a primeira sala de aula. No rancho maior, que sei lá porque, era chamado de hangar, foi destinado ao almoxarifado e à garagem do trator e caminhão.
Entramos em atividades. Aquele anúncio feito em nossa formatura e copilado pela Florence Bernard, ficou na fantasia, no aceno. Logo a realidade mostrou-se outra. e foi assim: o Pedro foi tomar conta do almoxarifado, o enérgico sô Pedim, como o chamava o velho Bezerra pedindo uns “mercadinho”; o Jonas foi tomar conta do escritório e mais tarde lecionar para os primeiros alunos; eu, de certa forma, em princípio, encarapitei no trator Ford e fui cuidar das terras; o Ivo, seguindo sua vocação, foi cuidar do gado, com Zé Branco; Francisco se fez o doutor Chico cuidando da farmácia e dos doentes do Núcleo e região; Emílio não teve padaria – com a esposa Terezinha, foi cuidar da fazenda Cabo Verde, 5 léguas distante do Núcleo; Geraldo Saldanha, que seria o animador do grupo e o motorista, foi, também cuidar de uma fazenda, a do Brejo Verde, igualmente a 5 léguas do Núcleo, nos gerais – uma fazenda repleta de lobeiras  e uma terra terrivelmente árida; Geraldo Moreira que seria companheiro do Francisco na farmácia, também foi para o Brejo Verde; Flávio também foi lecionar; Raimundo e Holmes, em princípio não tiveram funções definidas. Em pouco tempo nos deixaram o Holmes e Ivo, contestando um ato do Conselho Diretor das Escolas, o que causou profunda decepção no grupo todo, mas foi absorvido porque o amor pela causa era maior. O fato foi o seguinte: todos bandeirantes deveriam receber os vencimentos equivalentes aos de um professor primário, pois nenhum deles ainda fora nomeado. Quando chegou o primeiro pagamento, quase um ano depois, constatou-se que o valor fora decotado, descontando-se a alimentação e roupas compradas para a partida da bandeira, sem opção de loja e moda. Foi o maior erro do Conselho Diretor. Sem explicação. Cobrou-se pela alimentação que era servida aos bandeirantes com os alunos, mas não houve compensação pelas horas extras trabalhadas por eles, ou seja, o regime de trabalho de 24 horas. Holmes e Ivo foram os únicos a reclamar com veemência e chegando à acirrada discussão, o coronel, em momento infeliz, reverberou, quando eles ameaçaram deixar o Núcleo, “sua alma sua palma”. Holmes, o Benjamim do grupo alteou a voz e respondeu “assim será”, deixou a roda de conversa que se dava perto do curral. Em poucos minutos, ele e o Ivo passaram ao largo com as malas nas costas sem dizer adeus. Nunca mais voltaram ao Núcleo.
Jonas, à época, não escreveu a história dos bandeirantes, contudo foi fazer companhia a mime Raimundo no teatro com as peças que levamos ao Brejo Verde e Capão Redondo, hoje Santa Fé de Minas.
Seguindo ou não o caminho delineado na preparação da bandeira, certo é que os bandeirantes cumpriram sua missão. Hoje, o Núcleo transformou-se numa bela vila sede do distrito Caio Martins do município de Riachinho.
Texto e foto: João Naves de Melo