quinta-feira, 31 de agosto de 2017

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

IV - Parte

Nesta edição vamos fazer uma abordagem do Centro de Treinamento de Jovens Líderes Rurais de São Francisco – hoje Centro Educacional da FUCAM – no período de 1960 a 1978.
No mês de março de 1960 eu deixei, muito contrariado, o Núcleo do Urucuia, onde coordenava o setor agrícola e, de acordo com a necessidade, servia como motorista do jipe e do caminhão da escola, pois nenhum motorista profissional suportou manter moradia naquele sertão inóspito, com sua família. Tinha mais, de quando em quando eu cumpria missão cadastrando os colonos da imensa fazenda entregue aos cuidados do Núcleo pelo Estado, mais de 12 mil alqueires. Depois dessa atividade continuei viajando pelo sertão de São Romão que, à época, fazia divisa com Goiás, começando pelas barrancas do rio São Francisco. Burros, mulas e cavalos, formavam  o plantel que usei na jornada de cavaleiro pelo sertão, às vezes acompanhado por um guia, às vezes escoteiro. Tomei gosto pelo sertão urucuiano: de vereda a vereda, dos gerais aos vãos, córregos e rios; cachoeiras e boqueirões. Que mundo fantástico.
Por decisão, intransigente, do cel. Almeida, tive que deixar o Urucuia para substituir o cel. Oscar Caetano Gomes na direção do CTJLR de São Francisco. Morri saudades.
Em São Francisco, sem termo de volta, abracei a missão de jovens diretor com apenas 20 anos, tendo alunos mais velhos que eu. Cel. Almeida era mesmo visionário, enxergava longe, acreditava em seus meninos. Organizada a escola aos moldes do que aprendera em Esmeraldas e no Urucuia – com Audálio e João Pitanguy e, em especial, com os urucuianos com sua sabedoria empírica, comecei o trabalho. Foquei primeiramente os funcionários e alunos.  O Centro tinha um corpo de funcionários muito especial e dedicado: João Calonge (serralheiro, motorista, mecânico) e Dona Helena (costureira) como chefe de lar; João Rego (sapateiro e regente do coral que criei) e dona Helena, como chefe de lar; seu Zé Francisco (pedreiro), chefe de lar; Nadir, secretária (servidora da Secretaria de Estado da Agricultura; Zé Domingos, encarregado do corpo de 12 servidores da Secretaria de Estado da Agricultura – do antigo Campo de Sementes. Na área da educação, duas salas – escola combinada, em princípio, com Juracy Sá e Silvano Rodrigues Pereira e, no ano seguinte, mais duas salas com Maria Vilma (com quem me casaria em 61) e Dirceu Lelis de Moura. Para as oficinas chegaram João Canaro, marcenaria, e Raimundo Buzo, construções rurais. Na parte artística, João Canaro cuidava da parte musical (violão) nos grêmios, logo com dois companheiros – Dirceu e Silvano. Na parte agrícola, teve papel destacado o professor Silvano, cuidando da horta e da pomicultura, no que eu ajudava com os enxertos – formamos um grande pomar. A Escola produzia hortaliça em abundância – atendia ao consumo interno, venda na praça, fornecimento para o hospital e lar dos idosos. Da serralheria saíam encomendas e mais encomendas de basculantes e portas – muitas casas da cidade têm sua marca, inclusive o Seminário. Igualmente era a produção da olaria – tijolos e telhas francesas em grande quantidade. Do setor de costura e bordados, anualmente era realizada uma feira para vender os produtos dos trabalhos das alunas – lindas peças. Os trabalhos delas eram bonitos, bem feitos, chamavam a atenção e isso foi atestado pelo padre Francisco, então pároco da Paróquia de São José: em suas viagens de desobrigas pelo meio rural, ele ligava o alto-falante de seu DKV Vemaguete Candango tocando músicas do coral de nossos alunos. Visitando as casas ele dizia saber onde tinha alunas que estudaram na Caio Martins – as mesas e potes forrados com lindas toalhas e guardanapos e tudo muito asseado.
A filosofia de Caio Martins se aplicava: “transformar o meio através da criança”.



