sábado, 16 de junho de 2018

MULHERES DE SÃO FRANCISCO – I

João Naves de Melo*
É comum, sempre se fala e descreve mais os feitos do homem, deixando em segundo plano a mulher. Contudo ele não sobrevive sem ela, em todos os sentidos: no amor, no amparo, na paixão, no estímulo, na fábrica de emoções.
São Francisco teve e tem suas grandes mulheres. Muitas delas viveram à sombra dos maridos – alguns famosos coronéis que, sem elas, nada seriam, pois muitas temperavam ou eram os termômetros da conduta deles na sociedade. Mais os respeitavam ou aceitavam por causa das grandes qualidades de suas mulheres.
Particularmente, sobre algumas escrevi algumas crônicas com imenso prazer e reconhecimento. Mulheres fantásticas que são parte de nossa história.
Alice Mendonça, educadora, a primeira diretora do primeiro grupo escolar de São Francisco. Era mais conhecida não como a esposa do famoso Cel. Oscar Caetano Gomes, célebre político local e prefeito do tempo da Ditadura de Getúlio, mas como a “Mãe da pobreza”. Mulher doce, de olhos azuis, voz mansa e um enorme coração. Seu nome, muitos anos depois de sua ida, é lembrado com carinho e é sinônimo de gratidão e saudade.
Maria Teodora fez a última viagem, já centenária. Era afilhada de um dos primeiros prefeitos (presidente da Câmara de São Francisco) Antônio Ferreira, o Maroto, homem que enfrentou tempos difíceis, conturbados, na política local, agravados com a ascensão do temível jagunço Antônio Dó que pregava em praça pública, quando invadia a cidade: “Vou fritar Sancho Ribas na banha de Maroto” – na verdade ele tinha uma boa pança.
Maria Pretinha (Maria Alves Pereira), que já fez a grande viagem. Sua gente veio do Gorutuba, quando da grande seca que avassalou a região: buscava o adjutório, no mínimo, da água. Aqui plantou raízes. Ficou. Maria Pretinha fez família e que grande família, famosa na culinária.
A sua história se fez e sua família ela criou como cozinheira – a mais famosa de São Francisco, com sua fama se espalhando na região e nas capitais. O tempero de seu peixe, o seu assado (leitão, frango, peixe) tornaram-se iguarias disputadíssimas e requisitadas para banquetes, festas convenções, principalmente quando se homenageava gente importante em visita à cidade. Cozinhou vinte e seis anos para o famoso político Carolino do Amor Divino. Foi cozinheira dos vapores que navegam no rio São Francisco entre Pirapora e Juazeiro. Seus quitutes, peixes, picadinho de carne com arroz e paçoca fizeram nome, anos seguidos, na famosa Exposição Agropecuária de Montes Claros. Serviu marmita para a cadeia: durante vinte anos preparou ceias para as confraternizações do Banco do Brasil. Fez escola, mantida hoje, por tradição, por sua filha Neuza. Na história, com muito reserva, quando incitada, quase entre os dentes, com um sorriso enigmático ela contava coisas picantes do seu tempo de moça: “cada dia, ao sair na porta da rua, eu via um defunto estendido no chão”. Foi tempo do famoso Barulho de 24 que quase acabou com a cidade, a luta fratricida entre facções políticas. E conta, rindo, sem dar nomes: “um homem escreveu um boletim contra um político famoso. Ele não gostou, mandou amarrar o homem num pau, ali na Lagoinha (local de alagadiço e ermo, naquele tempo) e deu nele de chicote de arame farpado, gritando: ´cabra safado, ocê come o que escreveu ou morre`. Chorando, o homem comeu o escrito a seco” – e depois sumiu da cidade para sempre.
(Nota: a professora Adalgisa Botelho Mendonça observou em reunião do Preservar, que em São Francisco, você não encontra mais um estabelecimento que oferece um prato típico a um visitante e isso acarreta constrangimentos.)

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