sábado, 30 de junho de 2018

MULHERES DE SÃO FRANCISCO – II

João Naves de Melo*
As irmãs Virgínia, Ditinha e Vita, as artistas da música: orquestra feminina de cordas Santa Cecília, escola de música, belas canções compostas. Elas se foram, a música secou – não mais orquestra, escola e juventude voltada para a bela arte.
Uma grande mestra, ainda viva, também se distinguiu na música, professora Maria Eunícia – tempos dos saraus, das serenatas ao luar, serenatas nos ajoujos, no meio do rio São Francisco, em noites quentes. Ela compôs belas valsas e hinos. Ela, nos seus 93 anos, é parte viva da história da cidade, desde os tempos conturbados, tendo sua família sofrido momentos de aflição, quando vivia no meio rural, com a passagem da famosa Coluna Prestes pela região: “quem disse que a Coluna invém, capano os home e as muié tomem?”.
Essas e outras grandes mulheres, já vividas: professora Graziela, mulher do primeiro doutor-farmacêutico de São Francisco, Tarcísio Generoso – uma grande mestra. Professora Alzira Coutinho, mestras Hercília e Marcionília, das primeiras da cidade, lecionando em escolinhas de fundo de quintal, Hilda Pinto. Quantas mulheres fantásticas que fizeram história.
No geral, sem distinguir nomes, tenho carinho especial por grupos que, com suas atividades, fizeram a história do município passando-nos lições de vida. As poteras de Buriti-do-Meio – comunidade formada somente de negros, oriundos, também, do Gorutuba e das minas de Grão Mogol, remanescentes de escravos. Fabricam potes, bilhas, bacias, travessas, vasos, tudo de barro, artesanalmente, sem nenhum instrumento senão o olho do enxadão ou a costa do facão para cortar e bater a argila. Peças lindas, mimosas, enfeitadas e coloridas que ganham plagas alhures. Preço-precinho, mas que ajuda na sobrevivência de anos a fio. Nas horas de folga ou quando chove, e no barro não dá para lidar, cosem o famoso “cordão de São Francisco” para cingir a cintura do passado na sua última viagem. Bom cristão não pode ser enterrado sem levar o cordão de São Francisco bem arrumado.
Lembrar é preciso das mulheres tantas que ajudaram no crescer do município, através da agricultura de subsistência: na cultura da mandioca. Aquelas que agrupavam a família e contavam com a ajuda dos vizinhos, desde o plantio à fabricação da farinha, quando, num grande mutirão, encontravam a oportunidade de rever sua vida: o dia-a-dia, a troca de informações quanto às receitas de remédios caseiros e crendices; quando contavam suas histórias e falavam dos seus pequenos sonhos. Tiravam a casca da mandioca, torravam a massa no forno; preparavam a tapioca tão importante na alimentação diária, no fabrico de biscoitos, bolos e becos – muitos tirados no quente da pedra do forno; e na preparação da valiosa puba (nos tempos idos ela tinha valor de dinheiro, quando ele pouco corria: “sinhozinho está cheio da puba!”). A história de uma gente que chegou aos hodiernos através das noites de mutirão. No plantio da mamona a história quase se repetia e o que se guarda, como agregação da família, além do plantio, colheita e bateção dos bagos, eram as viagens à cidade acompanhando o carro-de-boi que levava as sacas de mamona para vender ao atacadista. Tanta alegria nos olhos das meninas carregando capangas cheias de bagos de mamona que seriam trocadas por tostões com um só fim: comprar pão para comer, molhado na groselha. Desejo tão pequeno, mas que significava uma realização, o que o modernismo enterrou.
A presença dessas mulheres no trabalho é tão marcante que ainda hoje, quando as culturas são outras e os recursos maiores, podem ser medidos a sua força, coragem, disposição e o espírito de proteção da família.