Texto e Fotos: João Naves de Melo 



DIA DO FLOCLORE

João Naves de Melo
Dia 22 de agosto – Dia do Folclore. Marcando a data fazemos um registro importante: a contribuição que deu a Escola Caio Martins de São Francisco no registro e divulgação do folclore são-franciscano. Com seu incessante trabalho, a escola deu vida a muitas manifestações que já caiam no esquecimento.
Assim, nesta data, destacamos a importante contribuição dada pelas Escolas Caio Martins à nossa cultura, mostrando e guardando a riqueza do nosso folclore.
Vamos focar um aspecto interessante desenvolvido, com muita graça pelos alunos da escola: a dança de roda.
Por volta da década de 60 ainda eram muito comum em São Francisco as danças de roda. Quando aqui cheguei conheci a Caninha Verde, vinda da região de Serra das Araras. Outras danças foram sendo coletadas entre as meninas do meio rural que vinham estudar na Escola Caio Martins como internas. A cada ano, na chegada de uma nova leva, era comum nos reunirmos no salão com todos os alunos e começar uma rodada de desconcentração: contar casos, falar sobre a história de cada lugar, até chegar à música e, mais propriamente à dança. Devagarinho as meninas ficavam à vontade e, de repente, estavam no meio do salão, em grupo de quatro, oito ou doze, mostrando as danças comuns de sua região. E assim, conhecemos a Caninha Verde, o Tamanduá, Engenho Novo e tantas outras, na maioria de roda, e só com o elemento feminino, o que revela o cuidado que os pais tinham com as suas mocinhas no meio rural não permitindo muita graça com os  homens – dançar baile só mais tarde.
Com o aprendizado, em algumas, danças introduzimos o elemento masculino para as apresentações em público, dando mais graça aos movimentos, como no caso do Engenho Novo que era dançado formando-se duas alas com as trocas feitas dando-se os braços para girar o corpo no meio da ala.
Hoje quase não se vê mais as danças de roda. Felizmente na comunidade de Mocambo surgiu um grupo de mulheres dançadeiras que em parceria com a escola ou a associação, sempre fazem apresentações, inclusive em festivais culturais na cidade, arrebatando o público, quando senhoras de mais de 70 anos arriscam dançar um carneiro, o lundu ou mesmo o tamanduá, numa dinâmica roda.
Outro grupo que vem fazendo o maior sucesso é o das quilombolas de Buriti-do-meio com um repertório muito variado.
Para registro e matar a saudade das letras, seguem algumas canções das mais cantadas e dançadas em São Francisco.

Pot-pourri
No fundo da mata eu vi
Piado de dois mutuns
Piava e redobrava, morenaOi tum, tum, tum ,tum

Debaixo do mandicá
Eu vi dois mutum piar
Piava e redobrava, morena
Oi tum, tum, tum ,tum
Pisei na barata
Pisei no baratão
Você toma o amor dos outros
Mais o meu não toma não
Eu tomo eu tomo
Quero vê você tomá
Pisei na barata
No caroço do juá.
Curimatá, lambari
mandô dizê
Que a piaba tá doente
Com vontade de te vê
Planta mandioca
Pro tatu arrancá – bis
Terreno é duro
Mandioca não dá – bis
A folha do coqueiro
Não balança mais, oi, ai
A moça quando casa
Não namora mais.;
Quem dera eu arranjasse
Uma pena de ariri
Pra mim escrevê umas carta
Pra meninas do Ubai
Quem dera eu arranjasse
Uma pena de urubu
Pra mim escrevê umas cartaPra meninas do Jacu

Rosa Mineira,
Pisa na taboa
Quem tem seu amor bonito
Namorar é coisa boa
Adeus piaba,
Eu não sei nadá
O amor dos outro
Eu só sei tomá
HOMENAGEM
Nesta data rendemos nossas homenagens aos inesquecíveis mestres: Minervino, artesão que ganhou o Brasil com suas violas e rabecas: Nego de Venança, artesão, da viola e rabeca esmerada; Joaquim Goiabeira, artesão das caixas de folião, Adão Barbeiro e João Pomba Triste, foliões famosos que eternizaram nossa cultura.

