Murilo Saraiva Queiroz
I. A Cidade à Beira do Rio
Os velhos se reuniam em banquinhos de madeira à beira do Rio São Francisco enquanto a escuridão se assentava sobre nossa pequena cidade. A correnteza rápida capturava os últimos raios de luz do dia, transformando a superfície da água em fitas de ouro e sombra. Esses anciãos-pescadores envelhecidos com mãos calejadas e rostos marcados pelo sol – eram os guardiões dos segredos mais sombrios de nossa cidade.
"O rio sabe," sussurrou o velho Pedro Gomes, socando tabaco em seu cachimbo. "Velho Chico se lembra de tudo."
Eu tinha apenas doze anos naquele verão de 1989, mas ainda me recordo de como os mosquitos zumbiam enquanto o homem mais velho entre eles, Seu Joaquim, começava a falar de coisas que a geração mais jovem era proibida de discutir-histórias sobre o que se escondia sob nossa sonolenta cidade ribeirinha de São Francisco.
São Francisco nem sempre foi o nome de nossa cidade. Os anciãos ainda a chamavam pelo seu nome original: Pedras dos Angicos. Fundada em 1877 onde o bandeirante Domingos do Prado e Oliveira uma vez estabeleceu sua fazenda, nossa cidade cresceu ao redor do rio poderoso que servia tanto como nossa força vital quanto, às vezes, nossa maldição.
"Esta cidade tem camadas de segredos," disse Seu Joaquim, com sua voz mal audível acima do barulho da água contra a margem. "Alguns enterrados no tempo, outros no próprio rio."
O quarto maior rio do Brasil fluía diante de nossas portas-uma serpente massiva de água que os locais respeitosamente chamavam de "Velho Chico". Mas o respeito não era apenas afeição; era tingido com medo[1].
"O rio dorme à meia-noite," continuou Seu Joaquim, seus olhos remelosos refletindo a luz das estrelas. "Quando o Velho Chico descansa, as almas dos que se afogaram sobem para as estrelas, e criaturas emergem das profundezas. É quando a Mãe D'água sai para secar seu cabelo, quando os peixes param no fundo, e até as cobras perdem seu veneno."
Meu tio Miguel zombou. "Velhas histórias para assustar crianças."
Seu Joaquim fixou nele um olhar que deixava até homens adultos desconfortáveis. "Então explique o que aconteceu na Igreja Velha, Miguel. Explique o que seu próprio avô viu."
O grupo caiu em silêncio. Até os pássaros noturnos pareciam pausar seus cantos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário