sábado, 26 de maio de 2018

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

XXXIX – Parte
OS EX-ALUNOS
Na primeira parte do pequeno histórico que fiz sobre as Escolas Caio Martins, ative-me a fatos relacionados à minha vivência como aluno e, depois, diretor de unidades delas, podendo até mesmo classificá-los como memórias de um caiomartiniano. Posso dizer, sem qualquer margem de dúvida, que tal relato encontra ressonância, e tem a mesma acolhida, por parte de milhares de ex-alunos das Escolas Caio Martins. Gostaria de relacionar tantos deles cujas notícias chegam-me constantemente dando ciência de seu sucesso na vida e o amor à escola. Vamos encontrá-los em diversos campos de atuação na sociedade: professores, diretores de escolas, superintendentes de ensino, advogados, médicos, engenheiros, militares, empresários, contadores, agrônomos, técnicos em agropecuária, enfermeiros, técnicos ambientais, servidores públicos, músicos, tipógrafos, vereadores, prefeitos, padres, pastores, mecânicos, motoristas, e até mesmo uma pré-candidata à presidência da República (a indígena Sonia Bone Guajajara que estudou no CI de Esmeraldas). Todas notícias que recebemos, com raríssimas exceções, nos dão conta de que são cidadãos cônscios de seus deveres para com a pátria e a sociedade, com famílias bem constituídas, gente de bem.
Muitos desses alunos tiveram o privilégio de estudar em Esmeraldas – curso Técnico em Agropecuária e Magistério – e, com isso, encontrando mais facilidades na vida. Porém, no mesmo caminho, encontramos meninos e meninas que passaram pelos Centros de Treinamentos de Líderes Rurais de São Francisco e Januária, numa primeira fase, estudando até o quarto ano primário e, noutra até ao 8º ano, e se saíram muito bem na vida como professores rurais, profissionais liberais, mecânicos, motoristas, pedreiros, marceneiros, costureiros e alfaiates. Mais que isso, se fizeram agentes transformadores do meio, como ensinava o fundador das Escolas, Coronel Almeida – transformar o campo através da criança. Há um exemplo muito singular que atesta tal transformação, no campo dos costumes, da saúde, que nos foi repassado pelo padre Francisco, pároco de São Francisco na década de 60. Disse ele que em viagem pelo interior do município, nas desobrigas, chegando a uma casa ele ficava sabendo da existência de morador que estudara na Escola Caio Martins, quando via mesas forradas com toalhas bordadas, potes com tampa e os copos de alumínio areados e cobertos – dois copos: um para retirar a água e outro para beber. Outro sinal, vinha da música: ele tinha instalado no jipe Vemaguet um aparelho de som para tocar músicas nas celebrações das missas e, no transcurso da viagem, ele tocava as músicas do coral da Escola.
Poder-se-ia dizer que ex-alunos de outras escolas do país também galgaram boas posições na vida. É certo, mas não há paralelo com o sistema Caio Martins, considerando o seu público/aluno. Em primeiro plano (caso de Esmeraldas e Buritizeiro), parte deles era formada por crianças em estado de risco, com famílias desestruturadas. Noutro plano estão os alunos oriundos de regiões que não ofereciam cursos profissionalizantes.
No terceiro plano estão os alunos dos Centros de Treinamentos e, em parte, dos Núcleos de Carinhanha e Urucuia. Até à década de 70, nesses municípios, não haviam  escolas no meio rural com o antigo primário completo, ministrava-se apenas os dois primeiros anos – eram escolas alfabetizadoras. Para os pais conseguirem uma vaga nas escolas nessas Caio Martins equivalia conseguir uma vaga em uma universidade nos tempos atuais, era concorrida a prova de seleção.
Eram, então, essas escolas o único meio de promoção do homem do campo através da criança.
Quando, como e por quê as Escolas Caio Martins praticamente fecharam as suas portas?
O que justifica a atual situação das dessas escolas um fantástico patrimônio educacional, social e humano, quase à bancarrota?
Teria os governantes, e a sociedade, uma resposta?
João Naves de Melo

VOZES DOS CIDADÃOS



LUZIA LUSTOSA FERREIRA – UMA VIDA DEDICADA À FAMÍLIA

Numa manhã de sábado, eu e o Dr. Elmiro Ribeiro Júnior chegamos a uma vetusta casa na avenida Olegário Maciel, que guarda muito da história de São Francisco – é a casa dos Ferreira. À entrada, no alpendre, uma pintura com paisagem ribeirinha, tomando boa parte da frente. O alpendre é trabalhado em madeira, com linhas gregas enfeitando o beiral do telhado; e, por fora o frontispício da casa é todo ornado artisticamente com molduras de massa. O assoalho e o forro, todo de madeira trabalhada, são resquícios das antigas e belas residências do começo de século.
Fomos amavelmente recebidos por dona Luzia Lustosa Ferreira, esposa de dr. Manoel Ferreira, político e ilustre advogado que militou com brilhantismo por décadas na comarca de São Francisco, granjeando respeito e fama além fronteiras.
Dona Luzia é oriunda do estado do Piauí, que tantas famílias mandou à São Francisco do início do século XX. Nascida em Bom Jesus Burgueia, em 1915, filha de Genésio Lustosa Ferreira e Aurora Cavalcanti. Aos 13 anos casou-se foi morar em Pilão Arcado. Com o falecimento do marido, ainda moça veio com a mãe para São Francisco, onde conheceu dr. Ferreira, então prefeito da cidade. Logo se uniram. O casamento foi celebrado pelo padre José Ribeiro, na casa descrita acima – dr. Ferreira a comprou de Joviniano Figueiredo, mandando reformá-la ao modo como está hoje.
Dona Luzia lembra do mestre carpinteiro – esqueceu o nome, mas tem na memória a sua figura, pois era um grande artista, apesar de ter apenas uma mão. O padre Ribeiro levou a imagem de São José, padroeiro, da cidade, para compor o altar, no interior da casa, onde se celebrou o casamento, tendo como padrinhos o coronel Oscar Caetano e dona Alice Mendonça.
São Francisco era uma cidade muita pequena, lembra dona Luzia. Tão pequena que era mais comum dizer que suas ruas eram becos. O beco que vinha da praça para o rio. O beco que ia da hoje rua Montes Claros à rua Silva Jardim. O beco que levava ao comércio dos Gangana, na barranca do rio São Francisco – um grande comércio da época. Era tudo casinhas e becos. Na praça, hoje Centenário, existiam poucas casas – casa de dona Antônia, onde hoje mora dona Alzira, casa do pai de Edinho Ribas.
A vida de dona Luzia foi a responsabilidade do lar, criar e educar os filhos e cuidar das fazendas. Dr. Ferreira, advogado muito solicitado, estava sempre às voltas com as causas jurídicas e políticas. Dona Luzia cuidava dos negócios. Passava tempos na fazenda Capitólio, onde tinha uma boa casa. Outras vezes na fazenda Sumidouro, cuidando do gado e das plantações. Só voltava à cidade depois da colheita. Lembra que, naquele tempo, chegava a mandar mais de sete carros-de-bois com mercadorias para a cidade – arroz, feijão, farinha, tapioca, cebola, alho, toucinho e linguiça, era tudo descarregado no depósito de Sinval Nunes, no outro lado do rio, e transportado depois em canoas para a sua casa.
Do primeiro casamento, veio-lhe Mariinha. Do casamento com dr. Ferreira, os filhos Newton (advogado em Januária), Émerson (falecido aos 10 meses), Hamílton (falecido aos 11 meses), Wilson (advogado, falecido), Edna, drª. Clio-Nícia, Neide e dr. Marco Aurélio. Lembra dona Luzia que, por ocasião da doença dos filhos que perdeu, teve toda assistência de dr. Oseas Pimenta, médico da época. Não havia hospital na cidade, ele atendia num pequeno consultório e nas casas. Os medicamentos não tinham a eficácia como osde hoje e,  por isso, o médico tinha que fazer milagres. Dr. Oseas foi padrinho de drª. Clio-Nícia.
No princípio, a vida era difícil para Dona Luzia e para os filhos. Eles ficavam na cidade durante a semana, para poder frequentar a escola, e nos finais de semana iam com dr.Ferreira para a fazenda – a cavalo ou a pé, pois naquele tempo não tinha automóvel. O que ela não descuidava era da boa educação e formação dos filhos. Durante cinquenta anos, dona Luzia manteve o fornecimento de leite a granel, o que era feito na casinha ao lado de sua residência – quantos são-franciscanos foram seu fregueses.
As festas de São Francisco sempre foram muito boas, principalmente na Associação Amigos do São Francisco. Ao lado de dr. Ferreira, ela sempre se fazia presente, acompanhando as filhas que gostavam de se divertir e não perdiam uma festa.
Hoje aos 83 anos, dona Luzia leva uma vida reclusa. Desde a morte do companheiro, não mais saiu de casa. Fica a cuidar das plantas e da cozinha, prepara a alimentação dos filhos, e,de quando em quando, ainda faz pratos para festas beneficentes a pedido deles. Altiva, com um semblante sereno e muito lúcida, ela mantém por horas um diálogo com seus visitantes, só não mais prolongando porque precisa dar assistência na cozinha, o que lembrou com muita educação.
A vida de dona Luzia é um capítulo muito representativo na história de São Francisco. Esposa e a mãe segura, que acompanhou dr. Ferreira ao longo de sua formidável vida de bacharel, professor e político. Segundo ela, o marido veio para a cidade a convite de políticos da época, para advogar. Acabou se integrando à vida de São Francisco como um verdadeiro filho da terra, aqui fincando profundamente as suas raízes. Foi um cidadão ilustre e partícipe da vida jurídica, social e política da comunidade, vivendo intensamente todos os momentos, alegres e cruciantes, marcando sua passagem como um expoente cultural e com passagens históricas numa época em que falava mais alto a intolerância.
João Naves de Melo

MÁRIO TORRES


Paulo Gonçalves Pereira
Em 31/julho/2015, faleceu, em São Romão, MÁRIO TORRES, um de seus filhos mais queridos e ilustres.  Só tenho boas lembranças dele.
Para mim, MÁRIO TORRES não foi apenas o dedicado regente da banda de música Sete de Setembro, à qual ele se entregava com amor. Ele foi, antes de tudo, um genuíno são-romanense, totalmente identificado com a cidade, suas praças e ruas, seu povo, sua cultura, costumes e tradições.
Em 1976, eu me encontrava em Imperatriz, Maranhão, chefiando uma equipe de técnicos canadenses em pesquisas geofísicas visando a descoberta de minerais radioativos na região. Foi ali que me encontrei com MÁRIO, que há muito tempo não via. No saguão do Hotel Anápolis, ele escutou alguém, cuja voz lhe pareceu familiar, falando em inglês com uns gringos. Por curiosidade, aproximou-se… e me viu.
Naquele casual encontro, ele me relatou que estava trabalhando como representante comercial de uma loja de sapatos, que as vendas estavam muito fracas e que havia decidido voltar para junto da família, só não o tendo ainda feito porque estava devendo à pensão onde estava hospedado. Também, não tinha dinheiro para as passagens de volta para São Romão. Naquele momento, vi-me diante de um MÁRIO batalhador, buscando ganhar dinheiro, longe de sua terra. Em vista da amizade de nossas famílias e da nossa própria, sugeri-lhe receber de mim uma quantia em dinheiro, com a qual pudesse liquidar seu débito na pensão, bem como adquirir as passagens de ônibus até São Romão. Disse-lhe ainda que não se preocupasse em me devolver aquele dinheiro.
No ano seguinte, antes de eu viajar para o Canadá, onde faria um curso de especialização em geofísica, fui passar uns dias em São Romão. Tão logo soube que eu estava na cidade, MÁRIO foi me procurar, portando um talão de cheques no bolso da camisa.
O meu aniversário de 60 anos, resolvi comemorá-lo em São Romão. Perguntei ao MÁRIO se ele e sua banda podiam fazer uma alvorada para mim. Ele me disse que teria dificuldades em reunir toda a banda, pois meu pedido não estava incluído em sua programação oficial. No entanto, prometeu-me juntar uns dez músicos. Combinamos que a alvorada teria início, às cinco horas da madrugada, com saída do pátio da igreja de N. S. d’Abadia, seguindo pela rua onde nasci e vivi minha infância, passagem pelo Hotel São Geraldo, onde estavam hospedados alguns de meus convidados, e término no asilo da cidade, na época dirigido por dona Cleusa. Na padaria defronte à estação rodoviária, haveria uma parada técnica para descanso, comes e bebes e mais foguetório. Anteriormente, eu havia combinado com dona Arlete para servir aos músicos e meus convidados, o que eles pedissem: sanduíches, café e quaisquer outras bebidas. Ao final da alvorada, dei uma quantia em dinheiro para MÁRIO, dizendo-lhe ser aquilo uma gratificação para ele e os músicos. Ele recusou sua gratificação e disse-me que aquela quantia seria toda dividida entre os rapazes da banda.
Recentemente, sempre que eu ia a São Romão, costumava ver MÁRIO pedalando ou empurrando sua inseparável bicicleta. Então, eu me dirigia a ele, e ficávamos conversando.
Um dia, alguém escreverá a biografia dos filhos ilustres de São Romão, e colocará a de MÁRIO em destaque na galeria da Biblioteca Pública Municipal e na página da Internet da Secretaria de Turismo e Cultura da cidade de São Romão.
Na História de São Romão, o nome de MÁRIO TORRES já está gravado na galeria de seus filhos ilustres, ao lado dos nomes de Frei Pedro Caxito, o são-romanense que mais fez história fora das fronteiras da cidade, João Torres e Orgalinda, pais de MÁRIO, Ataene César e Maria José, Antônio Balbino, DIOMEDES, Henrique Meireles, Américo Bezerra, Souzinha, Manoel Simões e Mariquinha, Manoel Salgado, Raul Caetano, Zezé Pereira e Misu, Edmundo Torres e Esthercina, e QUINCAS CAXITO, dentre outros.
MÁRIO TORRES foi um homem bom, por isto, quando nos deixou, há uma semana, certamente ouviu Jesus chamá-lo de “bendito do meu Pai” e convidá-lo para “tomar posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo”.
Rio de Janeiro, 07 de agosto de 2015.”

sábado, 19 de maio de 2018

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

XXXVIII – Parte
OS EDUCADORES – FINAL (Continuação)


Encerrando a primeira parte de meus apontamentos sobre as Escolas Caio Martins – apontamentos para a construção de um livro já em elaboração – publico uma carta que guardo como um verdadeiro tesouro. Tesouro para demonstrar, mais uma vez, como funcionava o sistema educacional das Escolas Caio Martins – a filosofia do amor. Éramos, os alunos, tratados como filhos pela grande família de servidores/educadores, em todos os núcleos. Uma carta especial porque foi para cumprimentar-me por meu aniversário – carta de dona Maria Célia que, no mês anterior também aniversariara, razão pela qual eu a escrevi festejando. Não é uma simples carta. É uma página de amor de mãe estendendo um olhar e uma atenção especial ao filho, querendo-o feliz na vida. A atenção continuou e, em meu coração continua até hoje, embora ela tenha se encantado – encantada mais sempre presente em nosso coração.
Um exemplo para estes tempos de tantos desencantos, sobretudo no campo da educação e de políticos e empresários corruptos solapando as riquezas da Pátria.
“Belo Horizonte, 19 de maio de 1975
Meu caro João Naves,
São quanto, mesmo, os motivos que me colocam agora diante de uma folha de papel, resolvida a escrever-lhe? São muitos e variados: motivos antigos, motivos de vinte anos, motivos eternos, motivos recentes… Fiquemos com estes: o primeiro deles – responder à bela carta que me enviou por ocasião de meu aniversário.
Você nem pode avaliar o quanto me senti feliz ao ler aquelas duas páginas maravilhosas.
Que Deus o abençoe, meu filho, pela generosidade imensa de seu coração, pela bondade ilimitada, pela fé grandiosa, pelas obras magníficas a que se entrega com tanto amor. Estou encantada e orgulhosa de você, embora sabendo que é muito generoso de sua parte afirmar que sua vida é “um roteiro copiado” do que mostrei com meu ensinamento. A verdade, filho, é que você está fazendo muito mais, muito mais mesmo do que eu pude fazer em nosso tempo de Escola. Você tem sido extraordinário. Quem me dera poder assistir suas aulas de religião aí no normal.
O outro motivo desta carta – a passagem de seu aniversário no princípio deste mês. Não vou dizer-lhe que “neste dia eu rezei por você” porque isto eu o faço diariamente: em minha prece de cada anoitecer seu nome é mencionado infalivelmente, porque quero sabê-lo sempre feliz e é a Deus que tenho de rogar sua proteção. Também eu penso como Exupery – jamais olvidamos aqueles que um dia nos cativaram.
Em nosso Curso Normal, se tive oportunidade de dar muito de mim, tive também a alegria de ver retribuída a estima que eu dava a vocês.
Lembro-me sempre: você, chegando à janela de meu quarto, lá naquele alpendre de nosso casarão, com uma florinha azul que colhera no bosque, estendendo-a para mim, com um sorriso: “É um presente de homem do campo…” Que bom que estes momentos grandiosos possam ficar para sempre com a gente, não é? Este foi um momento bom, que guardei para mim, que ninguém vai tomar-me, é meu, está sempre comigo. Graças a você, filho. E quantos são os momentos bons, cuja lembrança constitui o meu tesouro, bem guardado no fundo do coração?
Agora, manda-me você esta carta maravilhosa que eu leio e releio, vejo que estou colocada mais alto do que mereço, mas fico feliz, por tudo.
Continuarei sempre a pensar em você e a repetir seu nome nos meus momentos de prece. E Deus há de me ouvir e há de sempre iluminar seu caminho, dando-lhe muita felicidade ao lado da Vilma e de seus filhinhos. Abrace todos por mim. Para você, aqui fica meu abraço amigo e uma benção, de coração.
Maria Célia”.
João Naves de Melo