O PÔR DO MUNDO*

Ricardo Leal de Melo
Era um dia de viagem como outro qualquer, para um passeio de mãos dadas com a amada, já de tantas trilhas e caminhadas pelo curso da vida, quando a tarde caía e íamos nós a caminho do rio, em busca daquele espetáculo gratuito que a natureza diariamente proporciona, sem repetir cenário, quando, ainda pela rua de pedra que perpendicular alcança o caís, vimos majestoso o sol que crescia, dourava, irradiava luzes ofuscantes, matizes dominantes, promessas de calmaria, mas ainda alto, a anunciar que poderíamos manter lenta a nossa marcha, pois tempo havia para que chegássemos ao camarote que a cidade ribeirinha lega ao seus, ricos ou pobres, indistintamente, como se fosse um templo de uma comunhão tão prometida e pouco existente no mundo.
Mas o que eram aqueles riscos, como se fossem raios, que começaram pequenos e foram bem lentamente se multiplicando, intensificando, faiscando na bola de fogo vermelha que descia ao rio?
Nem percebi que fitava aquilo havia algum tempo, quando os coriscos se soltaram da bola de fogo para todos os lados, subindo ao céu, descendo ao rio, tangendo a mata a montante e a jusante, como se no incremento de um espetáculo pirotécnico a inovar o pôr do sol, que disso nem precisava, lindo que sempre foi e surpreendente que sempre se fez. Estanquei a marcha, atônico, indagando à companheira se via aquilo como eu via, mas apenas notei que estava ela muda, alheia a tudo, nem segurava mais a minha mão, mas também parou, como que para me acudir do que pressentiu estar por ocorrer.
Naquele momento que me pareceu eterno, o sol não resistiu a tantos raios que brotavam se suas profundezas, rompendo a sua crosta incandescente, que de enormes rasgos derramou larvas nas águas douradas do rio, até se esvair inteiro, deixando de existir. Antes mesmo de se consumar tal extinção, meus olhos já nada viam, senão luzes paralelas que passavam como que a escanear minha visão, de súbito condenada à escuridão, que no mesmo átimo se confundiu com aquela legada ao mundo no seu fim.
*Uma homenagem ao Dia do Folclore

sábado, 19 de agosto de 2017

22 DE AGOSTO: DIA DO FOLCLORE

João Naves de Melo

Festival Boi-de-Reis de São Francisco

Festival Boi-de-Reis de São Francisco
O município de São Francisco, graças a situação geográfica e de uma interessante mistura étnica composta de nordestinos, na sua maioria, e gente do Sul e do Oeste, na formação de suas raízes, alcançou uma cultura muito rica e diferenciada. Maior manifestação encontra-se no folclore, uma riqueza.

Do Nordeste as belas manifestações das danças: lundu e carneiro; dos autos: boi-de-reis, reis dos temerosos. Do Sul e centro-oeste: terno de folias, pastorinhas, São Gonçalo, dança do quatro e catira, danças de roda. E, de uma região e outra, sedimentados através dos anos, as crendices e lendas; os mitos, o rico artesanato em madeira e tecido.

No correr do ano, mês a mês, São Francisco é palco de uma manifestação folclórica que tem o condão de ligar vidas passadas com o presente guardando a perspectiva futura.

Em suma: São Francisco respira o folclore. Isso se vê palpitando nos lares e nas escolas, felizmente, pois como dizia Alceu Maynard, “mas ama um povo quem ama suas tradições”. Nós amamos.

O DIA DO FOLCLORE


O primeiro registro da palavra se deu no dia 22 de agosto de 1846 em um artigo publicado na revista The Atnenaeum. Ele juntou os termos “folk”“povo”, e “lore”“saber”, para formar a palavra “folklore”, com o significado de saber do povo, ou sabedoria popular.
O Congresso Nacional Brasileiro, oficializou em 1965 que todo dia 22 de agosto seria destinado à comemoração do folclore brasileiro. Foi criado assim o Dia do Folclore Nacional, uma forma de valorizar as histórias e personagens do folclore brasileiro.

FOLCLORE NO DIA A DIA


Além das manifestações já citadas, na área do folclore encontram-se várias outras manifestações, muitas no uso das crianças no dia a dia, as mais diversas – danças, brincadeiras festas. Muitas brincadeiras de infância que a pessoa carrega vida afora, são guardadas por pessoas antigas, como foi registrado no Lar dos Idosos de São Francisco, quando uma senhora, deficiente visual, recitou uma parlenda do seu tempo de criança.

PARLENDA


Hoje é Domingo, Pede cachimbo, O cachimbo é de ouro, Bate no touro, O touro é valente, Bate na gente, A gente é fraco, Caio no buraco, O buraco é fundo, Acabou-se o mundo.

E OUTROS:


Um, dois, feijão com arroz, Três, quatro, feijão no prato, Cinco, seis, falar inglês, Sete, oito, comer biscoito, Nove, dez, comer pasteis.
Uni duni tê, Salamê min guê, Sorvete colorido, O escolhido foi você.

Mindinho, seu vizinho, Pai de todos, Fura bolo, Mata piolho.
Dada Diniz, João Pomba Triste e 

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

 III - parte
Olimpíadas - CI Esmeraldas
 Em ligeira abordagem focamos a instalação das Escolas Caio Martins – Esmeraldas – a sede – Carinhanha, Urucuia, Januária e São Francisco. Uma verdadeira epopeia, revelando o elevado e atirado espírito empreendedor de Manoel Almeida, um homem à frente de seu tempo. Como foi possível nascer, de uma simples emergência ou necessidade, de dar melhor destino a uma fazenda de criação de cavalos –  que já não era mais interessante e tornara-se um empreendimento muito caro –, uma instituição que teria marca indelével no campo da educação no Brasil.

Manoel Almeida, de exemplar e criativo militar, revelou-se um grande educador, um sociólogo, pedagogo, um idealista incansável e plantador de sonhos realizáveis. O seu trabalho, desde os primeiros anos da instituição, revelava uma faceta muito importante de sua personalidade – era um patriota. A respeito, registro o que disse um padre-educador canadense em visita à Escola de Esmeraldas, quando ficou conhecendo o trabalho de Manoel Almeida, isso nos primeiros anos da instituição: “Agora sei qual é o verdadeiro sentido da palavra patriotismo”. Eram inúmeras as caravanas que visitavam aquela unidade a cada fim de semana ou domingo, conversando com imberbes alunos do primeiro Curso Normal Regional, o que se dava, muita vezes, em rodas de conversa no bosque – belo bosque da escola. Comum eram as visitas de Helena Antipoff, uma ardorosa incentivadora do coronel Almeida, Amaral Fontoura, deputados e governantes – Pedro Braga, Arnon de Mello, Juscelino Kubistchek (então governador de Minas), governador Bias Fortes e tantos outros. De uma feita, embevecidos, os alunos ouviram histórias contadas por Malba Tahan, à sombra das árvores do bosque. Fantástico. De cedo os alunos já conviviam – e ouviam – com ilustres figuras do campo da educação e da polícia nacionais, o que não fazendo parte do seu currículo escolar, por simbiose enriqueciam seu conhecimento preparando-os para missões futuras. E isto tornou possível a formação das Bandeiras do Carinhanha e Urucuia, com seus componentes imbuídos de muito ideal e amor à Pátria. E, depois, ainda no primeiro ano do Núcleo Colonial do Carinhanha, no mês de dezembro, seis alunos do Curso Normal Regional de Esmeraldas, quatro deles com menos de 15 anos, foram estagiar e colaborar com os bandeirantes na instalação daquele Núcleo – uma jornada sem igual e impossível nos dias de hoje se considerarmos o ECA.

A Escola Caio Martins alçou altos voos e foi se assentar nas barrancas do São Francisco e vales do Carinhanha e o Urucuia e lá, mais do que  cumprir sua sacrossanta missão no campo da educação, plantou nova civilização que teve forte marco no processo de conter o êxodo rural para as grandes cidades e de assistir uma gente esquecida.

