sábado, 30 de junho de 2018

MULHERES DE SÃO FRANCISCO – II

João Naves de Melo*
As irmãs Virgínia, Ditinha e Vita, as artistas da música: orquestra feminina de cordas Santa Cecília, escola de música, belas canções compostas. Elas se foram, a música secou – não mais orquestra, escola e juventude voltada para a bela arte.
Uma grande mestra, ainda viva, também se distinguiu na música, professora Maria Eunícia – tempos dos saraus, das serenatas ao luar, serenatas nos ajoujos, no meio do rio São Francisco, em noites quentes. Ela compôs belas valsas e hinos. Ela, nos seus 93 anos, é parte viva da história da cidade, desde os tempos conturbados, tendo sua família sofrido momentos de aflição, quando vivia no meio rural, com a passagem da famosa Coluna Prestes pela região: “quem disse que a Coluna invém, capano os home e as muié tomem?”.
Essas e outras grandes mulheres, já vividas: professora Graziela, mulher do primeiro doutor-farmacêutico de São Francisco, Tarcísio Generoso – uma grande mestra. Professora Alzira Coutinho, mestras Hercília e Marcionília, das primeiras da cidade, lecionando em escolinhas de fundo de quintal, Hilda Pinto. Quantas mulheres fantásticas que fizeram história.
No geral, sem distinguir nomes, tenho carinho especial por grupos que, com suas atividades, fizeram a história do município passando-nos lições de vida. As poteras de Buriti-do-Meio – comunidade formada somente de negros, oriundos, também, do Gorutuba e das minas de Grão Mogol, remanescentes de escravos. Fabricam potes, bilhas, bacias, travessas, vasos, tudo de barro, artesanalmente, sem nenhum instrumento senão o olho do enxadão ou a costa do facão para cortar e bater a argila. Peças lindas, mimosas, enfeitadas e coloridas que ganham plagas alhures. Preço-precinho, mas que ajuda na sobrevivência de anos a fio. Nas horas de folga ou quando chove, e no barro não dá para lidar, cosem o famoso “cordão de São Francisco” para cingir a cintura do passado na sua última viagem. Bom cristão não pode ser enterrado sem levar o cordão de São Francisco bem arrumado.
Lembrar é preciso das mulheres tantas que ajudaram no crescer do município, através da agricultura de subsistência: na cultura da mandioca. Aquelas que agrupavam a família e contavam com a ajuda dos vizinhos, desde o plantio à fabricação da farinha, quando, num grande mutirão, encontravam a oportunidade de rever sua vida: o dia-a-dia, a troca de informações quanto às receitas de remédios caseiros e crendices; quando contavam suas histórias e falavam dos seus pequenos sonhos. Tiravam a casca da mandioca, torravam a massa no forno; preparavam a tapioca tão importante na alimentação diária, no fabrico de biscoitos, bolos e becos – muitos tirados no quente da pedra do forno; e na preparação da valiosa puba (nos tempos idos ela tinha valor de dinheiro, quando ele pouco corria: “sinhozinho está cheio da puba!”). A história de uma gente que chegou aos hodiernos através das noites de mutirão. No plantio da mamona a história quase se repetia e o que se guarda, como agregação da família, além do plantio, colheita e bateção dos bagos, eram as viagens à cidade acompanhando o carro-de-boi que levava as sacas de mamona para vender ao atacadista. Tanta alegria nos olhos das meninas carregando capangas cheias de bagos de mamona que seriam trocadas por tostões com um só fim: comprar pão para comer, molhado na groselha. Desejo tão pequeno, mas que significava uma realização, o que o modernismo enterrou.
A presença dessas mulheres no trabalho é tão marcante que ainda hoje, quando as culturas são outras e os recursos maiores, podem ser medidos a sua força, coragem, disposição e o espírito de proteção da família.

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