sábado, 16 de dezembro de 2017

VOZES DOS CIDADÃOS

JANDIRA DE SOUZA PINTO II
João Naves de Melo*
Dona Jandira conta: “Os dias passaram e passaram. Numa tarde dona Belarmínia foi ao terreiro panhá pimenta, quando viu, do outro lado da vereda, um mangote de cavaleiros, uma fileira grande de revoltosos. Correu e avisou pro meu avô e ele logo determinou: junta os meninos e foge para a vereda, vai de lado e ganha o cerrado até a cabeceira. Vô enterrá a caxinha com dinheiro e sigo atrás, (essa caxinha de madeira, toda roída de cupim, existe até hoje, guardada com carinho pela Jandirinha). Ela ficou ainda vigiando a casa, de longe, quando os revoltosos chegaram e rebentaram tudo, entrando na casa como queria. Ricardo  partiu em busca da mulher e dos filhos. Todos reunidos, logo depois, encontraram com outros grupos de fugitivos, entafunhado na chapada, com os meninos chorando de fome. Já era noite. Com custo os homens acharam ovos de ema, acenderam fogo para cozinhá-los. Mas nisso passaram dois homens e jogaram areia no fogo, era para não ter sinal deles em lugar nenhum. O pai chegou e levou todo mundo para as Marimbas, onde arrancaram mandioca e comeram com vontade, passando a noite. De madrugaram tornaram fugir indo se esconder numa grota, de onde viam os revoltosos invadindo as casas até não mais se vê sinal deles. Três dias foram passados, ali escondidos no mato até voltar para casa.
“Os revoltosos ficaram acampados três dias no Barreiro Novo, na casa de Onias e tiveram antes três dias acampados na fazenda Salobo. Era interessante como agiam: uns homens ficavam vigiando as portas das casas das pessoas que não fugiram – era para ninguém molestar os donos, que não podiam sair. No acampamento eles mantavam boi e comiam só do melhor. Só na fazenda de meu pai foram mortos muitos bois e quando eles foram embora levaram dezessies animais, dos melhores.
“As casas invadidas, quando eles foram embora, ficaram arrasadas – nenhuma panela, nenhum prato, só paina dos colchões espalhados no chão. O que tiravam dava para os pobres que não fugiram, até ouro. E muitos mulheres acabavam ficando com eles e ganhavam presentes. Tempos depois eles foram para Serra das Araras, onde tudo se repetiu. Dizem que queriam invadir São Francisco e só não o fizeram porque souberam da presença de muitos soldados lá.”
Dona Jandira fala com saudade daqueles tempos vividos na roça. Era muita fartura e muita paz. Produzia-se de tudo: abóbora, mandioca, verdura, arroz, feijão, cana; criava gado, galinhas, porcos, cabras e carneiro em grandes quantidades. As fazendas eram muito espalhadas, mas aparecia gente de todo lado para trabalhar, não faltava, vinham de toda região. Lembra que seu pai, de uma feita comprou 300 alqueires de terra e 40 novilhas para cada filho, na fazenda Santa Catarina e falou para ela: “não te eduqei mas vou te dar essa ajuda”.
Em 1938 dona Jandira casou-se, na fazenda Bela Vista, com José D’Ávila Pinto. O juiz de paz foi José Bonifácio. Mais tarde casou-se na igreja, na fazenda Salobo e o celebrante foi o Pe. José Ribeiro, que construiu a torre da Matriz de São José. Em 1948 ela veio de mudança para a cidade, trazendo os filhos, Jandir,  Lia, Walkirya e Josedir – estava grávida de Cadinho. A primeira casa que moraram foi na rua da casa de Pedro Pepé. Ficou apenas um ano na cidade, estando tudo muito difícil e acabou voltando para a roça, no final do ano. No ano seguinte o casal foi surpreendido pela chegada da professora Juracy Sá que não concordara em deixar os meninos sem aula. Ela ficou na fazenda Salobo até o mês setembro, lecionando de manhã e de tarde para os meninos. Dona Jandira fala que os que eles aprenderam nesse período valeu por dois anos. No ano seguinte a família voltou para a cidade, indo morar na rua Direita na casa de Inácio de Barros.  Depois o casal mudou-se para a praça, morando na casa onde mora, hoje, dona Mariinha. Depois, por insistência dela, José Pinto conversou com Odilon Barbosa comprou a casa da finada Tuta, que tava de saída, onde moram hoje e vendeu para eles que foram pagando aos poucos. Dona Jandira lembra que teve ocasião do José Pinto trazer  carros e mais carros-de-bois de mamona da fazenda para abater no preço da casa. Derrubaram a casinha existente no local e construíram outra.
(Do livro Crônica da História de São francisco, no prelo)*

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