Juvenília
O Núcleo do Carinhanha transformou-se na formosa e progressista cidade de Juvenília (cidade dos jovens, como batizada foi por Antônio Montalvão, fundador da cidade extremo de Minas com Bahia, Montalvânia), cumprindo-se o que vaticinara  o jornalista Waldemar Malburguer de Oliveira, diretor da revista Minas Magazine, em mensagem aos jovens bandeirantes: “...E se resistires a tudo e, amanhã transformardes  aquelas quase selvas num aglomerado humano e, quem sabe, mesmo numa cidade diferente, marcando uma civilização espiritual nova  para combater a desordem moral que se alastra, cheia de homens  com uma consciência sólida, sãos de corpo e espírito, transbordantes de amor pelo próximo...”

Vila Conceição
Nas margens do ribeirão da Conceição, floresceu uma bela e próspera vila, plantando a civilização, uma nova civilização nas ruinas da fazenda de dona Joaquina. Do Núcleo, hoje, destaca-se a bela e importante vila Conceição, distrito de Riachinho-MG.

VOZES DOS CIDADÃOS


O Blog inicia nesta edição uma série de publicações de entrevistas com cidadãos – são-franciscanos de nascimento e de adoção – que viveram importantes momentos da história de São Francisco. Foram entrevistas colhidas ao longo de muitos anos – publicadas a partir de 1997 no jornal Nosso Tempo e depois no jornal O Barranqueiro. Neste trabalho de pesquisa contamos com a colaboração de Elmiro Ribeiro Júnior que tem vivo interesse pela história de São Francisco – ele agendava as entrevistas adredemente.

Grande parte dos entrevistados já nos deixou. Restaram suas lembranças, o que viveram. Não alteramos nada do que nos foi dito e nem procuramos estabelecer relações históricas visando corrigir ou adequar informações. O que se tem nestas entrevistas é exatamente como foi vivido por cada personagem desta história, cada um no seu ramo, no seu campo, na sua importância.

ADÃO BARBEIRO

Adão Fernandes de Souza, mais conhecido com Adão Barbeiro, é uma figura ímpar em nossa comunidade. Como o seu amigo de profissão, Gino (Higino Antônio), ele dividia o ofício de barbeiro com uma grande paixão: o rio São Francisco, onde sempre  foi considerado grande pescador. Mas o rio já não está mais para peixe  e, é claro, muito menos para pescador. Assim, como barbeiro, Adão é o último de um grupo tradicional, que fez história em São Francisco: Gino (falecido no dia 24), Agapito Peba (seu mestre) e Manezinho, falecidos há mais tempo.

            Desde 1959, ele estabeleceu seu ponto na rua Silva Jardim, nº 534, um salão modesto, cercado de espelhos, tralha de pescador e instrumental folclórico: cacetes (para a dança do grupo de Reis dos Temerosos ou Reis dos Cacetes), violão caixas, pandeiros e reco-recos. Ali, entre uma tesourada e outra, ele vai contando histórias – rola a vida de São Francisco, passagens interessantes de pescarias e a sua última e grande paixão: o folclore. E esta paixão começou quando ele, que gostava muito de baile, viu que as danças tradicionais estavam ficando muito perigosas. E ele conta: “Óia, dançá era bom, pois tava sempre perto das mocinha. Mas com aquele negócio de passá taboca, as muié deixavam muitos homem arretado e a coisa sempre acabava em tapa, facada e já até fiquei sabeno de homem correno atrás de moça dando tiro. Gostei não e preferi o folclore. Nele é bom. A gente canta, dança, diverte muito e não tem confusão”.

            E contou da dança que  mais gostava -  “O margulhão” – uma fila de rapazes de um lado e as moças do outro. Na frente, dois guias segurando uma toalha; esses vinham em rumo das filas, com a toalha na altura dos peitos. O rapaz da ponta tomava as mãos da moça da outra ponta da fila e iam mergulhando debaixo da tolha, cantando alegre

“Pa s s a  -  p a s s a ,  margulhão, ó!  e ia escorreno fila afora, agarradinho”.

