sábado, 17 de maio de 2025

ASPECTOS CULTURAIS DO MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO

 João Naves de Melo - Membro da Comissão Mineira de Folclore


ARTESANTO: Tingui, sabão caseiro


O tinguizeiro não tem propósito de beleza, de especial tem o seu fruto de cor amarronzada, do sertanejo dizer de "burro-fugido", mas no sertão ele é de muito serventia para fabricar sabão. Os frutos recolhidos são levados para o rancho onde são quebrados, geralmente com malhos, sobre uma pedra apurando-se os bagos e, depois levados a uma vasilha d´água onde passa a noite. No outro dia é retirada a sobrepeliz da semente, descobrindo totalmente a gema que é levada ao caldeirão, no fogo fervida por um ou dois dias, o suficiente até a água secar, restando apenas o óleo (gordura) da semente, envolvendo a massa. O modo a seguir, ainda com o caldeirão no fogo, é adicionada dicuada que, quanto mais forte é melhor – ela é usada para eliminar o óleo deixando apenas a massa da semente, fazendo o mesmo efeito da soda cáustica na fabricação do sabão. Depois é ir mexendo e mexendo sem parar. Quando não restar sinal de óleo, está pronto o sabão – é deixar esfriar e cortar os tabletes ou então fazer os bolos que são enrolados em palha de milho para serem guardados.

Há de se ter muito cuidado e ciência com a dicuada – ela é que vai determinar a qualidade do sabão. O seu preparo começa com a escolha da madeira para preparar a cinza: tem que ser verde. Faz-se, com ela, uma fogueira e a deixa arder até consumir o último taco de pau, restando o monte de cinza que, depois de esfriada, é umedecida e apertada suavemente com as mãos, como se preparasse uma massa de pão-de-queijo. Com carrascas de buriti (ou achas) prepara-se o “destilador” –  uma espécie de vaso, em forma de cone onde, no fundo, é colocado um pedaço de pano ou um pouco de capim para segurar a cinza umedecida que vai sendo colocada em pequenas camadas que são levemente socadas com a mão-de-pilão. Depois de cheio o destilador adiciona-se água, moderadamente, até perceber que o vaso está bem encharcado. Não demora muito e a dicuada escorre, pingo por pingo, para cair numa lata colocada debaixo da ponta do cone. A dicuada tem um cheiro forte e desagradável, e é, por si, extremamente perigosa, não podendo estar em contato com a pele e, de maneira alguma ser ingerida.

O sabão do tingui tem um perfume agradável e por isso melhor serve às mulheres que apreciam o sabão de dicuada para lavar os cabelos – é o xampu do sertão. Até mesmo as da cidade o encomendam sempre, declarando sua excelência. Tem mais: a utilidade medicinal – não tem igual para curar a cafubira (sarna) e todo tipo de coceira do corpo. 

Nota: O sabão dicuada já teve seu tempo, pois atualmente até mesmo no sertão ele é pouco usado graças à facilidade de acesso ao sabão industrializado.

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