sábado, 27 de janeiro de 2018

DICOTOMIA

O Brasil vive momentos de grande tensão e de muitas incertezas. Com uma democracia remodelada por uma Constituição que soçobrou dos escombros de um regime fechado e de liberdade vigiada, não consegue deslanchar-se, pois esbarra em entraves políticos. Do ideário dos paladinos que batalharam, com boas armas -  da razão e convencimento - e conseguiram encerrar o regime de exceção, esperava-se que a nação atingiria alto desenvolvimento e o povo seria mais feliz, mais recompensado.
Deu quase tudo errado. Um dos pilares da abertura e da constituinte, uma esperança do povo, para ocupar a presidência da República, eleito indiretamente, morre antes da posse. E veio um presidente baldeado do antigo regime – o recomeço perdeu um pouco da credibilidade. Vem a primeira eleição, pelo voto popular. Surge do nada o “Caçados de Marajá”, e adoça o eleitor com grandes promessas e tem uma fantástica vitória – era a bandeira da esperança. No meio do caminho o tropeço e lá veio o triste episódio do impeachment. Assume, outra vez, o vice que, felizmente, sem muitas firulas põe a economia nos trilhos, sem alarde e avanço no bolso do povo. Itamar Franco debela a inflação com Fernando Henrique no Ministério da Fazenda. O sucesso foi o caminho para Fernando Henrique alçar-se ao posto de mandatário da nação. Fez bom governo, mais voltado para o social, à esquerda como era filosofia do seu partido PSDB. Com ele, além do controle da inflação, foram implantados os programas sociais: Bolsa AlimentaçãoBolsa EscolaAuxílio-Gás, erradicação do trabalho infantil, por meio do PETI e o Brasil Jovem, com objetivo de atender jovens de 15 a 17 anos residentes em comunidades de baixa renda, cuja renda familiar per capita seja de até meio salário mínimo.O governo de FHC criou ainda o ENEM, 1988, o FIES, 1999
Veio, depois a fase petista. Deu-se continuidade aos programas sociais, ampliados como outros programas como da Minha Casa, Minha Vida, ampliação do FIES, criou o ProUni em 2004, Luz apara todos, Brasil Alfabetizado,  Educação, Fome Zero, Pronatec, Brasil sem miséria – complementando o Bolsa Família.
Vem a queda da presidente Dilma no desfecho de revelações de escândalos que abalaram os alicerces da nação e levou tanta gente às barras dos tribunais, sendo principais operações Mensalão e Lava Jato – um desvio fantástico de dinheiro público.
Assume o poder, o vice da chapa da presidente Dilma, portanto do mesmo ninho, o vice Michel Temer do PMDB, indefectível partido que sempre esteve colado ao poder, como garça vaqueira no lombo de bois ode rêmoras em mar aberto no dorso de tubarões. Veio a grito: foi golpe. E fica uma indagação: golpe no seio do mesmo grupo?
Questão de tetas que será objeto de continuação desta crônica.

JOAQUINA – UMA LENDA URUCUIANA

O escritor Paulo Gonçalves Pereira publicou um generoso comentário sobre meu livro Joaquina uma lenda urucuiana, que publico em nosso protalVeredas no sentido de enriquecer nossa abordagem do mundo urucuiano.
Posteriormente falarei sobre o Paulo e sua obra TODA A TERNURA DE UM PAI
 “Meus amigos,
  1. Tenho a mania de divulgar no Face obras literárias, que acabei de ler, de escritores das barrancas do Rio São Francisco.
  2. Em Pirapora, aonde eu e Francisca fomos para a passagem de ano, de 2017 para 18, minha irmã, Carminha, entregou-me o livro JOAQUINA – Uma Lenda Urucuiana, presente do amigo Aécio, diretor do jornal A SEMANA.
  3. Na dedicatória, Aécio faz referência aos cumprimentos do autor, o escritor mineiro JOÃO NAVES DE MELO, nascido em Estrela do Sul-MG, mas, desde meados dos anos 50, radicado nas terras urucuianas, tendo escolhido São Francisco-MG para morar e constituir família.
  4. O livro já pode ser inscrito no rol das principais produções literárias do Vale do Velho Chico, ao lado de obras consagradas de Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas), de Petrônio Braz (Serrano de Pilão Arcado – A Saga de Antônio Dó) e outros.
  5. As narrativas do livro proporcionam deleite intelectual a quem o lê. Lembranças bem vivas brotam da memória dos ribeirinhos são-franciscanos pela descrição dos cenários outrora exuberantes daquele imenso retângulo delimitado pelo majestoso Rio São Francisco e seus afluentes da margem esquerda, os rios Paracatu, a norte, e Urucuia, a sul, ambos a cerca de 30 quilômetros de São Romão.
  6. Literariamente, há que se destacar a habilidade do autor em alternar sua narrativa, ora na fala do Velho Zacarias, ora na sua própria. Além do mais, o autor conseguiu reproduzir perfeitamente o linguajar peculiar dos personagens urucuianos, facilmente entendido por mim, são-romanense que sou.
  7. Como é típico dos bons escritores, JOÃO NAVES DE MELO deixa aos leitores a tarefa de estabelecer a linha que separa ficção e realidade, pois os casos contados são provenientes do fértil imaginário popular dos ribeirinhos são-franciscanos e urucuianos.
  8. No livro TODA A TERNURA DE UM PAI, fiz referência aos 12 Bandeirantes de Esmeraldas-MG “com a missão de instalar a primeira Escola Caio Martins na região do Urucuia, em área abandonada da Fazenda Conceição”. Um destes 12 era o autor, o outro, FRANCISCO RESENDE, tido como o mais bonito do grupo e que veio a se casar com minha prima MARIA DO SOCORRO, filha de tia Esher.
  9. Assim como com os livros de João Guimarães Rosa, também JOAQUINA – Uma Lenda Urucuiana pode inspirar cineastas a produzirem um filme sobre as histórias ali narradas, fictícias ou reais, pois foram bem delineados os traços psicológicos fortes de seus personagens e os cenários onde viveram.
  10. Informações sobre o livro podem ser obtidas nos endereços retirados da sua primeira página:
www.joaonavesdemelo.blogspot.com.br
obarranqueirojornal@gmail.com
obarranqueiro@yahoo.com.br”