UMA VIAGEM A SÃO ROMÃO

Recentemente tive o prazer e alegria de ler dois livros do são-romanense Paulo Gonçalves Pereira – Toda a Ternura de um Homem e Toda a Ternura de um Pai. A respeito do segundo, escrevi alguns comentários porque, em suas linhas, o relatado pelo Paulo levou-me a uma viagem a São Romão da minha juventude. Da carta que enviei ao Paulo, extrai o texto abaixo para publicar no PortalVeredas e em meu blog como, também, uma homenagem à querida São Romão.
Caro Paulo,
Acabei de saborear o seu belo livro Toda a Ternura de um Pai, ao qual pela beleza de um sentimento filial e familiar, acrescento a Ternura de uma Mãe. Uma história fantástica de Zezé e Misu, um exemplo de vida, de amor e desprendimento, coisa um pouco rara no mundo atual.
O livro teve, para mim, além da belíssima história central – seus pais – a oportunidade de reviver meus dias e amizades criadas em São Romão. Numa e outra página, eu me via pelas ruas da bucólica cidade que aprendi amar – o meu primeiro contato com as barrancas do São Francisco, primeiro através da Conceição e, depois, de São Francisco.
Comento, com sua licença, por ter gostado e me identificado, algumas passagens:
Página 33: “Em São Romão, ninguém passa fome”. A descrição da vida naquele tempo é perfeita. No meu livro Do Cerrado às Barrancas do Rio São Francisco (Dos tempos idos & das mudanças) também fiz menção a esse fato. Ao homem que vivia no meio rural nada faltava. Da cidade, no muito, precisava do sal, querosene (quando não produzia o óleo da mamona para alimentar as candeias) e o Veramon. Sua vida, na cidade, pelo êxodo forçado, se transformou num desastre, levando muitos deles até mesmo à perda da dignidade, tendo que viver de auxílios de terceiros, enquanto assistem suas filhas se prostituindo e os filhos nos descaminhos.
As caçadas e a pescaria de seu pai é outra passagem interessante. A vida de mais tempo era mais frugal, simples e feliz. Boas caçadas (quando tomava conhecimento da vida silvestre, aprendendo muito da flora e da fauna) e boas pescarias, quando córregos e rios eram bastantes piscosos. Hoje ficam na lembrança.
Zezinho Cearense: Eu conheci Zezinho Cearense na Conceição. Não sabia da origem de sua família. Gente muito boa e disposta para o trabalho – ele e os meninos – Juarez, Joabes, Chico, Ivone e menina Geraldina, de singular beleza. Foram contratados para construir um “rego” para captação de água da cachoeira do Conceiçãozinho (córrego que vinha dos gerais) para abastecer o Núcleo. Uma obra ousada para aquele tempo, pois o rego vinha rasgando a serra da Conceição pelo meio, e na passagem das grotas empregava-se a alvenaria com cimento para fazer um duto em bases de pranchões de aroeiras cobrindo os vãos. A primeira providência do Zezinho, quando chegou ao Núcleo foi levantar uma casa para abrigar sua família e o ponto escolhido foi exatamente sobre as ruinas do casarão de Joaquina, quando nas escavações deram com algumas moedas antigas – não identificadas. Pensou-se, logo, e espalhou-se: era sinal do tesouro de Joaquina, o que me inspirou a escrever o romance Joaquina uma lenda urucuiana. Numa oportunidade, mas tarde, em uma de nossas viagens a São Romão, na volta, por imprudência do motorista do caminhão, ficamos sem gasolina. A sorte é que estávamos na altura do Riacho do Mato e sabíamos que para lá o Zezinho tinha se mudado com a família. Fomos a sua procura e ele nos recebeu, deu pouso e alimentos. A fazenda de Zezinho (com outro nome do proprietário) está nas páginas do livro Joaquina – Fim e um sonho.
SÃO ROMÃO
São Romão dos Torres. Em nossas visitas a São Romão, geralmente no feriado do Carnaval, sempre havia baile nas casas de amigos e no Riacho. Uma das casas era a do João Torres – outro Torres com quem também fizemos amizade era o Edmundo. A nossa turma (Bandeirantes) fez grande amizade com os Torres Mário (que chegou a jogar no nosso time de futebol na Conceição) e Gilson, que gostava muito de tocar violão e cantar. Boas lembranças.
OS CAXITOS: que gente boa. Dona Ascenção uma grande mulher. Nos meus arroubos de juventude (assim como você narra em seu livro), eu e Chico tomávamos conta da venda/bar do Didito (filho dela). Lá pras tantas, já bem trolado, sem poder andar em busca do hotel do seu Eustáquio, a generosidade de dona Ascenção me acolhia. E qual quarto me ofereciam (meu, Deus!): a do Frei Pedro.
Américo Bezerra. Não me fiz muito próximo dele, mas tive a graça de conhecer a sua filha Shirley, amiga da Penha, companheira das idas ao Riacho.
Grupo Escolar Afonso Arinos: por duas vezes estive em suas dependências, na época de eleição. Eu era eleitor da Comarca de São Romão. Episódio: Zé da Palma me lançou candidato a vereador, sem me consultar. Não pedi votos a ninguém. Pelo contrário, no dia da votação, fiquei sabendo do sonho de um amigo trombonista da banda dos Bispos (não me lembro do nome dele). Seu sonho era ser vereador. Não tive dúvida, votei nele. É claro que perdi, não fui eleito (ou ganhei).
Os passeios ao Riachinho eram das melhores coisas em nosso entretenimento. Havia lá, na época, um pequeno rancho. Na sala, um cupim no meio (estranho), era nossa pista de dança, tudo animado por sanfoneiro. Depois o banho nas fantásticas águas, tão puras, da vereda.
Não me lembro da igrejinha de Santa Terezinha que é retratada em seu livro numa passagem de intensa emoção, vivida tanto por Zezé quanto por Misu. Confesso, fui às lágrimas diante da grande dor de Zezé com a perda do filho amado Pedrinho.
Na segunda parte da carta fugi até Pirapora onde também tem passagens do livro e, por fim, voltei à Conceição (município de São Romão, onde vivi 3 anos).
RUA TRADICIONAL
Texto e Fotos: João Naves de Melo

