sexta-feira, 1 de junho de 2018

POEMAS SOCIAIS

ESSE MUNDO III
Meu canto é um gemido,
meu sorriso é de fugaz minuto
e minha vida um juntar de dor.
Meus olhos queimam como fogo,
e só uma lágrima corre no meu rosto
para refrigerar tanta mágoa, tanto sofrimento.
Minhas mãos lembram o couro curtido,
tal como uma canga,
reentrâncias de calos e cortes;
minhas pernas são veias arrebentadas,
cobertas de caroços
como vaca estrelada de verrugas.
Não tenho vida de esperar
nem outra passada para contar.
De noite deixo meu casebre,
de noite volto para meu casebre;
A luz do sol é no eito,
meio à palha, cinza, espinho e fogo,
ração e água quente, de que vivo
ou de que passo.
Minha filha, filhinha,
você que me espera sozinha no casebre,
que enfrenta o dia sem vozes;
na solidão das almas;
que não sabe as amigas e alegrias,
que não tem o sonho das letras,
que não canta
porque não ouve uma canção…
Filhinha, tudo o que faço,
sofrendo longe do seu abraço
– gozado e irônico dizer –
é por você.
Será que tem recompensa tanta dor,
e tanto abandono,
se não sinto, sempre, o seu ser no meu?
Se saio, você dorme;
Se chego, você dorme;
e se alimenta do requentado que lhe deixo.
É vida?
E pensar, filhinha, ser esse seu destino traçado,
como o meu, pois somos pobres,
nascemos no eito…
Você foi gerada no eito,
foi expelida no eito.
Seu destino está traçado.
Melhor, filhinha,
seria que você, depressa,
fosse embora…
Minhas lágrimas seriam dobradas,
de saudade e não de dor,
mas teria uma alegria certa:
você estaria no colo de Maria,
e no azul mais lindo e puro;
teria luzes em seus olhinhos
e não a cinza de todos os dias.
O meu céu negro.
A minha dor terrível.
A minha desesperança.
Esse é o meu País.
(MULHER CANAVIEIRA)
João Naves de Melo

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