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

                                                                                                           XXVI - Parte

CENTENÁRIO DE JANUÁRIA
Acampamento de alunos da Caio Martins em Januária
Outubro de 1960 marcou um grande encontro de representações das Escolas Caio Martins em Januária. Motivo especial: comemorar o centenário daquela bela cidade, berço natal do fundador das Escolas, Coronel Manoel Almeida, e de um grande caiomartiniano (autor do Hino às Escolas Caio Martins e presidente do Conselho Diretor da instituição), um grande amigo, mestre, pesquisador e propagador do folclore barranqueiro, Coronel Saul Martins.
Não havia, naquela época, a apresentação de shows de artistas, as grandes bandas, como nos tempos atuais. De grande mesmo foi somente a apresentação de uma banda de música que creio ser da Polícia Militar de Montes Claros ou de fuzileiros navais.
Em festa de tão grande importância e repercussão no vale do São Francisco, o coronel Almeida acreditou e ousou apresentar como atração, os meninos das Escolas Caio Martins, muitos deles filhos de sertanejos da região.
Ginastas
Não me lembro bem da apresentação dos grupos de Pirapora, Januária e Carinhanha e Urucuia – creio que se sobressaíram mais nos desfiles, como escoteiros, principalmente, posto que a história da escola é ligada e inspirada na vida do escoteiro Caio Martins tragicamente morto na Serra da Mantiqueira, em um desastre de trem. Dele foi a frase, ao lhe ser oferecido socorro, posto estar muito ferido: “atenda os outros primeiros, pois o escoteiro caminha  com as próprias pernas”. Morreu em consequência dos ferimentos, mas sua frase transformou-se num lema histórico, numa palavra de ordem das escolas Caio Martins –“caminhar com as próprias pernas”.
Alunos da Escola de Esmeraldas apresentaram uma bela alegoria, no desfile pelas ruas da cidade, destacando-se a ginástica rítmica por um grupo de alunas do curso normal e um pelotão de escoteiros. À noite, em um palco armado em praça pública, as alunas da mesma escola apresentaram um número artístico muito especial: quadro das raças que, através de músicas especiais, fazia referência ao índio, ao português e ao escravo.Fechando o quadro, o produto da miscigenação das etnias: o brasileiro, com a apresentação da Aquarela do Brasil.O grupo da ginástica e do quadro foi magistralmente ensaiado pelas professoras do curso normal da Escola Caio Martins de Esmeraldas, Stela e Marisa.
A apresentação do Centro de Treinamento de São Francisco foi especial, uma pequena peça teatral retratando a vida bucólica do homem do campo em perfeita harmonia com a natureza, isso com poemas e músicas com apresentações que chamaram atenção por Davi Lelis e Helenice, declamando, e Lídia, cantando, com muita ternura, que belíssima era sua voz.
O coronel acreditava, botava fé e esperava muito de seus jovens pupilos e eles não o decepcionaram, as Escolas Caio Martins brilharam na festa do centenário de Januária e sua apresentação ficou registrada nos arquivos da Casa da Memória daquela cidade.
Helenice

Lídia

Maria Vilma
Texto e fotos: João Naves de Melo

PEQUENA CRÔNICA

O REGALITO
“O colunista foi informado de que estão demolindo o Regalito, o histórico palco, para não dizer histórico palácio. Não sabemos bem quais os motivos que levaram o proprietário do prédio, símbolo de uma geração, que soube se impor e se inscrever nas páginas de nossa história, a demoli-lo; talvez mesmo o próprio casarão já estivesse cedendo a inexorável ação do tempo e a ruir-se.
O que subsiste, todavia, é um instintivo e natural sentimento de mágoa por ver a mão do homem aliar-se à mão do tempo a fim de destruir o que, para muitos, constitui fruto de recordação, respeito e carinhos, enfim, daquilo que, para muitos, representa uma relíquia, mas que não vale para os que estão alheios às coisas do passado da terra.
É de se perguntar se não haveria um meio de evitar a demolição do Regalito e, ao contrário, tentar conservá-lo e de o tratar, como realmente é uma das nossas preciosidades históricas.
Será que antes de lançar mão ao machado, não poderia estudar ou tentar a possibilidade de conservação. A verdade é que se, por um exemplo, no Rio, que comemora agora os seus quatrocentos anos, pensassem como aqui, o que teriam para testemunhar a sua história? E nós se continuarmos pensando apenas no interesse material e desprezarmos tudo aquilo que se vincula à nossa terra, de ontem e de hoje, que teremos como testemunho da história, quando festejarmos o centenário da cidade?
Em tempo: a conservação do Regalito, cuja preservação bem poderia ter sido objeto de preocupação da municipalidade ou de qualquer entidade que se interesse pelo zelo das coisas ligadas à história são-franciscana”.
Este artigo foi publicado na edição nº 176 do “SF” – O Jornal de São Francisco de 17 de janeiro de 1965 na coluna UMAS E OUTRAS que, infelizmente, não tem o nome do autor.
COMENTAMOS, AGORA
Além do Regalito, muitos prédios históricos da cidade foram demolidos, como o belíssimo sobrado na Granja Aliança em terras que o Cel. Oscar Caetano Gomes comprara de uma herança dividida do finado João Maynart, com Dr. Manoel Ferreira e Silvino erguido no outeiro que dominava a cidade e que tinha uma bela visão do rio São Francisco. Na lista pode ser relacionado o Mercado Municipal, belíssimo prédio que foi demolido dando lugar à construção do Cine Canoas que, hoje, nada representa. E mais: o interior da Igreja Matriz, com suas três naves e belíssimo altar talhado em madeira. A casa sede do Campo de Sementes da Secretaria de Agricultura, passado à Escola Caio Martins, também demolido – era um prédio com tanta história, cantada e contada pela mocidade de São Francisco em antológicas festas promovidas por João Pitanguy e dona Yolanda.
Para arrematar, bem no centro da cidade, um monumento que era do agrado de todos, sem mais ou menos (ou por perseguição política) foi demolido: o coreto.
Este retalho da história que pinçamos nos arquivos do “SF”, legado de Leonides Dourado, é parte de uma bela coleção que registra uma época. Tem mais, muito mais: fatos, gentes, conquistas, decepções, tudo que passou enquanto durou o SF. Até isso São Francisco perdeu, pois já estamos um ano sem a circulação de um jornal na cidade e que, lamentavelmente, ninguém reclama.



