sábado, 18 de agosto de 2018

CARAIBINHA

A caraibinha branca perfumou a orla por tempo maior de quinze dias. A caminhada entre as floridas árvores, inebriado por seu doce perfume, mais toca as cordas da emoção o que se tem um pouco abaixo: o cenário gracioso do São Francisco deslizando e beijando as barrancas. Aguçados os ouvidos  um toque especial: a canção suave das pequenas ondas desvencilhando-se das ramagens despencadas. E não eram apenas as caraibinhas. Salpicando as margens do rio, como companheiro inseparável, o pajeú deu sinal da Primavera com suas flores verdes. Pajeú e caraibinha são prenúncios da Primavera quando soltam suas flores. Agora, chegada a Primavera não têm, os dois, as viçosas e coloridas flores, nem o perfume. Tanto a caraibinha quanto o pajeú são bordados de flores vermelhas que vão se desprendendo e formando tapetes coloridos no chão. O tempo passa…
Em compensação, em meu quintal, tenho um espetáculo combinado: flora e fauna.  Como era de se esperar, na entrada da Primavera – em alguns casos um pouco antes – chegaram as mimosas flores do umbuzeiro, em cachos. Muitos anos atrás escrevi em uma pequena peça levada pelos meninos da Escola Caio Martins ao centenário de Januária, que o umbuzeiro se vestia de branco como anjo. E não fica só em tão maravilhoso presente da natureza. Tem mais. O meu umbuzeiro, graças ao conluio que tenho com a passarada, fartando-a com doses diárias de farelo e água. Depois, com um variado coral, que vai das 7h às 11h todos os dias, o agradecimento.  O primeiro a cantar é o sofrê. Seu doce e suave canto, ainda antes do raiar do sol, tira meus olhos do REM. Desperto-me como um rei agraciado pelo majestoso pássaro. Mais tarde, fartos os papinhos, vem o festival, verdadeira sinfonia: o bando de Dó Ré Mi repicando seu canto; os canarinhos com os agudos silvos; os acordes mimosos de solitário coleirinha; os atrapalhados pardais que não cantam, mas fazem um barulho desorganizado e repetido; e no fundo, um canto cheio de lamento, que parece invocar saudade – de quê? – das rolinhas, as “galinhazinhas de Nossa Senhora”, como carinhosamente são chamadas pelos antigos, exibindo o seu porte majestoso – e como são belos seus ninhos, que estão em toda parte nos jardins de dona Vilma: uma combinação de duas majestades.
Passando, todos os dias, pela orla do nosso São Francisco, com os olhos estendidos às suas águas que brilham prata; que ainda tão judiado e espremido pelos bancos de areia é tão belo, viajo em sua história. Busco nas narrações a descoberta do Opará e sua lenta ocupação, com índios, bandoleiros, remanescentes de bandeirantes, fazendeiros, gente brava, indômita – uns – e gananciosos – outros – e comungo com Geraldo Rocha – posição que defendo no dia a dia: Rio São Francisco, fator precípuo da existência do Brasil. Ficou orgulhoso diante do meu rio. Depois, no meu quintal, mergulhado no jardim de dona Vilma – dedo verde – com tantos berços de rolinhas; com a portentosa mangueira de sombra abençoada, chego ao meu pé de umbu. Pequi  no cerrado, umbu na mata seca: o sertão consumado.  Respiro a doçura do ar, inebriado pelo canto dos meus amigos passarinhos e digo, no fundo do meu coração: como sou feliz. E que se danem os políticos – de todas as vertentes – que tudo fazem para destruir nosso país. Que se danem. Sem o tanto de dinheiro que os cobrem de desonra, fico com o pouco que me dão o rio e o meu quintal. E estando bem, posso estender minha felicidade àqueles que de mim precisam no dia a dia.
João Naves de Melo

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