sábado, 12 de maio de 2018

TEREZINHA RIBAS – 90 ANOS

Na manhã da sexta-feira 11 Terezinha Ribas recebeu familiares e amigos em sua residência, com o café da manhã, para celebrar os seus 90 anos de existência. Um ambiente muito agradável, festivo, em que todos alegremente se confraternizaram com a anfitriã. Além de conversas amigas e descontraídas, teve apresentação especial da Seresta de São Francisco, da qual Terezinha faz parte com a sua belíssima voz.
O Portal registra tão saudável efeméride reproduzindo uma entrevista de Terezinha concedida ao jornal O Barranqueiro, por volta de 2004.
No imenso casarão, erguido na década de 20, na praça Centenário, acompanhando o crescer de dois netos, encontramos a professora Terezinha Ribas Novi, da cepa de uma das mais tradicionais famílias de São Francisco, Ribas.
Terezinha nasceu no dia 11 de maio de 1928, na mesma casa onde vive até hoje. Ela é filha de Agabo Ribas e Josefa de Oliveira Ribas, também nascidos em São Francisco. Agabo era comerciante e, por não ter se envolvido com política (o que não gostava, como observa Terezinha) pôde atravessar os anos turbulentos do famigerado Barulho que levou seu irmão Sancho Ribas asilar-se em Pirapora para nunca mais voltar a São Francisco. O comércio era estabelecido na frente da casa, onde hoje funcionam a Papelaria São Francisco e a Polli Rob; do lado, na mesma casa, funcionava o escritório dele, que representava o Banco do Comércio e Indústria no município que não tinha, ainda, uma agência bancária. Um detalhe sobre a bela casa: a frente dela foi construída pelo mestre Garibaldi, contratado pelo prefeito Oscar Caetano Gomes para construir o prédio do primeiro grupo escolar de São Francisco. Na antiga praça, XV de Novembro, muito bonita, com seu vistoso jardim, destacavam as casas de Francisco Mendonça (Floriano), a do Agabo, Raul Coutinho, Odilon, Oscar Caetano Gomes e a Aliança (antes uma pensão).
Agabo e dona Josefa tiveram outros filhos, além de Terezinha: José, Maria, Valdemar, Edmar, Antônio, Manoel, Mamede e Henrique.
Terezinha fez o curso primário no Grupo Escolar Coelho Neto, tendo como professoras Hilda Pinto e Alzira Coutinho. Fez, depois, o ginasial e normal no Colégio Imaculada da Conceição, em Montes Claros, formando-se em 1946, voltando para São Francisco, onde começou sua carreira de professora no Coelho Neto, como substituta. Anos depois fez um curso de especialização em Educação Física e artes, no Instituto de Educação, Belo Horizonte, com a duração de um ano e com isso, em 1951 foi nomeada professora no mesmo Coelho Neto. Com a fundação do ginásio (hoje EEDAM, pelo professor Arnaldo) foi professora, desde o curso de admissão. Permaneceu no Coelho Neto e no ginásio, como professora de Educação Física e de Educação Artística (desenho), até se aposentar em 1984. Foi, por um período de dois anos, inspetora escolar e trabalhou, também por um período, como professora do Colégio Normal anexo à EEDAM.
Como professora de Educação Física e de Educação Artística, Terezinha fez história, ganhou centenas de admiradores e era adorada pelos alunos. Ainda hoje falam sobre suas aulas, como era criativa e como conseguia motivar os alunos, levando-se a fazer demonstrações em praça pública (no coreto, como disse a professora Natália em seu depoimento), nos eventos cívicos, desfiles e nos salões. Terezinha lembra que o diretor do ginásio a incentiva muito no trabalho, pois ele gostava muito do que se fazia – dr. Oscar. Diz ela que a metodologia que adotava, além de ser interessante e bonita, motivava e estimulava muito aos alunos, pois seu trabalho era levado ao público sempre que tinha oportunidade.
Uma lembrança que Terezinha guarda com muito carinho foi a presença de Ana Ribeiro (Aninha) em sua vida. Ela tinha dois anos quando perdeu a mãe. Antes, quando ela adoecera, mudou uns tempos para Pirapora em companhia do pai e de Henrique, ainda pequenos. Na casa ficou sua madrinha, tomando conta, depois chegou Aninha, ainda moça. Dona Josefa faleceu com 38 anos e Terezinha tinha apenas 2 anos, então, por sua sorte, Aninha se afeiçoou a ela e se transformou em sua segunda mãe, acompanhando-a até seu falecimento de 16.8.94. Terezinha nada fazia sem consultá-la.
Terezinha, além de se destacar como professora de Educação Física, sempre inovando, e como professora de Educação Artística, uma grande desenhista, teve, também, uma passagem pela música. Estudou bandolim com a mestra Aurora Calado, esposa de Faustino, um excelente músico, Estudou, depois, na escola de música de dona Vírginia, porém não chegou fazer parte da Orquestra Santa Cecília.
Como criança Terezinha participou de muitas festas na Associação dos Amigos de São Francisco – os bailados, muito comuns, danças e cantos. Ainda hoje ela sofeja a primeira música que cantou, ensaiada por dona Virgínia e lembra, também, que era a “ídola” da mestra, sobretudo para os cantos solo. Lembra dos bailes. Eram muito respeitosos. Na Associação tinha um bar onde os rapazes se reuniam, muitas vezes para tomar café. Aristomil, Leonides, Brasileiro e Henrique criaram o Café 4 Efes: frio, fraco, com formiga no fundo.
Era uma época muito bonita e animada, comserestas e a banda de música fazendo retretas no coreto da praça.
O tempo passou. Em 1961, 23 de dezembro, Terezinha casou-se com um italiano, Ângelo Novi, nascendo desse casamento os filhos Giovanni Ágabo, casado com Cláudia, com quem teve os filhos Ana Tereza, Marcos Antônio, Giovanni Filho e Mateus; Leonardo, casado com Danielle, com teve uma filha, Maria Elenae Alexandre, casado com Maria de Fátima, com quem teve os filhos Priscila e Alexandre e com Albanísia com quem teve os filhos Ângelo, Felipe e Ludimila.
Agabinho é professor – foi diretor da unidade da Fundação Educacional Caio Martins de São Francisco; Alexandre está morando com o pai, na fazenda Brejo da Saudade e Leonardo mora na Chapada Gaúcha. Ele herdou os traços artísticos da mãe e tem pintado belíssimas telas que ornamenta as paredes do casarão. Um dos quadros, focalizada na fotografia da edição passada, ele prestou uma homenagem ao avô, Agabo Ribas exercendo o ofício de sapateiro. Terezinha conta que, antigamente, os pais colocavam os filhos, muito cedo, para aprender uma profissão. Assim, o Agabo antes de se fazer comerciante e representante de banco, era sapateiro – o quadro é excepcional, quase um retrato; Sancho, irmão de Agabo foi funileiro, antes de se transformar em comerciante e um dos principais políticos da velha São Francisco.
Um fato pitoresco, registrando, ao mesmo tempo, duas histórias. Preocupada com o parto de Alexandre, diante da falta de recursos de São Francisco, Terezinha planejou tê-lo em Belo Horizonte e já preparava as malas quando soube de uma notícia, no mínimo inusitada:numa viagem de trem, para Belo Horizonte, onde faria o parto do terceiro filho (Leonardo) porque enfrentara problemas sérios nos partos anteriores (Ricardo e Eduardo), sua amiga Vilma (João Naves) acabaram tendo o filho no trem, chegando em Curvelo. O parteiro? João Naves. Foi o bastante para ela desistir do projeto. Teve o Alexandre em São Francisco e tudo correu bem.
Por fim, um registro que se faz necessário: Terezinha foi uma das fundadoras da Seresta São Francisco. Antes da formação desse famoso grupo, ela cantava num coral do grupo Coelho Neto, organizado para se apresentar nas casas, angariando recursos para a escola. Na seresta as atuações de Terezinha são destacadas, sobretudo nos solos da maravilhosa Ave Maria com seu canto inconfundível, no solo. Impressiona a doçura de sua voz, a afinação e como permeava pelos agudos com a facilidade de um oboé.
Uma missão que Terezinha vem cumprindo há muito tempo, com a maior dedicação e alegria é a de servir como Ministra da Eucaristia da Matriz de São José.
Esse foi um pequeno apanhado da história da grande mestra e artista.
JNM

