sábado, 10 de maio de 2025

ASPECTOS CULTURAIS DO MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO

 João Naves de Melo - Membro da Comissão Mineira de Folclore



A lenda ou décima do Rio Abaixo – II


Os homens que também não caiam no encanto ouviam a música, mas não viam a canoa, no muito, segundo contam, o som vinha de um caco de cuia descendo rio abaixo. Contudo, sabendo da força da música, queriam aprender a tocá-la para também seduzir as mulheres, nascendo daí a afinação ainda hoje muito conhecida e apreciada – a do Rio Abaixo. Toca-se com a afinação, mas não mais executam a décima por dois motivos: um – quem a executa entrega a alma ao demônio; dois – pode suceder de morrer mais cedo. Muitos casos já foram registrados na região. Por isso ela ainda é, até hoje, maldita e pouco difundida.

Assim é contada a lenda do rio abaixo, com algumas e pequenas variações, mas o tema central é sempre o mesmo: o rio, o caboclo bom tocador de viola, a viúva e o menino; aquele que fascina, a personagem que se desmancha em encantos e um mais real que, por sua inocência, tem a proteção do Anjo da Guarda e quebra o encanto.

A execução da lenda ou décima, de tão incomum, rara e difícil, é possível de se conseguir, apenas com dois instrumentos: a viola e a caixa – quanto menos gente envolvida melhor e mais seguro, acreditam. O som da viola, como de comum, nas folias, é triste, melancólico, cheio de saudades e o da caixa guarda o mistério nas chamadas e repiques que marcam e dão movimento ao lundu. 

Conta-se história em São Francisco que um tradicional imperador de folia de São João trabalhou muitos meses na roça de um violeiro famoso em troca de aprender a tocar a Décima do Rio Abaixo. Aprendeu e quando foi executá-la apareceu-lhe, à noite, na beira da estrada, em forma de um cupim, o “coisa ruim” perguntando-lhe: “o que é que ocê qué de mim?”  Assombrado ele jogou a viola nas costas, embrenhou-se pelo mato e, chegando em casa, colocou o instrumento em um baú e enfiou-se debaixo das cobertas. Passado o assombramento, fez uma promessa a São João, tornar-se imperador ad aeternum de sua festa tomando-o como advogado para entrar no céu.

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