sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

VOZES DOS CIDADÃOS

João Naves de Melo
JOÃO FIGUEIREDO
Com um sorriso alegre, muito bem disposto e à vontade, confortavelmente vestido com uma elegante camisa de seda e bermuda, Joãozinho Figueiredo recebeu-nos – a mim e ao dr. Elmiro – , à porta de seu imponente casarão, na rua Cesário Alvim com Sancho Ribas.
Ao abrir da porta, veio-nos do interior da sala um som agradável de música romântica. O aparelho de som estava instalado – com toda a parafernália eletrônica – numa estante colocada à frente de uma confortável poltrona, onde nosso anfitrião passa horas lendo e ouvindo música, intercalando o tempo com sessões de TV. Um modo agradável de gozar a vida, chegada a provecta idade, mas com muito vigor, disposição e alegria.
Dadas as boas-vindas, nos instalamos na sala de jantar, numa imensa mesa de madeira trabalhada, cercada de cadeiras e móveis antigos e muito bonitos. Na parede, quadros e pinturas repousantes; e, sobre os móveis, fotos de família – dos dois troncos que levaram à família Ferraz Figueiredo e a sua descendência. Era um ambiente propício para se falar sobre um pouco da vida de São Francisco através de uma tradicional família.
Ali, prontos para o trabalho, fomos agradavelmente surpreendidos com a chegada de Gislene – filha de Joãozinho – , uma simpatia, que carinhosamente se assentou ao lado do pai, mais para absorver a suas histórias que para auxiliá-lo, pois  a memória e lucidez dele são prodigiosas. Tanto melhor, pois ela nos cercou de gentilezas e deliciosos canapés.
João Figueiredo nasceu em 11 de agosto de 1917, em Remanso (Bahia), cidade que foi coberta pelas águas do rio São Francisco, com a construção da barragem de Sobradinho. Filho de Joviniano Figueiredo e Maria Vargas Figueiredo – Dondona, como carinhosamente era tratada.
Aqui, um parênteses para registrar um fato curioso. A família de Joviniano era de Remanso, sendo o pai dele, Marcelino Inácio Figueiredo, um empresário do ramo de transporte fluvial – proprietário de barcaças que transportavam mercadorias pelo rio São Francisco, àquela época o único caminho que ligava o Sul ao Norte, pelo interior. Numa das viagens que ele empreendeu, com sua esposa, dona Luíza Honorina Figueiredo, chegando à cidade de Januária ela entrou nos trabalhos de parto e, ali, nasceu o baiano Joviniano, pai de Joãozinho.
Em 1923, o seu jovem (Joviniano Figueiredo) mudou-se com a família para São Francisco. No ano seguinte, veio Joãozinho, embarcado no vapor Prudente de Morais, da Navegação Baiana. Ele chegou na efervescência do famoso “Barulho”. Estando São Francisco  em guerra, o seu Jovem mandou sua família para Januária, onde Joãozinho passou uns meses até serenarem os ânimos.
A família morava numa casa edificada no então Largo Santo Antônio (praça Centenário) – em local hoje ocupado pelo laboratório de Dr. Max. Seu Jovem, em 1926, começou a atividade de comerciante, sendo o seu ponto onde hoje é o comércio de Sady Maynart. Em frente ao comércio de Sancho Ribas, que mais tarde o seu Jovem comprou, por dez contos de réis, através de Artur Nascimento, pois Sancho Ribas mudara-se para Pirapora, em consequência do “Barulho”.
Com 11 anos, Joãozinho começou a trabalhar no comércio com o pai. Começava de madrugada, quando ia para a entrada da cidade interceptar os carros-de-boi que vinham da roça ou de outras cidades, trazendo mercadorias para serem vendidas na cidade. Sua missão era pedir a preferência de compra. Feito o contrato, ele ia a um dos depósitos da firma pesar a mercadoria, o que se fazia em balança de corrente. Comprava-se de tudo: mamona, algodão, rapadura, madeira e peles de animais silvestres – onça, gato do mato, lontra, ariranha, capivara. Vendia-se também de tudo: tecidos, sal, café, querosene e gasolina (Joãozinho lembra com satisfação o nome do exportador do combustível que vinha acondicionado em tambores – Anglo México Petróleo Company).
Joãozinho, ao mesmo tempo, frequentava escolas particulares. Sua primeira professora foi dona Corina, filha de Carolino do Amor Divino. Depois, estudou com dona Jovina e, por fim, com dona Graziela, recebendo aulas onde hoje é a Casa Zelita. Teve, ainda, a oportunidade de receber ensinamentos do dr. Tarcísio Generoso, à noite, com luz de lampião alimentado por carbureto; de dr. Marcelino, um advogado da época, e aulas de datilografia com o professor Raul Reginaldo.
O lazer, no tempo de menino, era jogar bola com a molecada. A bola, lembra ele com carinho,“era de bexiga, que a gente ia comprar no matadouro que existia onde hoje é o hospital ou então de meia”. Começou aí o seu gosto pelo futebol, paixão que alimentou pela vida afora, como veremos mais adiante. As traquinagens eram montar em carneiro e passear pela pequena cidade, aos domingos, o que fazia com os companheiros, meninos como ele, José Mesquita, Hélio Albernaz, José Licino e Mozart Albernaz.
À noite, iam ao sítio de Mané Cachimbo (Escola Caio Martins) surrupiar laranjas – naquele tempo era quase uma viagem. Iam mais longe com suas brincadeiras, onde se incluía uma de dar arrepio: pegar vagalume no cemitério, que na época ficava onde é hoje a Escola Estadual Coelho Neto.
Joãozinho menino tinha todo o seu tempo muito bem preenchido e muito bem vivido.
  • Publicado no jornal Nosso Tempo, em setembro de 1998.

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