TOMI 90 ANOS

É uma graça chegar aos 90 anos com saúde e lucidez. Mais ainda é poder somar, na contagem desses anos, tantas realizações e, sobretudo, angariando um sem número de amigos, o respeito e a simpatia da comunidade. É que temos em Aristomil Gonçalves Mendonça, o Tomi.
Tomi é parte da história de São Francisco – de família –e por si próprio. Serviu parte de sua vida ao judiciário, sempre prestativo, alegre e comunicativo. Aposentado foi cuidar da fazenda Brandão – Barandão, como gosta de dizer – um sítio agradável às margens do rio São Francisco e na borda de uma vigorosa mata. No seu caminhar, talvez lembrando a trajetória do pai, Francisco Mendonça, dos primeiros prefeito de São Francisco, ele, por consenso, foi eleito prefeito de São Francisco (1967). À falta de recursos na época, com muita aplicação, realização obras importantes para São Francisco – construção do mercado municipal, pavimentação da principal avenida da cidade (Presidente Juscelino) e outras ruas; abriu estradas e construiu pontes (a mais célebre a sobre o ribeirão de Areia ligando (à época) o município de São Francisco a Arinos, caminho de Brasília-DF. Foi um período de muita paz em São Francisco.
Na vida social, Aristomil esteve à frente da saudosa Associação dos Amigos de São Francisco e na direção do pequeno e fantástico jornal SF – O Jornal de São Francisco. Sua grande realização no entanto se deu no campo da fraternidade – foi o fundador da Loja Maçônica Acácia Sanfranciscana. Como maçom ganhou o respeito e admiração em todo o Norte de Minas e até além.
Aristomil foi casado com dona Gercina, a sua grande companheira cujo falecimento muito o abalou. Formaram, os dois, um casal admirado e amado, não só pela simpatia, mas pelo envolvimento em causas sociais. Do casamento eles tiveram os filhos Zito, Adalgisa, Maria Emília e Marta – uma grande família.
Tão bem vividos anos, Tomi – um cidadão que faz história em São Francisco.
Em tempo: a idade não dobrou Tomi. Continua ativo e marca presença, efetiva, em todas as reuniões da Loja Maçônica como um dos pilares da instituição, que além de fundador já foi venerável e deputado.

