sábado, 6 de janeiro de 2018

VOZES DOS CIDADÃOS

João Naves de Melo
JOÃO BÚZIO – O PESCADOR
O rio coberto de preto. Dormem as águas sem murmúrio. No teto do mundo um painel cintilante que nem bando de vagalumes. Tudo tão quieto. O bico da canoa invade o rio de manso; remadas cadenciadas, sem força, vão ferindo o espelho do rio, borbulhinhas saltitam formando suaves maretas, uma esteira na passagem do barco.
Num remanso, puxa o jequi; numa pequena enseada, joga a tarrafa; no braço do rio que se abre pelo lado da ilha, nas águas rasas, puxa a rede estendida. Se a noite é boa, os peixes vão forrando o fundo da canoa: curimatãs – a maior parte -, surubins – se a sorte vem -, pacomãs e caris, menos apreciados, mas saborosos numa boa moqueca.
O barrado do dia vai subindo preguiçoso. O rio acorda – leves maretas lavam os barrancos; a natureza abre os olhos: ruído de toda banda. Os alados deixam os galhos dos paus riscando o céu dourado da manhã – bandos de ruidosos ariris; mergulhões em vôos cerrados, em V, tão serenos; gaivotas estridentes buscam as praias e as garças, em vôomalemolente, bandeiam para as lagoas de águas rasas.
A vida acorda.
O pescador vira o bico de canoa e rema forte de volta para o porto. Atraca-a no barranco, juntando-se aos companheiros da mesma jornada. Um leve alarido e o manejar dos peixes de modo que os mais bonitos e especiais fiquem à mostra. Instintivamente, retiram do fundo da canoa um instrumento que eles mesmo fabricaram, feito de folha-de-flandres- uma espécie de berrante. Começaram a tocar forte e repetidamente. O som sobe o barranco, invadindo os casebres ribeirinhos; ultrapassa o largo, onde bois soltos lambem a grama orvalhada, arrancando as folhinhas sem sofreguidão, e penetra pelas ruelas mais além.  Zoando, zoando, zoando. Os que já estão de pé, t r a d i c i o n a i s    m a d r u g a d o r e s, assuntam: está na hora. Outros são despertados, metem uma calça surrada pernas acima, o pé na precata e pegam a trilha rumo ao rio. De repente, forma-se uma procissão de homens e mulheres, todos atraídos pelo toque dos pescadores, como o canto de sereia.
Manhã de peixe fresco.
Do velho costume, hoje só história. Restou apenas um nome – búzio, do instrumento (a modo dos pescadores do mar que soprando em conchas de moluscos, anunciavam a sua chegada ao porto). Pescadores muitos, formavam um magote, compondo aquela orquestra incomum, mas apenas um carregou o nome que se tornou popular, tradição de pai para filho e até hoje é conhecido na cidade, como nome de uma família: JOÃO BÚZIO.

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