sábado, 9 de dezembro de 2017

VOZES DOS CIDADÃOS

JANDIRA DE SOUZA PINTO
João Naves de Melo*
Dona Jandira de Souza Pinto nasceu dias depois da Revolução Russa, em 03.12.1917, na fazenda Santa Cruz, hoje Urucuia. Cruzou anos de uma vida que acompanhou a história de São Francisco desde os tempos primeiros, quando tudo era feito com muito sacrifício e luta, mas não era pior que hoje, segundo ela conta. A sua história começou na fazenda Barreiro Novo – na Santa Cruz foi só para nascer, na casa da vó, Honória Alves Martins. De criar mesmo foi na fazenda dos avós por parte de pai – Hermano José de Souza e Domingas Pacífica Chaves. Logo foi para a fazenda dos pais (Ricardo José de Souza e Belarmínia Alves de Souza, na Bela Vista, perto da vereda Tapera. Levou sua vida na roça, era a única menina da família e, por isso não pôde estudar, como os seus irmãos que foram levados para São Francisco pela vó Domingas – eles moraram na casa que mais tarde veio ser de dona Detina, na esquina da rua Montes Claros com Bernardo Guimarães, de triste lembrança, pois foi onde teve início o famigerado Barulho que levou a vida de Gentil Caetano.
A menina Jandira não recebeu permissão do pai para estudar. Ele dizia que lugar de mulher era em casa, trabalhando e que não precisava estudar. Dona Jandira não guarda mágoa do fato, pois entende que naquele tempo era assim mesmo, mulheres tinham pouco espaço na sociedade e tudo era muito austero. Ela não ficou iletrada, pois nas férias, quando sua vó Domingas voltava para a fazenda, ela apressava o almoço, lavava as vazilhas e corria para a casa da vó para apreder ler e escrever – é o que sabe até hoje. E diz sobre os conhecimentos da vó Domingas: o pai dela chamava-se Máximo. Ele era dono de escravos e, com uma escrava teve a filha Domingas, que ainda bebê levou para Januária onde foi batizada e a entrege para  a madrinha criar. Em Januária ela estudou até o quinto ano. Era uma mulher muito interessante, gostava muito de ler romances e contar histórias. Dona Jandira herdou muitos de seus romances o que guardava na fazenda Salobô, acabando por perdê-los pela imprevidência de uma moradora da casa que os queimou sem saber do que se tratava, confundindo-os com meros papéis.
Dos fatos antigos, dona Jandira conta que ouviu de seus pais que a vó Honória era índia** e que, quando criança, fora capturada na região do Urucuia, por vaqueiros e cachorros. Cresceu e teve muitos filhos.
Menina e moça, Jandira fazia regulares viagens a São Francisco – se em carro de bois, quando menina, saía às 5 horas da tarde, da fazenda, viajando a noite toda para chegar a Pedras (São Francisco) no outro dia, de manhã. Quando mocinha a viagem era a cavalo, também cansativa, de quase um dia.  Não guardou muitas lembranças da vida na cidade, daquele tempo, pois as meninas e moças eram muito recatadas e viviam mais dentro de casa e, sendo da roça, mais ainda. Suas melhores lembranças são da fazenda.
Menina, quase sem entender as coisas direito, passou por um momento de extremo medo: a presença de uma parte da Coluna Prestes na fazenda de seu pai. Conta que estava, como era costume, dando ração para do burrinho Mochila e de outro, na companhia de dois meninos da fazenda, quando chegaram dois homens fortes, bem vestidos, montados em duas grande mulas, ricamente arreadas, com xenis e arriatas reluzentes. Os meninos gritaram e foram acudidos pela mãe de dona Jandira, Belarmínia, que prontamente atendeuo chegantes, mas que se pôs a tremer muito, quando viu de que se tratava – não era para menos, ela já sabia da presença dos “Revoltosos” na região e, deles, todos tinham pavor. Eles queriam entrar na casa para dar uma busca de armas. Dona Belarmínia implorou para que não o fizessem, pois o marido não estava em casa e que, sabendo disso, ele ficaria muito bravo com ela, depois. Eles concordaram dizendo que voltariam depois, mas que, naquele momento precisavam trocar de montaria – “as mulas escorriam água de tão cansadas”. Passaram os arreios nos burrinhos, entre eles o Mochila, e foram embora. O pânico tomou conta de todos.
  • Índios caipós (duas hordas), deixando o Maranhão, quando combatidos por Matias Cardoso, se assentaram na zona do Japoré e zonas entre os rios Paracatu e Urucuia,
(Do livro Crônica da História de São francisco, no prelo)*

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