ADÃO BARBEIRO

28 de junho de 2003 com a viola em punho, ensaiando os primeiros acordes, deixou nosso mundo Adão Barbeiro. Preparava-se para sair com seu terno de foliões para homenagear o santo do qual era devoto: São Pedro.
Adão Fernandes de Souza, mais conhecido como Adão Barbeiro, é uma figura ímpar em nossa comunidade. Com o seu amigo de profissão, Gino (Higino Antônio), ele dividia o ofício de barbeiro com uma grande paixão: o rio São Francisco, onde sempre  foi considerado grande pescador.
Desde 1959, ele estabeleceu seu ponto à rua Silva Jardim, nº 534, um salão modesto, cercado de espelhos, tralha de pescador e instrumental folclórico: cacetes, violão, caixas, pandeiros e reco-recos. Ali, entre uma tesourada e outra, ele ia contando histórias – rolando a vida de São Francisco, passagens interessantes de pescarias e a sua última e grande paixão: o folclore.
De menino, Adão já gostava de folia-de-reis – foi lá pras bandas do Bom Jardim, seguindo o imperador – seu Elias. Aprendeu os repiques da viola – isto pelas eras de 58. Até hoje é folião-mor, mestre do lundu – a famosa dança da garrafa –  dançar o lundu, equilibrando uma garrafa de pinga na cabeça, lundu do facão – uma verdadeira arte de brandir o instrumento no ar e no chão, tirando chispa de fogo, passando-o entre as pernas, enquanto  sapateava. Por fim, para ir mais além, pois sempre quer ver o povo alegre e se divertindo, fundou um grupo para mostrar nossa cultura, tendo como expressão maior o Rei dos Cacetes.
E foi com o Rei dos Cacetes e suas danças que Adão se apresentou na 31ª Semana do Folclore, em Belo Horizonte, em 1995, onde ganhou uma medalha de honra ao mérito.
Adão levou seu grupo a rodas por várias cidades de Minas, sempre se apresentando com muito sucesso: Montes Claros, Pirapora, Buritis, Chapada Gaúcha e Belo Horizonte; em Goiás – Chapada dos Veadeiros e Brasília-DF. Foi alvo de vários artigos em revistas de circulação nacional, citado em livros e participando de vários especiais para a televisão. Tornou-se uma celebridade nacional, procurado por pesquisadores e escritores da cultura popular e por estudantes.
Ele recebeu, em solenidade realizada em Pirapora, a Estrela Guia e faixa de Folião, conferidas pela Comissão de Foliões Fluminense do Rio de Janeiro.
Adão Barbeiro, com sua arte, com seu trabalho e amor à nossa cultura, precisa ser sempre lembrado  como exemplo para todos no sentido de se preservar nossas tradições, pois assim seremos um povo mais unido e forte no avançar dos tempos.
João Naves de Melo

PATRIMÔNIO HISTÓRICO

São Francisco ainda não tem uma política pública direcionada à valorização do patrimônio histórico. Basta dizer que o município tem tombado apenas o Cruzeirinho da frente da Matriz São José. No mais, apenas a lei que criou o perímetro urbano histórico, a área compreendida entre as avenidas Presidente Dutra (orla do rio), Brasiliano Braz; Dom Pedro de Alcântara e Odorico Mesquita. Garante-se, em tese, a conservação de prédios históricos, mas não rende ICM cultural para o município porque não foram tombados pelo IEPHA.
É possível que não se adianta muito nas providências para o tombamento de bens materiais e imateriais e na exploração do turismo porque na população do município não se vislumbra  interesse para o aspecto cultural e histórico. É uma pena, pois para o município tal exploração poderia render muitos recursos através do ICM Cultural e do incentivo ao turismo. É o que se vê em tantos municípios de Minas. Agora mesmo alcançou grande repercussão a reforma da Basílica de Bom Jesus de Congonhas cuja construção foi iniciada no ano de  1757.
Foi um acontecimento e tanto a reabertura da igreja depois da restauração, tanto para os moradores da cidade quanto para turistas.
O início da construção dessa catedral aconteceu 20 anos da criação da cidade de São Francisco, cujo marco histórico que resta, da mesma data, é a igreja São Félix.
Em Espírito Santo do Pinhal, em recente visita, uma caravana de são-franciscanos, deparou-se com belíssimos casarões, verdadeiros palácios da época dos barões (destaque para o Palácio do Café). Um destaque especial, das antigas edificações, anota-se o prédio que hoje abriga o Grupo Escolar Dr. Almeida Vergueiro fundado em 1847 – 30 anos antes da criação da cidade de São Francisco. Na comemoração do centenário da escola, esteve presente o então presidente da República, Eurico Gaspar Dutra.
É admirável como o povo de Espírito Santo do Pinhal conserva e valoriza o seu patrimônio histórico cultural. Em primeiro momento podemos nos deter diante da beleza e imponência dos prédios, que resistem ao tempo; segundo por sentir que suas paredes guardam período da história de um povo – desde o germinar de uma civilização aos dias atuais.   O casario conta a história de um povo. Uma simples casa, onde foi criada uma família, tem sua história, seu fascínio e o apego sentimental das pessoas nela criada.

