DONA MARIA AUGUSTA BRAZ
Ao chegarmos à casa de dona Maria Augusta – eu, Dr. Elmiro e seu garoto Tabagiba, que, de quando em quando, pega uma ponta das nossas entrevistas, e dona Socorro Barbosa -, senti como se mergulhasse na São Francisco que despontava para a vida, saída de problemas conturbados. Ali, naquele imenso casarão, com um pé-direito incomum, de quase cinco metros, dando-me numa imensa sala, que ainda guarda a mobília que foi adquirida para receber Juscelino Kubistchek, em visita a são Francisco, vi perpassar diante de meus olhos alguns episódios históricos que depois foram lembrados pela nossa anfitriã.
Encontramos dona Maria Augusta nos esperando, recostada numa poltrona, sorvendo mansa e deliciosamente um copo de cerveja – foi a graça da entrada, com aquele espírito tão expansivo de dona Socorro aprontando das suas. Dona Maria Augusta logo disse que pensava que não iríamos conversar com ela – de fato, houve um ligeiro atraso. Isto nos agradou, dando-nos a boa impressão de que éramos bem-vindos.
Dona Maria Augusta nasceu em Januária no dia 13 de agosto de 1911, filha de Vidal Figueiredo e Otília Augusta, que ela diz serem originários do Nordeste. O casal teve ainda os seguintes filhos: Branca, Emília, Ariston, Joaquim e José – todos falecidos.
Muito cedo ela veio para São Francisco. Morava na casa defronte – hoje de dona Manoela – da casa em que passaria toda a sua vida – a que mora ainda hoje. Nesta, morava o rapaz Brazinho – que a adquiriu de Oscar Caetano Gomes – e dois agrimensores com suas esposas, Dr. João Pintanguy e Iolanda, e Aristeu Melo Franco e dona Pilucha.
Tudo começou muito cedo entre ela e “seu Brazinho”, como ela se refere a ele, com a voz carregada de carinho e emoção, como que a cada evocação de seu nome ele se fizesse presente, aplacando sua saudade. Ela estudava na escola particular da professora Astolfina, na casa de dona Maria Eunícia – onde funcionava uma escola, como já foi relatado nesta coluna. Ali, a cada final de aula, estava “seu” Brazinho à porta, esperando-a.
Não levou tempo para que unissem suas vidas, o que se deu na casa onde vive ainda hoje, em cerimônia celebrada pelo padre Falcão, tendo o coronel Oscar Caetano Gomes e dona Alice como padrinhos. Os amigos queriam, mas o casal não fez festa, pois os recursos eram parcos, lembra dona Maria Augusta. Isso se deu em 1926, dois anos depois do famoso “Barulho”. Mocinha ainda, lembra dona Maria Augusta daquela imensa confusão. Um tiroteio que não acabava. As ruas ficavam apinhadas de jagunços entrincheirados e, dentro de casa, Oscar Caetano e família. “Seu”Brazinho, armado com um imenso fuzil, mantinha guarda no sótão da casa. Foram dias de muita angústia.
Naquele tempo, “seu Brazinho” continuava seu trabalho de agrimensor e ela cuidava da casa. Não viajava com ele, pois era um trabalho muito penoso, que ele não admitia impingir-lhe. Logo também viriam os filhos: Petrônio e Rômulo e mais dois que faleceram ainda bebês.
Aquela casa, como o casarão de Oscar Caetano Gomes, então prefeito (o que foi de 1930 a 1945), era centro político de São Francisco. Ali eram recebidas as autoridades de Estado, políticos e correligionários. Dona Maria Augusta lembra bem da visita de Juscelino. “Seu” Brazinho comprou mobília e prataria nova para receber o grande amigo, o homem que seria governador do Estado, presidente da República e um dos maiores estadistas deste país. Ali também recebeu José Maria de Alkmim, sagaz político brasileiro, muito amigo que sempre vinha a São Francisco especialmente para visitá-la. Ali, sem se envolver muito na política de corpo a corpo, nos embates de rua, ela recebia as comadres e amigas, ou as cercava à passagem de sua porta, convidando-as para um cafezinho e, no final, o pedido do voto. Fazia-o com mansidão e jeito. Ali, o casal recebia romarias de pessoas do meio rural. Muitas mulheres eram hospedadas por dona Maria Augusta enquanto faziam tratamento de saúde ou vinham à cidade para os trabalhos do parto. De uma feita, ela ficou por meses com duas mulheres que anteciparam a vinda e nada de menino nascer.
Dona Maria Augusta lembra de tudo com carinho e saudade, dizendo que naquele tempo tudo era diferente, muito mais simples e bom, pois sendo todo mundo pobre as diferenças não apareciam e todos eram amigos. A vida era mais fácil, o comércio mais barato e havia mais fartura, pois da roça vinha de tudo para a cidade.
Uma parte muito terna de nossa entrevista e que me calou muito profundamente foi a insistência de dona Maria Augusta em pedir a cada instante para falar sobre o seu casamento. Ela não ligava dois fatos sem lembrar do “seu” Brazinho, e queria, ali entre amigos, no seu confortável casarão, trazer à memória a festa de seu casamento.
Festa? Não, repetia ela. Aí vem uma grande lição. Dizia dona Maria Augusta: “Não teve festa, nós éramos muito pobres, o que tínhamos era só um grande amor”. A doçura, no rebuscar emocionado da lembrança do companheiro de uma vida, com tanto carinho e tanta saudade, fazendo-o tão presente em sua vida, nos deu uma certeza: ela, ao casar, por toda a sua vida e ainda hoje tem o maior tesouro do mundo: o amor – o verdadeiro amor que não fenece, nem com o tempo. Pelo contrário, sente-se que ele está mais vivo, mais presente, nos seus olhos cheios de brilho, no seu sorriso cândido e na sua doce simplicidade, quando, com a emoção a brotar-lhe do coração, na voz enternecida, nos repetia sempre o nome que mais gosta e adora no mundo – “seu” Brazinho.
João Naves de Melo
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