CANTINHO DA POESIA

RÉQUIEM AO AMOR

O amor sucumbe-se ferido pela incerteza.
Morre, mas o sonho vive como sua semente.
Não há canto de dor em suas exéquias,
pois dele sempre restará a saudade.
No mundo abissal
a vida pode ser retificada
como o fruto que se desmancha
para libertar a semente;
se vais agora à escuridão
serás luz, pois tens memória.
Tu estiveste nas estrelas trêmulas
e no espelho da lua cheia;
tu brotaste na fonte da vereda
e escorreste entre pedras, nos regatos;
tu foste seixos nos rios,
em busca de teu mar;
Tu foste acordes de sinfonias,
libertando as asas da alma.
Agora visitas a terra,
mas será por um instante;
breve ressurgirás no brilho das estrelas,
pois criastes sonhos.
Não te culpes,
nem deixes que te assome a mágoa;
curva-te, antes aos desígnios,
se buscaste abrir uma porta
– a porta mais querida e sonhada –
e não foste realizado.
O imponderável foge à tua luz.
Contenta-te, porém.
foste fonte de sonhos,
alimento de muita alegria.
Não te encerres na tristeza,
pois levas contigo a saudade.
Viveste, muito viveste.
Agora, desça ao abismo,
prepare teu renascer, tua viagem às estrelas.
É retificando que encontras o caminho,
a luz revigorante. Iluminati.
Descanse em paz. Amém!
João Naves de Melo

sábado, 5 de maio de 2018

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE



XXXVII – Parte
OS EDUCADORES – FINAL
PROFESSORA MARIA CÉLIA SANTOS, dos educadores da Escola Caio Martins, foi a que mais marcou a minha vida e, certamente, de muitos de meus colegas. Com ela fecho o registro em que evoco o quadro imorredouro de tantas pessoas que se destacaram no campo educacional das Escola Caio Martins de Esmeraldas, que com sua ação, exemplo e vida, moldaram o caráter de tantos jovens, direcionando-os  como cidadãos cônscios de seus deveres para o enfrentamento da vida a serviço da sociedade e da pátria.
Dona Maria era a diretora do curso normal. Atuava também como professora de Pedagogia e Religião. A sua voz mansa, sua enorme capacidade e o modo de se dirigir aos alunos, tornavam suas aulas agradáveis, que como um toque de magia penetravam em nossas mentes e ali ficavam plantadas.
Além de diretora e professora ela se fazia mais presente ainda em nossa vida nos assistindo primeiro na República que ficava ao lado de sua casa e, depois, no artesanato, com um grupo bem maior de alunos. O Artesanato (ganhou esse nome porque deveria ser um espaço para o desenvolvimento de atividades artesanais, mas que acabou se transformando em moradia de alunos) foi construído no topo de um dos pontos elevados da topografia da Escola, à entrada de um belo bosque, que segue no plano em uma direção e, noutra, cai em declive rumo ao córrego que escorre de uma lagoa, na parte central da escola, em busca do rio Paraopeba. O prédio tem uma arquitetura interessante, de acordo com o terreno. No piso, apenas em uma parte, encravada no barranco, de um extremo a outro, pelo fundo, foram construídos quartos, banheiro e cozinha, com uma larga e comprida varanda, onde se instalavam dona Maria e sua família. Pelo interior, uma larga escada de acesso  ao pavimento superior composto por uma imensa sala (onde eram realizadas as reuniões do grêmio e exibidas peças do teatro da Cia Melo) e diversos quartos, alojamento dos alunos. Também nesse pavimento circulava uma bela varanda que dá vistas para parte baixa da Escola. O Artesanato abrigava a maior parte dos alunos do 1º ao 4º do curso normal. Portanto, uma diversidade muito grande de temperamentos. Eram alunos oriundos de diversas regiões do Estado, com costumes e modos de vida diferentes. Harmonizar a convivência desse pessoal, no rebentar de sua juventude, não seria tarefa fácil. Dona Maria o conseguia com serenidade, com imensa sabedoria. Tinha, dos alunos, o maior respeito. Nunca algum deles sequer levantou a voz contra ela ou a desrespeitou. Os atritos que surgiam, de quando em quando, ela contornava com preleções que amainavam os corações, emocionavam e comoviam – bastava o sibilo suave de sua voz para criar o ambiente de paz, de harmonia.
Dona Maria, com o tempo, fez com que a buscássemos como uma mãe. Era isso mesmo o que ela representava: nossa mãe.
Muito aprendemos com ela. Para mim, como educador, seus ensinamentos, seus exemplos, a prática do amor e o modo de se relacionar com alunos, servidores e comunidade, seus ensinamentos baseados na religião, ou seja, no amor pregado por Cristo, nortearam a minha vida. Hoje, orgulho-me da relação que tenho com meus ex-alunos, centenas deles, que quando nos encontramos ou através de outras mensagens, reportam-se aos seus tempos de alunos como uma fase feliz e de grande importância em sua formação. Dona Maria soube – e como soube plantar.
Ela esteve ao lado da primeira turma do curso normal, do primeiro ano até nos entregar ao povo urucuiano, acompanhando-nos na instalação do Núcleo do Urucuia – Escola Caio Martins plantada na antiga fazenda Conceição da famigerada Joaquina. Foi lá, para sua última aula de nossa jornada de vida.
Do Urucuia, sempre que ia a Belo Horizonte, ficava em sua casa na rua Coronel Fulgêncio, 45 (nome do pai dela), bairro São Lucas, no convívio e amizade de seus filhos Nivaldo, Zezé, Roberto, Elcinho, Maria Helena, Isabel e Vanda e de seu esposo sargento Barroso, um grande amigo. Mais tarde, estando em São Francisco, também nas idas a Belo Horizonte, eu a visitava em sua nova morada, em Betim. Além das visitas (bem poucas, infelizmente) eu escrevia algumas cartas para ela dando notícias do meu trabalho que tinha como extensão do trabalho dela. De volta, recebia cartas maravilhosas, verdadeiros tesouros – delas, uma reproduzirei no Portal, para atestar como amorosa era a Mãe Maria Célia. É preciso que se faça um registro, ainda que tão modesto e muito aquém da formidável pessoa que ela foi para que guardemos sempre viva a sua memória tão preciosa.
João Naves de Melo