sábado, 20 de janeiro de 2018

SÃO FRANCISCO SEM HISTÓRIA

Vicente Licínio Cardoso escreveu que o São Francisco é um rio sem história. Não exagerou, pois são parcos os escritos antigos sobre a história do rio da Integridade Nacional – e muita gente sequer sabe porque ele levou este título. Em tempos mais modernos é que têm surgidos escritos sobre o grande rio, mas de tempos passados muito pouco foi registrado, senão por grande parte de estrangeiros.
O mesmo destino tem a cidade (e município) de São Francisco. Além do livro autobiográfico de Brasiliano Braz (como ele mesmo disse), a história de São Francisco se perdeu nas brumas do tempo, de oral que se fez. Os mais velhos, repositórios de fatos aqui passados, levaram, com sem encantamento, parte dessa história. Assim, o que mais existe, ainda, é parte da história oral – “histórias que meus avós contavam”.
Em anos muitos idos, algumas tentativas de registrar os fatos que ocorriam na cidade, foram feitas, e surgiram alguns jornais de vida muito curta. Um deles o jornal Cidade de São Francisco, órgão oficial da Câmara Municipal, rodado em 1928, tendo como diretor gerente Oscar Barroso e diretor técnico Orlando Lopes de Carvalho. Um registro importante no número 19 do dia 30 de dezembro: “A luz elétrica vae marcar nesta cidade um grande acontecimento pois consta que virão assistir sua inauguração os Deputados Elpídio Cannabrava e Nilo Rosenburgo, nossos Supremos Chefes”.
Um imenso lapso se abriu e nada foi registrado da história são-franciscana. Em 1960, no primeiro governo de Oscar Caetano Júnior, foi lançado o jornal “SF – O Jornal de São Francisco, por iniciativa dele e João Ortiga, com apoio de Heráclito Cunha Ortiga. O SF, um pequeno, porém muito simpático, valioso e rico de informações, atravessou, heroicamente, os governos de Oscar, Pedro Mameluque e Aristomil Mendonça. No governo Edson Paraíso e, depois, Severino Gonçalves, ele foi para as calendas do esquecimento, pouquíssimos números foram editados  e, assim mesmo, de pouco valor histórico, posto que seu fim era mais de exaltação do chefe, com a destacada figura de Zeca Português.
Só em 8 de fevereiro de 1997  Oscar Caetano Neto na chefia do Executivo Municipal, incentivou a criação do jornal Nosso Tempo (Ano I edição nº 0) que foi editado durante 2 anos. De repente, sem mais nem menos, Kato cortou a verba do jornal e sua última edição em de número 83 em 21 de novembro de 1998 e adeus Nosso Tempo.
A imprensa são-franciscana só voltou a dar as caras no ano de 2001, por iniciativa do proprietário da gráfica Santo Antônio, Lotário de Almeida e Silva Neto. Começou modestamente, editado quinzenalmente (1ª quinzena de março edição nº 001) com apenas 6 páginas. O tempo correu e o jornal cresceu, expandiu-se, deixou as fronteiras de São Francisco com circulação nos municípios de Chapada Gaúcha, Pintópolis, Icaraí de Minas e até Brasília de Minas. Passou a circular semanalmente, com edições de até 22 páginas.
O tempo foi passando e as prefeituras alegando falta de recursos suspenderam os contratos com o jornal que ficou restrito a São Francisco.
Com o término do mandato do prefeito Luizinho o jornal O Barranqueiro foi enfrentando muitas dificuldades para manter sua circulação e, por fim, a interrompeu.
Assim, o governo de Veim atravessou um ano. Um ano que no futuro ele não terá nada registrado (escrito e divulgado) para dar conhecimentos aos seus pósteros. Um secretário do atual governo disse que estava divulgado seu trabalho “no Youtub”. Pois é, em pouco tempo, o que se vê na rede social perde-se no espaço, no éter, e o trabalho do secretário sequer será lembrado.
Aí ele pode perguntar: para quê?
Uma resposta está demonstrada na ansiedade, na dificuldade, na luta de universitários que vêm a São Francisco em busca de informações históricas para elaborar suas pesquisas de mestrado e doutorado. O mesmo acontece com alunos do ensino médio e fundamental em pesquisas escolares. Pesquisar onde?
EM TEMPO
A revista Veja encomendou uma pesquisa para “tentar medir o impacto das Fake News entre os leitores no país”. Resultado mostrou que 67% dos que desejam checar se um informação é falsa ou verdadeira recorrem aos jornais, revistas e emissoras tradicionais. Aí está, o velho jornal ainda é o porto seguro das informações e registro da história.

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

                                                                                                           XXV - Parte

OS CAIOMARTINIANOS
Ao ensejo da reunião de um grupo de ex-alunos da Escola Caio Martins de São Francisco, realizada na semana passada no sítio de Luís e Sandra (ela ex-aluna), vamos focar o amor do ex-caiomartiniano por sua escola.
Em primeiro lugar vamos fazer uma correção quanto ao nome de ex-caiomartinianos, pois pelo que demonstram quase todos alunos que passaram pelas escolas – todas elas: Esmeraldas, Buritizeiro, Urucuia, Januária, Carinhanha e São Francisco -, não existe a figura do ex, pois eles sempre serão caiomartinianos.
O vínculo exterior desse amor à Escolas aflorou em 1968, quando o caiomartiniano Jonas Batista Pereira e um grupo de caiomartinianos criou a Associação de Ex-Alunos Caio Martins com objetivos de preservar o ideal caiomartiniano e estabelecer uma ajuda ao aluno egresso das Caio Martins. Em princípio, a Associação promoveu encontros de ex-alunos na Escola da Esmeraldas, no dia 1º de Maio. Assim, a cada ano acontecia um animado e muito festivo encontro de caiomartinianos brotados das mais diferentes regiões do estado de Minas e de outros estados – era, na verdade um chamariz. Momentos de alegre confraternização, de abraços, rever fatos e contar casos, por em dia as notícias de cada um – uma família se reunia. Nos fins de tarde, realizava-se uma partida de futebol reunindo um time formado pelos alunos egressos e por atuais alunos.
Por muitos e muitos anos o encontro do 1º de Maio foi marcado pelo encontro de caiomartinianos de todas as épocas. Banho de alegria e felicidade.
Reunia aqueles grupos, a cada ano, a mística caiomartiniana que tinha como dois grandes símbolos a Flor-de-lis e o belo hino composto pelo saudoso Saul Martins com o chamado de alerta “Se da Pátria os anseios ouvis, se quereis uma infância feliz…” Sim, quase abraçados, muitos tomadas pela emoção, indo às lágrimas, peito estufado, cantavam o hino como que revivendo uma epopéia.
Infelizmente, a vida tem, às vezes, seu curso interrompido e desviado. Foi o que aconteceu com o encontro anual dos “ex-alunos”.  Assumindo a presidência da Fundação Caio Martins a professora Márcia Almeida, esposa do fundador da grande obra, Manoel Almeida, delegou o comando ao coronel reformado Reinaldo. Foi um desastre para a Fundação. Não vouanalisar os fatos, nesta oportunidade. Registro apenas que no primeiro ano de sua intervenção, o coronel Reinaldo enterrou a beleza, a simplicidade e o sonho do 1º de Maio, foi praticamente decretada a diáspora dos caiomartinianos que ali se reuniam todos os anos. Nunca mais foi igual, por mais que se tentasse, a mística murchara.
Em compensação assistimos o rebrotar do espírito que une essa moçada. Na distante Rondônia (Vilhena), Anísio mantém acesa a chama caiomartiniana: com José Naides, Serginho, e outros companheiros, criaram o Grupo Ex-alunos da Turma de83 (curso de agropecuária do Centro Integrado). A cada ano encontram-se em uma determinada cidade e comemoram com imensa satisfação. Aqui em São Francisco, Juarez, Neto, Fernando e outros, mantém acesa a chama caiomartiniana, reunindo os caiomartinianos egressos da Escola de São Francisco uma vez por ano. Neste ano se encontraram no sítio da ex-aluna Sandra.
Repetem, malgrado os empecilhos, o refrão: “Companheiros, amigos, marchemos/ Pela estrada de Caio Martins/ Escoteiros, alerta! Exaltemos! O seu nome na voz dos clarins”.
No verso final do Hino Saul Martins vaticinava sobre o futuro da Escola e sobre o que ela seria na alma de cada caiomartiniano vida à fora: “Flor-de-lis, eis o emblema sagrado/ Que nos une e conduz ao chamado/ Desta escola que à grei vos desperta;/ Levantai vossas mãos pequeninas: Sempre alerta, escoteiros de Minas! Pelo Bem do Brasil, sempre alerta”.
A! Brasil.
Texto e fotos: João Naves de Melo

VOZES DOS CIDADÃOS

João Naves de Melo
JOÃO FIGUEIREDO – II
Joãozinho Figueiredo foi um aficionado dos esportes – a paixão maior era o futebol, o que adquiriu nas peladinhas com bola de bexiga ou de meia. Mais tarde, ele começou a jogar em campo – e, para se garantir, fundou um time em que era o primeiro jogador a ser escalado. O time, Comercial, fez muito sucesso naquele tempo, chegando a jogar nas cidades vizinhas e a disputar jogos com times de Montes Claros, aqui na cidade. A paixão nunca arrefeceu – passada a fase de jogador, virou dirigente, chegado a ser presidente do Dínamo Esporte Clube por vários mandatos – a sua grande paixão.
Outro esporte preferido era o ciclismo. Naquela época, eram comuns as corridas de bicicletas na cidade, um acontecimento que reunia grande público. Os homens acompanhavam a corrida vestidos de ternos e engravatados, trazendo na cabeça o indefectível chapéu, peça que completava o traje elegante da época. Joãozinho foi campeão várias vezes. Numa competição, foi premiado com uma bicicleta importada da Itália, própria para corrida: aro de madeira, pneu tubular, com armação levíssima. A primeira bicicleta que ele comprou foi trazida por Perfecto Rajium Fortes, comerciante espanhol afamado. Joãozinho conta que, antes de entrar para o ramo do comércio, o Fortes trabalhava como fiscal da prefeitura, sendo muito exigente no cumprimento de sua obrigações. De uma feita, quando autuava um cidadão de nome Serafim, este, irritado, vociferou contra o fiscal: “Vem pra cá, seu espanhol de Portugal”.
As festas. As festas eram agradáveis e muito alegres. São Francisco ainda não contava com um clube e, por isso, elas aconteciam nas casas de uns e outros, alternadamente, animadas pelo “Jazz” da cidade (hoje Banda), geralmente com instrumentos de sopro. São Francisco tinha bons músicos, oriundos das bandas de música de Manoel Clemente, Elísio Horbilon e depois Antônio Vermelho.
Outra diversão era o cinema, no antigo prédio do Matadouro, hoje Câmara Municipal. Joãozinho e Valdemar Ribas eram os encarregados do cinema, que foi conseguindo por Valdemar Santiago, diretor do Campo de Sementes (hoje Caio Martins). Com muita dificuldade, havia sessões uma vez por semana, pois a energia da cidade era gerada por uma caldeira, o que obrigava Joãozinho e Valdemar a pagar algumas pessoas para alimentar com água o tanque da caldeira durante a sessão.
A política em São Francisco era muito definida, com as famílias divididas em partidos. Seu Jovem, pai de Joãozinho, assim que chegou à cidade se identificou com o grupo de Odorico Mesquita, compondo com Dr. Manoel Ferreira, Manoel Clemente, Dr. João Pitanguy, Dr. Oseas e Júlio Marques, o grupo da UDN. A mulher de Júlio Marques, Isabela, é fanática com o partido, o que a levou muitos anos depois a ir ao Rio de Janeiro só para conhecer Carlos Lacerda, um famoso prócer da UDN nos anos 50. No outro grupo, o PSD, com o coronel Oscar Caetano Gomes, Brasiliano Braz  e Francisco Mendonça.
Joãozinho herdou do pai o gosto pelo comércio, atividade que exerceu até se aposentar, sempre inovando e trazendo novidades para São Francisco. Em homenagem a sua mãe, deu ao comércio o nome de fantasia de Casa Dondona. Na política, não avançou. Foi vereador por um mandato e não foi adiante.
Conta ele que o são-franciscano era muito identificado com a política e que existiam pessoas que levavam seu amor ao extremo. Lembra de Zé Pretinho, que morava em frente do Matadouro – um cabo político que só gostava de viver no meio das autoridades. Todas as vezes que soltavam foguete na parte baixa da cidade, ele identificava como uma manifestação política e ia para frente da sua casa, onde descarregava uma carabina, atirando para o alto, respondendo.
Uma novidade da época, ele lembra prazeroso: o carro que se pai comprou – um Ford Bigode, cujo motor era acionado por manivela. Antes, havia só um caminhão, adquirido por Sancho Ribas. Mais para frente, seu pai comprou um conversível e, por fim, um cupê, no qual ele desfilava pela cidade. “Quando o carro passava, o povo saía para as calçadas para vê-lo passar. Era um sucesso”, lembra ele.
  • Publicado no jornal Nosso Tempo, em setembro de 1998.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

BOI DE REIS NA PRAÇA

A secretaria Municipal de Cultura e Turismo promoveu, no domingo 7, na praça Centenário,  a apresentação de quatro grupos de bumba-meu-boi: bairros Quebra, Sagrada Família, Bandeirante e Luzia. O espetáculo atraiu um grande público que aplaudiu vivamente as apresentações de cada grupo. Foi formado um corpo de jurados para escolher os vencedores.
Ao final, apurado o trabalho dos jurados, saiu vencedor o bumba-meu-boi do bairro Sagrada Família. Em segundo lugar o bumba-meu- boi do bairro Luzia, em terceiro lugar o bumba-meu-boi do bairro Bandeirante e, em último lugar, o bumba-meu-boi do bairro Quebra (não foi o boi do tradicional grupo de Messias que, neste ano, saiu pelo bairro Luzia). 
Em tempo: antes do término do ciclo de apresentações dos grupos adultos, a cidade já está sendo invadida pelo boizinho das crianças conforme registrou Jonas Silva (foto).





FOLIA DE REIS

Mantendo a tradição, vários ternos de folia cumpriram missão de adorar as lapinhas recordando a participação dos três reis magos do Oriente – Gaspar, Baltazar e Belchior na adoração ao Menino Jesus, em Belém, logo depois de seu nascimento.
Na cidade e no meio rural, diversos grupos saíram em jornada do dia 25 de dezembro ao dia 6 de janeiro, data do encerramento da jornada. Com a bandeira dos Reis à frente, o grupo chega a uma casa colocada no roteiro, faz a saudação ao Menino Jesus no presépio, com toda referência cantando a história do nascimento dele e a adoração dos três reis levando presentes ao anunciado rei: ouro, mirra e incenso.
Depois da saudação, com muita alegria, os foliões se dividem nas danças do quatro e do lundu – ma festa.
EPIFANIA
“Tendo, pois Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que os magos vieram do oriente a Jerusalém. Perguntaram eles:Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a estrela no oriente e viemos adorá-lo” – Mateus,2:1-2
A tradição popular diz que os três magos eram reis. Não há citação na bíblia a respeito. Acredita-se que eram sábios,astrônomos ou astrólogos. Não importa. Para os foliões eles era reis, os Três Reis Magos que inspiraram a sua devoção que se repete, do mesmo modo, todos os anos, em jornadas de viagem, tal qual a dos três magos para chegar à lapinha onde adoram, como eles, o Menino Deus. Não tendo ouro, mirra ou incenso, oferecem o que têm melhor de si: a expressão de seus sentimento fervoroso através da música.
Uma graça muito especial para os foliões que podem viver o grande momento experimentado pelos três reis magos, assim como foi dado aos pastores ao receberem o anúncio do Anjo do Senhor: “Eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo: hoje vos nasceu na Cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura” – Lucas 2: 10-11. Dado foi aos pastores e ao reis magos a glória de testemunharem a presença de Deus diante dos homens.
No sentido religioso, de acordo com o calendário litúrgico da Igreja Católica, a epifania está diretamente relacionada com uma manifestação divina.
Um exemplo narrado na bíblia mostra o episódio em que houve a apresentação de Jesus Cristo ao mundo, através da chegada dos Reis Magos, trazendo seus presentes.
Padre Paulo Ricardo da equipe Christo Nihil Praeponere7, discorre sobre o assunto:
“Quando nasce uma criança, é costume que os familiares e amigos mais próximos demonstrem o seu afeto e estima com presentes dos mais diversos tipos: roupinhas e sapatinhos para agasalhar o bebê; fraldas e produtos para cuidar da sua higiene; e, um pouco mais tarde, quando ele começar a segurar as coisas com as mãos, brinquedos para que tenha com que se divertir. Os padrinhos do recém-nascido talvez até comprem uma banheira, um carrinho ou um berço, ajudando a completar o enxoval.
Mas, quando o Menino Jesus nasceu em Belém, deitado ao frio a ao gelo sobre uma manjedoura, os primeiros presentes que recebeu, de três estranhos, não foram nada comuns. O Evangelho diz que Magos vindos do Oriente, “abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe como presentes: ouro, incenso e mirra” (Mt 2, 11).
Ora, o que uma criança que mal acabara de nascer podia fazer com ouro, incenso e mirra? À parte o valor incontestável do ouro, o que uma pobre família de Nazaré ia querer com objetos dessa natureza? Qual o significado dessas três coisas que os Magos oferecem a Jesus e que são lembradas, todos os anos, na Solenidade da Epifania do Senhor?
Durante a Missa da Epifania de 2010, o Papa Bento XVI, expressando a mesma perplexidade dessas perguntas, reconheceu que os dons apresentados pelos Magos:
“Sem dúvida, não são dons que correspondem às necessidades primárias ou quotidianas. Naquele momento, a Sagrada Família certamente teria tido mais necessidade de algo diferente do incenso e da mirra, e nem sequer o ouro podia ser-lhe imediatamente útil. Mas estes dons têm um profundo significado: são um ato de justiça. Com efeito, segundo a mentalidade em vigor nessa época no Oriente, representam o reconhecimento de uma pessoa como Deus e Rei: ou seja, são um ato de submissão. Querem dizer que a partir daquele momento os doadores pertencem ao soberano e reconhecem a sua autoridade.”
FOTO: Terno de foliões do bairro Santo Antônio: guia Valfrido

PEQUENA CRÔNICA

PAÍS DO INACREDITÁVEL
Por mais que se tenha boa vontade, por mais que se insista em manter a esperança, por mais que possa imaginar que se vive um pesadelo e que, de repente, vá acordar, não tem jeito, o Brasil está mesmo precipício abaixo. Não é só pelos políticos. A sociedade, no geral, também tem sua parcela de culpa, pois é ela que confere poderes aos mandatários, é ela que cria ídolos, principalmente na esfera cultural (e o país está numa fase de arrepiar e tanta gente batendo palmas para verdadeiros lixos).
Quando a gente imagina que já tinha acontecido tudo de ruim com Mensalão, Lava Jato e outras tantas operações, surgem novos fatos, todos de nos fazer coral de indignação por não compreender a razão que leva à falta de razão.  Como pode o presidente da República nomear Ministra do Trabalho uma pessoa que foi processada pela Justiça do Trabalho e sequer saldou sua obrigação com o trabalhador? Como pode ser nomeado diretor do Detran (MG) uma pessoa que tem 120 pontos anotados em sua carteira de habilitação e que para chegar ao posto teve que se valer do Uber? Parece fantasia, não pode ser, estão brincando com a gente, indo ao limite da tolerância.
A política já está fervilhando com ataques e contra-ataques entre defensores de Bolsonaro e Lula. Não precisava, se o Brasil fosse um país sério. Não tem como defender a candidatura de um político que está atolado até à raiz do cabelo em escândalos, culminado com o estrago, recente, da Petrobras no estrangeiro (e tem cronista que defende aqueles que afundaram a grande empresa dizendo que o governo americano é que está por trás dos desmando; gente esclarecida (?) como músicos, atores, literatos e por aí afora que garantem que tudo não passa de perseguição, mesmo pagando quase R$ 5  pelo litro de gasolina e mais der R$ 60 pelo botijão de gás.  Os fatos não metem, mas procuram distorcê-los para garantir o status quo (vai mamar assim lá adiante).
Sim, um verdadeiro absurdo o que se lê nos noticiários: investigados (por corrupção), da base do governo tentando pousar debaixo do guarda-chuva de Lula para conseguir apoio à candidatura dos seus filhos. Aqueles que eram acusados de ter “dado o golpe” na presidente Dilma buscam o ninho como se nada tivesse acontecido. Tudo isso sem o menor pejo e o povo que se dane, que se exploda, conforme o bordão de Chico Anísio.
Muita água ainda vai rolar sob a ponte (espera-se pois até água tem sido um bem um tanto escasso, trocando-a, então, pelo sofrimento do povo) e pode ser que as coisas mudem. Aí vem o pessimista (ou realista) e crava a verdade: não muda nada, isso é Brasil, país do inacreditável, porém previsível.