            De menino, Adão já gostava de folia-de-reis – foi lá pras bandas do Bom Jardim, seguindo o imperador – seu Elias. Aprendeu os repiques da viola – isto pelas eras de 58. Até hoje é folião-mor, mestre do lundu – a famosa dança da garrafa (não tem nada da dança baiana de hoje – é dançar o lundu, equilibrando uma garrafa de pinga na cabeça), lundu do facão – uma verdadeira arte do brandir da arma no ar e no chão, tirando chispa de fogo, passando-a entre as pernas, enquanto se sapateia. Por fim, para ir mais além, pois sempre quer ver o povo alegre e se divertindo, fundou um grupo para mostrar nossa cultura, tendo como expressão maior o Rei dos Cacetes.

            E foi com o Rei dos Cacetes e suas danças que Adão se apresentou na 31ª Semana do Folclore, em Belo Horizonte, em 1995, onde ganhou uma medalha de honra ao mérito.*

            Adão, enquanto conversávamos, fazia o pé do cabelo do Zé Braga (foto), sob o olhar embevecido do grande amigo Dió (da União Operária e grande incentivador do folclore) e a admiração do Dr. Elmiro Jr., que me sugeriu a entrevista com o Adão. De repente, ele para com o assunto do folclore para observar, tirando umas navalhas antigas da gaveta: “Agora a gente não pode usar a navaia. Tem que usar uma banda de gilete; uma pra cada freguês, pra num passá mal de um pro outro”- é a consciência de um terrível mal que assombra a humanidade. Mostra pacotes de giletes novas e volta ao trato do cabelo do Braga, que, pacientemente aboletado na velha cadeira – daquela de rodar e recair -, se divertia ouvindo tantas e deliciosas histórias.

            Adão, Barbeiro, pescador, folclorista, 71 anos, nove filhos e uma longa vida com sua mulher, dona Maria dos Reis Mendes, acha que as escolas devem cuidar mais do folclore – ensinar e praticar sempre para que “essas coisas bonitas não vão acabano com o tempo”.

            É. E que homens como Adão Barbeiro sirvam como exemplo para todos no sentido de se preservar nossas tradições, pois assim seremos um povo mais unido e forte no avançar dos tempos.

            Adão foi homenageado, em solenidade realizada em Pirapora, com a medalha Estrela Guia de Foliões conferida pela Comissão de Foliões Fluminense - RJ, presentes o presidente Affonso M. Furtado da Silva e os folclorista Domingos Diniz e João Naves, da Comissão Mineira de Folclore.


            Adão faleceu no dia 28 de junho de 2003, quando afinava a viola para sair com seu terno para jornada em homenagem a São Pedro, seu santo protetor.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

AGOSTO

                                                  João Naves de Melo 

Qual manto de sisudez
O cinza tinge o sertão
Árvores e árvores ressequidas
Galhos tortos desfolhados
À míngua de chuva/vida.

Mas agosto é prenúncio da Primavera
Não por encanto, por esperado
O amarelo como gotas de ouro
Surge rendando o teto do sertão
De espaço em espaço pingado
Reluz o sol em brilhantes ipês
O festival do amarelo
Outras floradas ganham exuberância
A caraibinha da branca à roxa
A sucupira preta vestida de roxo
Há de se ver e o perfume solver
Da branca flor da sambaíba
De cálice aberto aos beijos das abelhas
De tronco mais fornido, como rei
Mais espaçado o pequi abrindo-se
Em flores brancas e tão suaves
Promessa de riqueza no sertão.
Na beira do rio o pajeú
Vestindo-se de flores verdes
Que vermelhas se transformam, depois.

AGOSTO! Ainda sem chuva
E nem chegou a Primavera
Mas impressiona o festival de cores
Sertão: cerrado, mata seca, barrancas
Tudo seria infinitamente mais belo
Tudo seria infinitamente durável
Não fosse a ganância de homens
Que por dinheiro destroem um paraíso
A natureza resiste! Agosto se repete!