VOZES DOS CIDADÃOS



OS PEDREIROS – JUCA PEBA

 José Alves de Lima – filho de Antônio José Alves Aranha, baiano do Morro do Pará, e da gorutubana Ana Corsina Lima. Quando o pai dele chegou a São Francisco foi trabalhar com Chico Peba, passando, por isso, a ser conhecido como Juca Peba, apelido que passou para a família. Seu avô materno, gorutubano, lidava com tropas, o que levava a empreender viagens por toda a região. Quando ele chegou a São Francisco, gostou e aqui se estabeleceu.
Juca Peba teve sua iniciação na arte de pedreiro por volta de 1946, como servente, quebrando pedra em frente da Matriz, para a construção do cais. Era uma atividade arriscada, que os marreteiros executavam com graça e atenção, improvisando versos onomatopaicos para dar ritmo ao trabalho. A broca de aço era apontada na pedra; um oficial a empunhava com uma proteção de pano; outro ia jogando água. Em volta, quatro marreteiros iam dando as pancadas, enquanto o cavouqueiro girava a broca, com a música marcando o ritmo e a hora de cada pancada:
“Marreteiro, ô!
Cavouqueiro novo (pancada);
Se não te quebra a perna (pancada);
Ou te quebra o braço (pancada).”
Com o tempo, o mestre Berto o elevou a pedreiro. Os empreiteiros da obra eram Dr. Vicente e Aleto Pitanga, nortistas que dividiam o tempo entre São Francisco e Januária, fiscalizando as obras.
São Francisco era uma coisinha – diz Juca Peba. “Assim, cada construção levantada era uma novidade e a gente via a cidade crescendo aos poucos. Lembro bem da construção de uma casa que fiz para o padre Guerino, um sítio que fica hoje na Caio Martins (o local ainda é conhecido como Sítio). O padre Guerino era muito trabalhador, ele tocava uma roça no local. Carregava madeira, fazia cercas e tinha uma força danada. A gente penava para carregar as toras com ele. Depois do cais, fui trabalhar na construção do hospital. Mestre Bento era o encarregado. Depois fui trabalhar uns tempos em São Paulo. Voltando para São Francisco, fiz mais umas obras: as casas de Dr. Raimundo, Floriano Mendonça, Igreja Nossa Senhora do Carmo, Centro Cultural e muitas outras. Trabalhei na reforma da Matriz. Um dia eu estava no alto, preparando a base para receber a armação de novo telhado (estrutura metálica); eu ficava em pé, orientando o corte na parede, que tinha uma grossura de setenta centímetros. O padre Vicente viu aquilo e ficou bravo comigo. Não queria saber daquelas estripulias. Daí pra frente tive que trabalhar com todo cuidado.”
Juca Peba sofreu um acidente, quebrando a perna. Foi se cuidar em Montes Claros. No hospital, viu um quadro na parede descrevendo o trabalho dos vicentinos. “Aqueles dizeres me inspiraram. Quando voltei para São Francisco, já curado, entrei para a confraria e até hoje me dedico aos serviços da Sociedade São Vicente de Paulo com muita alegria”.
Encerrando a profissão de pedreiro, Juca Peba instalou uma bodega na rua Sancho Ribas, depois se mudou para a Presidente Juscelino, no ponto onde atualmente funciona o bar de Zé Rodolfo e lugar em que morava antes o Juquinha Padre (não era  padre, mas se vestia e agia como tal, porque pertencia a uma irmandade que Juca não sabe dizer qual). No dia 21 de abril de 1960, mudou-se para a casa onde mora até hoje e tem seu comércio – Presidente Juscelino com Odorico Mesquita. Era última casa da avenida Presidente Juscelino. Depois, só mato.
Juca Peba casou-se com Zilda Alves Ferreira (falecida), com quem teve seis filhos – cinco professoras e um motorista, todos muito bem de vida. Tem dezoito netos.
André e Juca Peba representam aqui as figuras dos aprendizes e mestres pedreiros, que vêm de milênios e que são tomadas como paradigmas para embasamentos filosóficos e religiosos, através de sua atividade. As grandes obras, como as pirâmides do Egito, os palácios, como Taj Mahal, a Muralha da China, o templo de Salomão, tantas obras que se transformaram em maravilhas não seriam possíveis sem o compasso, o prumo, o nível e a aplicação dos mestres e o trabalho dos aprendizes. Como também nas simples moradias, onde encontramos a proteção e o conforto, que, além do bem-estar proporcionado, dá ao homem a segurança e auto-afirmação – aí está o trabalho do mestre e do aprendiz.
Mais digno ainda é que na dura lida, sob sol inclemente, se expondo a riscos constantes, sem esmorecimento, eles fizeram desse trabalho, com muita honradez, o seu ganha pão, construindo ao mesmo tempo a sua maior obra: a família. São exemplos para todos, especialmente para a nossa juventude.
João Naves de Melo