BUMBA-MEU-BOI

Em São Francisco não se tem notícias de como aqui chegou o folguedo Bumba-Meu-Boi, que encanta a população e arrasta a meninada pelas ruas da cidade. É uma das mais tradicionais tradições do folclore nordestino, especialmente nos estados do Maranhão e Piaui.  Segundo Câmara Cascudo esse folguedo teve origem no ciclo econômico do gado, sendo produto tríplice de miscigenação, com influência indígena, do negro escravo e do português. Uma série de variantes apresenta o enredo. Uma delas é narrada como fato acontecido: Catirina, mulher do escravo Pai Francisco pede-lhe que traga uma língua de boi para satisfazer seus desejos de mulher grávida. Pai Francisco mata um boi do seu patrão e logo que inicia a matança é descoberto. Sendo o boi de estimação do patrão toda a fazenda se reúne para ressuscitá-lo. Entram em cena o Pai Francisco, o Pajé, vaqueiros, doutor, a Catirina (que deu nas catirinas que acompanham o bumba-meu-boi) e outras figuras ligadas ao folclore regional: mulinha de ouro, bicho tamanduá, a onça.
O folguedo, assim, revive o drama do Pai Francisco,história que vem sendo passada de gerações a gerações. História que chegou a São Francisco, certamente, pelo rio que, em verdade, deu origem à cidade.
É fato que danças, folguedos e outras manifestações, com o passar dos anos, e as mudanças de região, tomem novos nomes e sofram alterações. Contudo, para que não se perca a origem, o que importa à tradição, é preciso que a narrativa principal seja mantida, assim como os adereços, quando se tratam de uniformização de grupos. No caso do bumba-meu-boi originalmente tem-se o processo volitivo que parte da tríplice miscigenação e do ambiente em que se passou – o sertão nordestino no ciclo do gado, ciclo que teve imensa influência na criação da cidade de São Francisco. Diz Câmara Cascudo que “as danças, de modo geral, nunca desaparecem, mudam de nome, há uma corrente de interdependência de trocas de elementos rítmicos, de posições, e nesse aculturamento o velho batismo perde presença e ganha apelido. A permanência rítmica é  é um dos mais assombrosos  fenômenos de persistência na coreografia popular”.
Caliu Felipe de Souza em trabalho publicado no boletim da Comissão Maranhense de Folclore“Apropriações e tradições: o Bumba meu Boi do Litoral do Piauí”, observa que “a brincadeira de Boi em Parnaíba, não tem o caráter estático pregado por alguns tradicionalistas”. Anota, ainda, como resultado de sua pesquisa,que “ficou evidente, também, o impacto que a estética carnavalesca do bairro São José tem provocado nos Bois, não sódo seu bairro…”
Tais observações são no sentido de refletir sobre as alterações que vêm sendo feitas nos celeiros de boi de São Francisco – algumas aceitáveis, outras pouco recomendáveis por não guardar nenhuma relação com o folguedo e sua origem. No caso podem ser citadas as seguintes: a introdução da figura do dragão (não faz parte da cultura brasileira); vaqueiros mascarados como figurantes do halloween, festa tradicional norte-americana, e letras de músicas de sucesso da cantora Xuxa.
Detalhes esses devem ser colhidos pela secretaria Municipal de Cultura e Turismo que promoveu, com muito louvor, o evento para que oriente os celeiros no sentido de resguardar, na medida do possível, a tradição, ou não exagerar nas introduções de fatos novos no folguedo tão rico do folclore são-franciscano.

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

                                                                                                           XXIV - Parte

APRENDER FAZENDO
O processo de aprendizagem  desenvolvido no Centro Integrado de Esmeraldas, como nas demais unidades da Fundação, era muito eficiente, prático, o que era internalizado espontaneamente pelos alunos. Era o “aprender fazendo”.
O CI tinha um número muito reduzido de servidores e, com isso, os alunos assumiam, praticamente, todas as ações produtivas, principalmente nas áreas agrícolas. O processo se estendia, também, às oficinas, que contavam com mestres instrutores, mas o trabalho produtivo era feito pelos alunos. Assim, passando por diversas áreas, os alunos iam acumulando conhecimentos e noções. Não se transformavam em um mestre, mas ao fim de algum tempo, tinham noção de como desempenhar certas funções. Estando à frente dos projetos, todas as decisões eram tomadas pelos alunos. Na área agrícola, por exemplo, cabia ao grupo desenvolver o projeto, da escolha da área, ao plantio e colheita, incluído, nesse trabalho, todos os cuidados na condução das plantações. Surgindo problemas, a solução deveria ser buscado pela equipe podendo contar, em casos extremos, com a orientação de um professor de área teórica.
Um setor que exigia muito do aluno era o da pecuária – projetos de avicultura de corte e postura; cunicultura, suinocultura, bovinocultura, onde eram constantes os problemas relativos à incidência de doenças e ao desenvolvimento dos animais. Era um situação peculiar, muito própria da Escola que trabalhava com o mínimo de recursos financeiros. Assim, todos os insumos empregados nos projetos era garantidos pela produção e pelo resultado de cada projeto. Do Estado não vinha socorro algum. Entre vários casos anotados, os problemas enfrentados e soluções buscadas pelos alunos em seus projetos, guardamos um ocorrido na avicultura de corte. Certo dia o coordenador do projeto, José Naides, buscou a direção da Centro narrando que fora observado um problema com as aves de posturas: os ovos de má formação – alguns sem completar cobertura (casca), outros muito pequenos. Além disso, observava-se o surgimento de problemas com as aves – na formação de suas pernas, com curvaturas exageradas. José Naides foi orientado a buscar socorro em uma instituição de pesquisas, pois no CI não havia respostas para o problema. Ele passou a mão em uma galinha, meteu-a debaixo do braço e viajou para Belo Horizonte recorrendo-se à Escola de Veterinária da UFMG. Diz ele que foi recebido por um professor muito atencioso, simpático e já bem velhinho. Exposto o caso, o professor tomou a galinha e quebrou sua perna, como um graveto, sem qualquer resistência. Perguntou, então, ao José Naides qual era a alimentação que estava ministrando ao plantel. Ele narrou que era uma ração preparada no próprio projeto:  uma mistura de fubá com um composto rico em cálcio (este adquirido). Acrescentou que, por descuido, faltou o composto e que a ração foi servida apenas com o milho. Aí, ele recebeu uma bela aula sobre a estrutura orgânica e as necessidades alimentares de uma galinha poedeira. Ela precisa muito de cálcio para a produção de ovos (casca) e, não o tendo, retira-o do próprio organismo e, daí, a razão dos ovos deformados e das pernas fracas. Por fim o professor orientou: comprar um saco de farinha de ostra e faça uma nova mistura para administrar às poedeiras e, muito em breve, seu plantel estará salvo.
E assim foi, também, com ocorrências em outros setores dos animais – os alunos buscavam, pesquisavam e resolviam todos as ocorrências.
Aprender fazendo, era a ordem.
Texto e foto: João Naves de Melo
(Recuperação de Slides – Jonas Silva)