A guisa do Dia do Folclore – 22 de agosto











CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE


                                                                                                                      II - parte


Panorâmica da Vila Conceição (Escola Caio Martins do Urucuia)

A Bandeira do Carinhanha, depois de longa jornada cortando quase 2/3 do território mineiro, chegou às matas da Fazenda Bonsucesso, às margens do majestoso rio Carinhanha, divisa de Minas Gerais com a Bahia. Uma epopeia.

No dia 20 de setembro de 1953 aconteceu a instalação do Núcleo Colonial do Carinhanha, com missa celebrada pelo bispo diocesano de Montes Claros, dom Luís Vitor Sartori, com a presença do Cel Almeida, prefeitos municipais de Manga e Januária, alunos da Escola Normal de Januária, sargento Edson do Vale (primeiro coordenador do Núcleo).

Em sua oração, dom Luís Sartori afirmou, num transporte de emoção, “que aquela árvore, a cuja sombra acabava de rezar o Santo Sacrifício da Missa, representava a catedral de seus sonhos, pois sob ela assistia à realização de um dos ideais mais elevados da humanidade, qual seja o da distribuição pródiga e desinteressada do bem”.

Terminada a inauguração, os bandeirantes se entregarem à construção da primeira casa do núcleo, o seu próprio lar.

SÃO FRANCISCO E JANUÁRIA


Em 1956 a Escola Caio Martins foi plantada nos municípios de São Francisco e Januária com um projeto educacional e social avançado para a época: formação de jovens líderes rurais. Os jovens alunos, oriundos do meio rural, permaneciam durante dois anos na escola cursando as 3ª e 4ª séries do primário e aprendendo ofícios que lhes seriam de grande utilidade em suas localidades de origem: construções rurais, carpintaria-marcenaria, olaria, noções agrícolas com novas técnicas, corte-costura, bordado, culinária; enriquecimento artístico enfatizando a cultura popular (folclore).


Esses dois Centros de Treinamento tiveram uma trajetória da maior importância para a região – não apenas nos dois municípios onde foram implantadas. Milhares de jovens formados foram servir à região, ao Estado e ao país como cidadãos com de seus deveres para com a Pátria. Em suas comunidades passaram a exercer, de mediato, várias posições na sociedade, como professores e modificadores do meio. Ao longo do tempo, coleciona-se profissões alcançadas como advogados, engenheiros, médicos, enfermeiros, professores e no mundo político – prefeitos e vereadores. Um detalhe: todos devotam um extremado amor pela a instituição, têm orgulho em se dizerem caiomartinianos.


Vivenda de alunos do Curso Normal
de Esmeraldas no Núcleo Colonial
 do Carinhanha – trabalho de apoio
Coral de São Francisco recebido 
pelo governador Israel Pinheiro

Primeiro coral da Escola Caio
 Martins de São Francisco
Coral Caio Martins
S.F. em Esmeraldas
Primeira casa / Lar construída
na Escola do Urucuia
Aspecto da Vila Conceição –
 Escola Caio Martins do Urucuia

O mesmo coral com Cel José Ortiga 
no gabinete do governador
Prédio da Escola em Buritizeiro




Escola Caio Martins – Januária





sábado, 5 de agosto de 2017

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

                                                                                                                            I - parte




O que ocorreu com as Escolas Caio Martins (hoje FUCAM) é inaceitável, inacreditável, incompreensível, um reflexo da insensibilidade e despreocupação de governantes com os rumos da educação e assistência social no país. É até compreensível (mas não aceitável, de forma alguma) se se estender o olhar ao que está acontecendo no meio político do país. Uma lástima. Vejamos um pouco do histórico das Escolas Caio Martins, que preciso se faz para melhor entender nosso inconformismo. Resumiremos a fantástica história de tão formidável instituição, em capítulos.

