Cerrado —“Uma floresta de cabeça para baixo”, segundo Felix Rawistcher. Antes, o cerrado era considerado como “terra madrasta”, por sua pobreza hídrica, baixa fertilidade. De repente, devastadas as florestas, o progresso avançou nas fronteiras do cerrado com voracidade para alimentar o poder econômico. Milhares e milhares de árvores, entre elas, frutíferas tão importantes do sistema e da cadeia alimentícia da fauna e do homem, foram transformadas em carvão, abertos campos para o plantio de eucalipto e formação de pastagens. Sistemas hídricos foram comprometidos, assoreadas veredas, fontes de água para alimentar pequenos córregos e rios e, através deles, o rio São Francisco.
Ricardo Abramovay escreveu: “A continuidade da agropecuária nos cerrados encontra-se seriamente ameaçada pelo esgotamento dos recursos naturais em que se apoiam as práticas até aqui mais difundidas. Se é verdade que nem sempre isso se traduz em queda do rendimento das culturas, o fato é que a dependência crescente de insumos químicos e de irrigação constitui uma ameaça não só ao ecossistema como um todo, mas a própria continuidade das explorações agropecuárias”. Aqui, observe-se o fator água.
A troca de sistema – retira-se a vegetação que consome pouca água, por culturas de maior exigência, que dependem de irrigação e por outra cujo consumo não é elevado, mas que não retém as águas pluviais no solo (eucalipto). Dessa forma o cerrado que, por natureza, representa um grande reservatório de água não terá água para alimentar seus veios e por eles o São Francisco – isso é um fato observado no município de São Francisco cujo cerrado foi devastado para alimentar siderúrgicas. E teve mais na jornada do Norte para o Sul: campos abertos para implantar pastagens e plantio de roças em terras mais férteis que margeiam o rio. Prática que deixou desprotegidas as barrancas e, consequentemente contribuindo com o assoreamento do rio. Um dado importante foi levantado por Waldemar de Almeida Barbosa: “A decadência da mineração levou à criação de diversas fazendas na região de Paraopeba, Pitangui e Bambuí”. Ele atribuiu o fato à necessidade dos antes senhores da mineração de abrir campos de cultivo de alimentação para sustentar o grande número de escravos de que eram possuidores e que já enfrentavam período de fome: “O mineiro já se desesperando passa a lavrador ou criador de gado ou erige um engenho de águas ardentes, açúcar...”
Argumento usado para a fabricação de carvão no município de São Francisco: “é preferível dar de comer ao homem que proteger o pequizeiro”. Dizimaram o cerrado. Hoje o homem do campo não tem o emprego (carvoaria) nem o pequi para alimentar sua família. Sobrou para São Francisco: extensas áreas do cerrado arrasadas. E a ameaça persiste.
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