CANTINHO DA POESIA

URUCUIA

Manoel Almeida, não foi do seu saber
que você me deu uma vida: Urucuia!
Vida transfigurada do então vivido,
que brota e rebrota nos dias presentes
assim que o pensamento voa
e me vejo navegando campos abertos,
deitado na relva de uma vereda,
ouvindo do fru-fru das palmas do buriti,
agitadas pela brisa dos gerais,
ou inebriado pela canção de águas
brotadas de esconsos profundos,
nas locas cristalinas dos buritis,
Sonhando o mundo.
E me vejo cortando os campos,
de um sertão ermo, esquecido,
vasto campo de árvores tortas
ou mergulhado em matas escuras,
nos vãos ou boqueirões sisudos.
E me sinto no lombo de um burro,
em trote macio e malemolente,
por trilhas brancas, tortuosas,
campo aberto forrado de capim amarelo,
vento soprando e beijando
a cara esfogueada pelo sol aberto.
Sempre escoteiro. Tão livre.
Medo de onça e de gente no mundão
não tive nem de pensar,
viajei Urucuia!
Céu azul. Nuvens brancas,
E no chegar da chuva,
água rasteira lambendo pedras
brilhantes como diamantes
ou de ferros avermelhadas,
água fresca bebida na concha das mãos.
Mata alta de barranco. Verdura.
Árvores nanicas e tornas, marrons,
Buriti. Buritizais – veredas!
Ganhei uma vida: Urucuia.
João Naves de Melo – 2015
FotosDirceu Lelis

sábado, 16 de junho de 2018

DE OLHO NO AMANHÃ

A visita de são-franciscanos, capitaneados pelo prefeito Evanilso Aparecido Carneiro, ao município de Espírito Santo do Espinhal, São Paulo, poderá ser um marco divisor na luta de São Francisco em busca do desenvolvimento. O que viram naquela município que tem uma extensão territorial e população bem menores que o município de São Francisco, ao tempo que desperta admiração, aponta com possibilidade de tirar São Francisco do travamento econômico. Pode-se dizer que São Paulo é São Paulo, mas não serve como desculpa para observar a rabeira em que se encontra São Francisco em relação àquele município. São muitos os fatores que podem ter levado Pinhal ao desenvolvimento. O que interessou à comitiva são-franciscana, no caso, foi conhecer o Instituto Volta ao Campo que, naquele município e em outros 100 do país deu certo. A questão então, agora, é saber: vai dar certo em São Francisco? A despeito do entusiasmo e conhecimento do secretário Cosmo, da Agricultura, se não houver igual disposição de outros setores da comunidade, nisso envolvendo o Executivo e o Legislativo e grande parte da sociedade, nada adiantará.
Fica-se com certa preocupação a respeito porque existem setores, até mesmo dentro do Executivo, que pensam pequeno e têm ojeriza quando a projeto de maior alcance, denominando-os de mesalomaniaco. E por pensar pequeno é que muitos empreendimentos não se assentaram no município. Também outros por falta de adesão e apoio.
O programa Volta ao Campo está sendo estudado para ser implantado no município com nomenclatura própria, conquanto com os mesmos objetivos. Será o Agrega Rural em aproveitamento da vocação local voltada para as atividades agropecuárias, seu carro chefe econômico. Trata-se, pois, de valorizar, buscar novos rumos e dar toda apoio ao homem do campo. Fortalecendo-o, haverá o crescimento da economia local e, com isso, um ganho para toda a população.
É preciso cuidado, muito cuidado, para não repetir o fracasso de projetos como o da mamona, do amendoim, do cogumelo, da fava d´anta e do frutos do cerrado. Não deram certo porque, primeiro, vieram de cima para baixo e setorizados. Dessa forma não houve envolvimento da comunidade. O Agrega Rural é diferente. Pretende-se – e este é objetivo -, que ele nasça no campo, que agregue o campo, envolva o agricultor familiar. Vai encontrá-lo em sua atividade, oferecendo-lhe assistência técnica, recursos e planejamento para escoar a sua produção. Não será introdução de uma certa cultura como no caso da mamona, que prendendo o agricultor à monocultura, sem opções e, depois, sem mercado, se transformou em um desastre.
É uma grande responsabilidade a do secretário Cosmo, como de resto do Executivo e Legislativo Municipais a implantação do projeto para que São Francisco não fique no “já teve”.