O COMEÇO

Em 1947, Manoel José de Almeida, jovem major da Polícia Militar de Minas Gerais, atendendo recomendação do Comandante Geral da Corporação, procedeu uma visita à fazenda Santa Tereza, campo de remonta da Polícia Militar, situada no município de Esmeraldas, em companhia de sua esposa e filhos. Ele ainda não tinha em mente o que propor, mas viera à sua mente a lembrança de José Muniz, famigerado bandido que assustava a capital mineira, recentemente preso e condenado. Segundo soubera, a sua vida criminosa fora fruto de uma infância sofrida, abandonada. Somou isso à preocupação que ele tinha com os problemas assistenciais que já afligiam os moradores da capital. Veio, então, a ideia de fundar uma escola para receber crianças desvalidadas, um centro de educação. A ideia foi acolhida e ele apresentou o plano de como ela deveria funcionar, fruto das reestruturações que vinha promovendo na corporação visando substituir a velha atitude policial de “vigiar e reprimir” pela de “educar e assistir”. Coube a ele a missão de implantar a escola. Como um sopro divino veio o nome para ela – Caio Martins, o escoteiro que perdera a vida em um acidente de trem na serra da Mantiqueira - ferido mortalmente, recusou o auxílio da maca recomendando: “Não, há pessoas mais machucadas do que eu, um escoteiro caminha com as próprias pernas”. Infelizmente ele faleceu, mas aquela frase se tornaria o lema da instituição criada: “O escoteiro caminha com as próprias pernas”.

A vida da escola começou com a chegada de dezoito meninos da Cidade de Ozanan, que foram abrigados no primeiro lar – um velho paiol. Isso no dia 3 de janeiro de 1948, primeiro passo de uma fulgurante história sócio-educacional.

Entregue à nova função (missionária, diga-se) Manoel Almeida mergulhou no mundo por onde permeavam ilustres educadores, pedagogos e sociólogos: Amaral Fontoura, Helena Antipoff,  Lourenço Filho, entre tantos que passaram fazer parte do convívio da escola.

Em 2 de janeiro de 1952, depois de se consolidar no vale do Paraopeba, a escola se estendeu até às barrancas do rio São Francisco, assentando um núcleo em Pirapora (hoje Buritizeiro). Filhos de pescadores seriam amparados, teriam condições para se educarem e prepararem para a vida e para o ofício. A Escola dava um passo no  cumprimento do lema: começou a caminhar com as próprias pernas.

Em 1953 a Escola Caio Martins deu um dos mais importantes passos de sua trajetória salvítica do homem do campo, plantou um núcleo nas barrancas do rio Carinhanha em região lindeira com a Bahia.

A respeito de tão fantástico e arrojado empreendimento que tinha entre pressupostos educacionais, o de barrar o fluxo de emigrantes nordestinos em seu êxodo para a capital mineira, assistindo-os na própria região. A respeito escreveu Waldemar Malburguer de Oliveira, diretor da revista Minas Magazine, quando do embarque da caravana, em Belo Horizonte, rumo à região lindeira de Minas com a Bahia: “O que ides fazer é coisa de visionário. Podeis conceber, em pleno século XX, uma obra de bandeirantes? Pensais, por ventura, que é fácil povoar 484.000.000 metros quadrados? Não tendes nem onde abrigardes; sofrereis frio; ficareis expostos à chuva e ao sol; tereis fome e sede; ouvireis uivos de feras. Vós, os moços, podereis suportar tamanhas provações? E Por que e para que? Se resistires a tudo e, amanhã transformardes  aquelas quase selvas num aglomerado humano e, quem sabe, mesmo numa cidade diferente, marcando uma civilização espiritual nova  para combater a desordem moral que se alastra, cheia de homens  com uma consciência sólida, sãos de corpo e espírito, transbordantes de amor pelo próximo e por si mesmos, em resumo, se, se conquistares tanto, julgais que, ainda assim, a gratidão humana se lembrará de vós, dos vossos sofrimentos? Estais enganados...(...) E,  agora, parti Bandeirantes das Escolas Caio Martins! Deus derramará todas as bênçãos sobre vosso chefe e sua família, professores e jovens que a integram, temos disto certeza todos os homens de ideal e de fé...”


E lá foram 12 jovens bandeirantes, moderna bandeira a desbravar inóspito sertão: enfermeiro, pedreiro, pintor, bombeiro, alfaiate, oleiro, padeiro, sapateiro, barbeiro eletricista com a missão de transformar o meio e melhor assistir os moradores da região.