VOZES DOS CIDADÃOS

João Naves de Melo
JOÃO FIGUEIREDO
Com um sorriso alegre, muito bem disposto e à vontade, confortavelmente vestido com uma elegante camisa de seda e bermuda, Joãozinho Figueiredo recebeu-nos – a mim e ao dr. Elmiro – , à porta de seu imponente casarão, na rua Cesário Alvim com Sancho Ribas.
Ao abrir da porta, veio-nos do interior da sala um som agradável de música romântica. O aparelho de som estava instalado – com toda a parafernália eletrônica – numa estante colocada à frente de uma confortável poltrona, onde nosso anfitrião passa horas lendo e ouvindo música, intercalando o tempo com sessões de TV. Um modo agradável de gozar a vida, chegada a provecta idade, mas com muito vigor, disposição e alegria.
Dadas as boas-vindas, nos instalamos na sala de jantar, numa imensa mesa de madeira trabalhada, cercada de cadeiras e móveis antigos e muito bonitos. Na parede, quadros e pinturas repousantes; e, sobre os móveis, fotos de família – dos dois troncos que levaram à família Ferraz Figueiredo e a sua descendência. Era um ambiente propício para se falar sobre um pouco da vida de São Francisco através de uma tradicional família.
Ali, prontos para o trabalho, fomos agradavelmente surpreendidos com a chegada de Gislene – filha de Joãozinho – , uma simpatia, que carinhosamente se assentou ao lado do pai, mais para absorver a suas histórias que para auxiliá-lo, pois  a memória e lucidez dele são prodigiosas. Tanto melhor, pois ela nos cercou de gentilezas e deliciosos canapés.
João Figueiredo nasceu em 11 de agosto de 1917, em Remanso (Bahia), cidade que foi coberta pelas águas do rio São Francisco, com a construção da barragem de Sobradinho. Filho de Joviniano Figueiredo e Maria Vargas Figueiredo – Dondona, como carinhosamente era tratada.
Aqui, um parênteses para registrar um fato curioso. A família de Joviniano era de Remanso, sendo o pai dele, Marcelino Inácio Figueiredo, um empresário do ramo de transporte fluvial – proprietário de barcaças que transportavam mercadorias pelo rio São Francisco, àquela época o único caminho que ligava o Sul ao Norte, pelo interior. Numa das viagens que ele empreendeu, com sua esposa, dona Luíza Honorina Figueiredo, chegando à cidade de Januária ela entrou nos trabalhos de parto e, ali, nasceu o baiano Joviniano, pai de Joãozinho.
Em 1923, o seu jovem (Joviniano Figueiredo) mudou-se com a família para São Francisco. No ano seguinte, veio Joãozinho, embarcado no vapor Prudente de Morais, da Navegação Baiana. Ele chegou na efervescência do famoso “Barulho”. Estando São Francisco  em guerra, o seu Jovem mandou sua família para Januária, onde Joãozinho passou uns meses até serenarem os ânimos.
A família morava numa casa edificada no então Largo Santo Antônio (praça Centenário) – em local hoje ocupado pelo laboratório de Dr. Max. Seu Jovem, em 1926, começou a atividade de comerciante, sendo o seu ponto onde hoje é o comércio de Sady Maynart. Em frente ao comércio de Sancho Ribas, que mais tarde o seu Jovem comprou, por dez contos de réis, através de Artur Nascimento, pois Sancho Ribas mudara-se para Pirapora, em consequência do “Barulho”.
Com 11 anos, Joãozinho começou a trabalhar no comércio com o pai. Começava de madrugada, quando ia para a entrada da cidade interceptar os carros-de-boi que vinham da roça ou de outras cidades, trazendo mercadorias para serem vendidas na cidade. Sua missão era pedir a preferência de compra. Feito o contrato, ele ia a um dos depósitos da firma pesar a mercadoria, o que se fazia em balança de corrente. Comprava-se de tudo: mamona, algodão, rapadura, madeira e peles de animais silvestres – onça, gato do mato, lontra, ariranha, capivara. Vendia-se também de tudo: tecidos, sal, café, querosene e gasolina (Joãozinho lembra com satisfação o nome do exportador do combustível que vinha acondicionado em tambores – Anglo México Petróleo Company).
Joãozinho, ao mesmo tempo, frequentava escolas particulares. Sua primeira professora foi dona Corina, filha de Carolino do Amor Divino. Depois, estudou com dona Jovina e, por fim, com dona Graziela, recebendo aulas onde hoje é a Casa Zelita. Teve, ainda, a oportunidade de receber ensinamentos do dr. Tarcísio Generoso, à noite, com luz de lampião alimentado por carbureto; de dr. Marcelino, um advogado da época, e aulas de datilografia com o professor Raul Reginaldo.
O lazer, no tempo de menino, era jogar bola com a molecada. A bola, lembra ele com carinho,“era de bexiga, que a gente ia comprar no matadouro que existia onde hoje é o hospital ou então de meia”. Começou aí o seu gosto pelo futebol, paixão que alimentou pela vida afora, como veremos mais adiante. As traquinagens eram montar em carneiro e passear pela pequena cidade, aos domingos, o que fazia com os companheiros, meninos como ele, José Mesquita, Hélio Albernaz, José Licino e Mozart Albernaz.
À noite, iam ao sítio de Mané Cachimbo (Escola Caio Martins) surrupiar laranjas – naquele tempo era quase uma viagem. Iam mais longe com suas brincadeiras, onde se incluía uma de dar arrepio: pegar vagalume no cemitério, que na época ficava onde é hoje a Escola Estadual Coelho Neto.
Joãozinho menino tinha todo o seu tempo muito bem preenchido e muito bem vivido.
  • Publicado no jornal Nosso Tempo, em setembro de 1998.