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

XLII – Parte
UMA INDAGAÇÃO
Caiomartinianos em visita ao Centro Integrado de Esmeraldas, quando da comemoração dos 70 anos da FUCAM
O que aconteceu com o sistema educacional que foi revolucionário no Estado de Minas? Um sistema que chamou atenção de autoridades de várias partes do país e até do exterior; que teve um olhar muito especial e carinhoso de Helena Antipoff, Amaral Fontoura, governadores – Juscelino, Bias Fortes, Tancredo Neves, Arno..de Melo (Alagoas)? Um sistema que expandiu seus tentáculos a regiões do Noroeste e Norte de Minas e que foi agente de transformação em áreas rurais com a formação de centenas de jovens? O que aconteceu com o sistema que se transformou em ninho acolhedor de centenas de crianças em situação de risco da Capital Mineira e região, dando-lhes um lar, uma família e, com isso, acenando-lhe um futuro promissor? Crianças que do brinquedo – se educando – com o tempo, de acordo com seu crescimento, tomavam gosto pela natureza em atividades simples de horticultura ou lidando com pequenos animais; que mais crescidas, passavam por diversas oficinas aprendendo uma profissão – marcenaria, sapataria, tipografia, alfaiataria, corte-costura, bordado, construções, mecânica e agricultura.
Centenas, milhares de crianças e jovens passaram pela instituição ao longo de meio século – a maioria bem encaminhada na vida, com uma resposta social positiva, refletindo um dos dogmas da instituição – cidadãos  conscientes de seus deveres para com a Pátria e a sociedade.
O tanto que as Escolas Caio Martins ofertaram ao País deveria ser pesado e apreciado pelos governantes para que, de repente, elas praticamente tivessem fechadas suas portas, sem que nada parecido fosse oferecido em troca. Muita falta de conhecimento, de sensibilidade e comprometimento com o país.
Percorre-se todas as unidades das Escolas, hoje Fucam, e a sensação é de tristeza, de decepção. Onde palpitava a vida, onde frequente era o alarido de crianças e o movimentar de jovens em plena atividade, ficou a solidão.
Pergunta-se: o que ganhou a sociedade com isso? O que ganharam os governantes que enterraram tão importante sistema educacional?
Vivem as escolas, em dias atuais, de programas que passam pela cabeça de cada governante, ao estilo de sua política social, atendendo aos seus interesses próprios, mas nunca da sociedade e das crianças. É um tal de “eixo pra cá, eixo pra lá”, como se nomenclaturas ou nomes técnicos pudessem suprir os anseios da sociedade por uma educação e formação mais efetiva de seus jovens. A moda, então, é fazer parcerias com redes públicas de ensino para desenvolver projetos de educação integrada, tirando os alunos de suas escolas para cumprir um horário de atividades diversificadas nas instalações da Fucam.
Vemos aqui em São Francisco os esforços, os anseios, a dedicação e luta  de coordenadores da unidade local para manter acesa a luz do ideal, do sistema que já não vige. Mas o produto final não será o mesmo. O aluno da cidade tem uma passagem pela escola, mas nunca carregará seu estigma, seu espírito, o seu ideal.
Ilustres pensadores da educação (?) moderna, o que fizeram com as Escolas Caio Martins? Na história deste país seus nomes terão um registro especial, não de construção…
João Naves de Melo

PEQUENA CRÔNICA

NO CAMINHO DA SERRA

GEORGE GARDNER, naturalista inglês, em viagem empreendida pelo interior do Brasil no período de 1836 a 1841, narra em seu livro Viagem ao Interior do Brasil ter encontrado uma “velha branca com um filho, os quais atravessando a corrente” (rio Claro, afluente do rio Urucuia), “ficaram em nosso acampamento nas horas da tarde (…). Contou-me que ia a um lugar distante cinco dias de viagem, cumprir uma promessa a Santo Antônio”.Narra George, que depois do dia 12 de junho (1840) ele voltaria a se encontrar com a mulher, “já de volta do cumprimento da promessa”. Estava perdido e ela o indicou o caminho certo, de volta ao Espigão que o levaria ao Ribeirão de Areia (proximidades de Serra das Araras).
Cento e setenta e oito anos passaram-se depois daquele encontro, um marco para registrar que a romaria de Santo Antônio de Serra das Araras deve estar beirando o bicentenário. Se àquela época peregrinos já cortavam as desertas trilhas do sertão, muitas vezes a pé, pouco mudou no século XXI, quanto à demonstração de fé. Um exemplo é o de Dona Maria Pereira que repete a jornada de 3 dias de caminhada há mais de 26 anos, com a tradicional Missa celebrada às margens da Vereda D´Anta. Outros grupos também repetem, a cada ano, a jornada – muitos nem tanto no rigor religioso, mas mesclado com um tanto de divertimento.
Quanto à religiosidade, tem-se em conta o fervor dos fiéis que chegando à igreja de Santo Antônio, hoje Santuário, repetem o rito secular de dar três voltas em torno dela antes se postar diante do santo e render suas homenagens, rogando sua proteção. Não se perdeu a demonstração fervorosa. Contudo, a participação profana ganhou maior proporção com as melhorias empreendidas pelos administradores na Vila, oferecendo mais conforto aos romeiros. É festa e mais festa, grandes shows, vibrante comércio.
SÃO FRANCISCO perdeu uma grande oportunidade de incrementar o turismo no município, quando a vila de Serra das Araras pertencia ao município. Seria uma oportunidade, ao lado da manifestação religiosa, para explorar o turismo. A viagem à Serra seria, por si, um bom motivo: as trilhas, as veredas, as noites estreladas, as fogueiras, as modas de viola. Tudo foi perdido. Podia, e podem ainda, ter criado “O caminho de Serra das Araras”, revivendo a antiga trilha que partia do rio São Francisco e varava o sertão, atravessando belas veredas, em estradas de areia macia, um cenário com beleza especial. São Francisco não fez (e ainda não faz). Sagarana, município de Arinos, o faz a cada ano – O Caminho do Sertão: pelas Veredas de Guimarães Rosa, de Arinos ao Grande Sertão Veredas, Chapada Gaúcha, MG, passando por Serra das Araras. A 1ª jornada foi em 2014, quando registramos (jornal O BARRANQUEIRO) a participação da são-franciscana Mariana Cabral, fotógrafa e designer gráfico; ano passado (4ª jornada), registramos no Portal Veredas a participação deoutro são-franciscano – Vilmar Arruda!
O nosso problema e não ousar.

ÁGUAS SUBTERRÂNEAS

Vem de debaixo da terra boa parte da água que chega à Bacia do Rio São Francisco quando falta chuva. As águas subterrâneas são imprescindíveis  para a vida do são Francisco; elas e os aquíferos que os abrigam merecem atenção especial e gestão eficiente que, entre outros pontos, equalize de forma positiva a dobradinha carga x descarga – que já  apresenta  balanço preocupante em alguns pontos – e se paute pela sustentabilidade. Em nosso caso, em especial está o aquífero Urucuia, preocupar-se com ele é se preocupar com o futuro.Anivaldo Miranda, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco preleciona que “as águas subterrâneas são decisivas para a biodiversidade, fazendo parte do ciclo hidrológico e têm um valor estratégico porque são reservas fundamentais no conjunto da disponibilidade de água doce. No caso da bacia do São Francisco, essas águas têm um papel ainda mais importante no contexto da segurança hídrica, porque o rio e seus afluentes têm uma grande dependência dos aquíferos, sobretudo do Urucuia, que responde  pelo escoamento de base no período seco”.
Segundo Leonardo de Almeida, geólogo da Agência Nacional das Águas (ANA) um dos principais gargalos para a gestão das águas subterrâneas é o desconhecimento sobre o que está sendo explorado. Anota: “sabemos o que está infiltrando, mas não sabemos o que está sendo extraído.  Precisamos de conhecimento, mapeamento hidrológico, cadastramento e monitoramento. Para fazer uma gestão adequada precisamos, necessariamente, conhecer  o que nós temos, quantos poços existem, o que está sendo extraído desses aquíferos. Sem esse conhecimento fica difícil colocar em prática mecanismos de gestão”.
Estudo do CBHSF aponta situações que chamam atenção no Sistema Aquífero Cárstico Bambuí, que já registra desequilíbrio entre carga e descarga, ou seja, de superexploração, como acontece em Irecê e Lapão, na Bahia, em  Montes Claros, onde a quantidade de água infiltrada está sendo menor do que a que está sendo retirada.
No município de São Francisco já se vivencia essa situação: muitos poços tubulares estão secando, outros com baixa vazão. E o que é pior, continua em alta a perfuração de novos poços sem qualquer estudo da situação do lençol freático no município. Chegará um tempo em que no município não haverá água superficial (em muitos casos já uma situação gravíssima) e água subterrânea.
O IGAM, quatro anos atrás, fez o cadastro de 1.500 poços tubulares no município (apenas os de uso significativo, desprezando-se os poços de uso insignificativo, que são muitos). Sabe-se, no entanto, que o número de poços abertos é muito superior e que está em expansão a perfuração.
Piora a situação é constatar que apesar do cadastro, do conhecimento, pelo menos da existência de x poços, não foi complementada a ação com a implementação do sistema de controle do uso racional através da instalação de hidrômetros e cobranças. Ficou no dito pelo não dito.
Constata-se, dessa forma, que aos poucos os homens vão restringindo sua condição de vida, podendo enfrentar sérios problemas em pouco tempo quanto à disponibilidade de água até mesmo para beber.

ESPÍRITO SANTO DO PINHAL

No fundo, a Serra da Mantiqueira, a 4km de Espírito Santo do Pinhal na divisa com Minas Gerais
Estabelecidos liames do município de São Francisco com o município de Espírito Santo do Pinhal, São Paulo, decorrentes da visita do prefeito Veim e comitiva para estudar o programa do IVC, é interessante que se repasse aos são-franciscanos um pouco da história daquele importante município paulista.
Espírito Santo do Pinhal, localizado na região Mogiana do Estado de São Paulo, desenvolveu-se com o café, que foi o motivo principal de sua ligação a Santos por estrada de ferro e da imigração italiana, uma influência ainda é visível na população da cidade.
Situado aos pés da Serra da Mantiqueira em região montanhosa e com clima ideal para a cafeicultura, Pinhal sempre se destacou como origem preferencialmente dos chamados cafés finos, que são procurados por importadores mais exigentes. É conhecida como a cidade do café pela produção e comercialização desse produto. O potencial turístico do município deve-se ao seu patrimônio cultural, aos seus atrativos naturais e as suas transações comerciais, não somente na cadeira do agronegócio do café, mas também no ramo de confecção. O turismo de negócios atrai grande quantidade de visitantes, principalmente máquinas agrícolas, comércio do café e no ramos de confecções.
Seu patrimônio histórico é representado por edificações tombadas, teatro centenário e igrejas com estilo eclético, o Turismo religioso é bastante conhecido pela devoção a Santa Luzia, santa protetora dos olhos, a Senhora do Café do Brasil cuja imagem foi criada no município e a nossa Senhora da Rosa Mística, considerada a Rainha do Santo Rosário. O município possui grandes plantações de café, morros, pedras, um clima agradável, com paisagens exuberantes. O turismo rural é uma atividade consolidada, pois o visitante pode ter contato com a natureza, a tranquilidade do campo e a observação da fauna e flora local sendo grande fragmento da Mata Atlântica.
Este texto foi extraído de um folder publicitário Espírito Santo do Pinhal e o Turismo, que serve, sem dúvida, para inspirar nossa Secretaria Municipal de Turismo e GDESF, que pensa o futuro de São Francisco.


SÃO FRANCISCO – ESPÍRITO SANTO DO PINHAL

PONTOS EM COMUM
  1. Primeiro habitantes de Espírito Santo do Pinhal: índios caipós
Primeiros habitantes de São Francisco conforme registro de Brasiliano Braz em São Francisco no Caminho da História: índios xacriabás – caiapós,
  1. Desbravador de Espírito Santo do Pinhal: bandeirante Fernão Dias.
Desbravador-fundador de São Francisco: paulista Domingos do Prado e Oliveira, sobrinho de Matias Cardoso, remanescente da Bandeira de Fernão Dias.

PEQUENA CRÔNICA

VEZ DA VIOLA

Apresentação Violas de Minas, com show de grandes nomes da viola, foi levada a público na quinta-feira 14, na Praça da Liberdade, Belo Horizonte, para comemorar  a conclusão dos estudos do Iepha-MG sobre  as violas e sua importância para a cultura mineira. O show foi comandado por Chico Lobo, Pereira da Viola, Wilson Dias, Letícia Leal, Orquestra Oficina de Estudo Viola de Betim, entre outros convidados.
A respeito do grande acontecimento falou o presidente do Iepha, Michele Abreu Arroyo, dando a dimensão e a importância da viola  à cultura mineira:  “O reconhecimento da viola como patrimônio cultural possibilita ao Iepha o conhecimento e a promoção desta prática cultural que articula tradições de encontro, de festa, de devoção em todo o Estado. A viola e os violeiros tocam o coração e alma de Minas Gerais”.
O Registro dos “Saberes, Linguagens e Expressões Musicais da Viola em Minas Gerais”, ao ser aprovado pelo Conep, passa a integrar o conjunto dos bens culturais reconhecidos como patrimônio de natureza imaterial do Estado: O Modo de Fazer o Queijo Artesanal da Região do Serro (2002), Comunidade dos Arturos, de Contagem (2013), Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte (2014) e as Folias de Minas (2017).
Sem dúvida, essa notícia será recebida com muita alegria por Ursulino Ramos Ferreira, presidente da Associação dos Violeiros de São Francisco, transmitindo-a aos seus associados e ao público são-franciscano no transcorrer do festival de violeiros que a associação realizará no sábado dia 16.  Será, também, do agrado de Dino do Retiro, Valfrido do Sobradinho, Irmãos Correa do Sagrada Família, João Raposo e de dezenas de violeiros de São Francisco.
A notícia tão alvissareira faz justiça à expressão desse instrumento na vida de nossa gente, principalmente os violeiros dos ternos de folia, que alegram o povo nas mais diversas manifestações religiosas ou profanas no correr do ano.
E isso nos traz à memória nomes como os dos mestres Minervino e Nego de Venança que se fizeram famosos como artesãos fabricando a famosa viola caipira, ambos levando o nome de São Francisco a alhures, com todo mérito. Leva, também, à lembrança de Adão Barbeiro que, tendo a viola como instrumento de arte, tanto fez em prol da cultura são-franciscana, levando-a as mais distantes terras.
Reconhecida, a viola vai chorar com dengo, muito mais, no passar o Lundu, no movimentar o Quatro ou no acompanhamento mavioso da saudação à Lapinha homenageando o meigo  menino Jesus. E fazendo reviver a figura de São Gonçalo do Amarante, que fez da viola o meio de exercer o seu ofício de salvar mulheres da vida fácil. Ora, viva, ora viva!

MULHERES DE SÃO FRANCISCO – I

João Naves de Melo*
É comum, sempre se fala e descreve mais os feitos do homem, deixando em segundo plano a mulher. Contudo ele não sobrevive sem ela, em todos os sentidos: no amor, no amparo, na paixão, no estímulo, na fábrica de emoções.
São Francisco teve e tem suas grandes mulheres. Muitas delas viveram à sombra dos maridos – alguns famosos coronéis que, sem elas, nada seriam, pois muitas temperavam ou eram os termômetros da conduta deles na sociedade. Mais os respeitavam ou aceitavam por causa das grandes qualidades de suas mulheres.
Particularmente, sobre algumas escrevi algumas crônicas com imenso prazer e reconhecimento. Mulheres fantásticas que são parte de nossa história.
Alice Mendonça, educadora, a primeira diretora do primeiro grupo escolar de São Francisco. Era mais conhecida não como a esposa do famoso Cel. Oscar Caetano Gomes, célebre político local e prefeito do tempo da Ditadura de Getúlio, mas como a “Mãe da pobreza”. Mulher doce, de olhos azuis, voz mansa e um enorme coração. Seu nome, muitos anos depois de sua ida, é lembrado com carinho e é sinônimo de gratidão e saudade.
Maria Teodora fez a última viagem, já centenária. Era afilhada de um dos primeiros prefeitos (presidente da Câmara de São Francisco) Antônio Ferreira, o Maroto, homem que enfrentou tempos difíceis, conturbados, na política local, agravados com a ascensão do temível jagunço Antônio Dó que pregava em praça pública, quando invadia a cidade: “Vou fritar Sancho Ribas na banha de Maroto” – na verdade ele tinha uma boa pança.
Maria Pretinha (Maria Alves Pereira), que já fez a grande viagem. Sua gente veio do Gorutuba, quando da grande seca que avassalou a região: buscava o adjutório, no mínimo, da água. Aqui plantou raízes. Ficou. Maria Pretinha fez família e que grande família, famosa na culinária.
A sua história se fez e sua família ela criou como cozinheira – a mais famosa de São Francisco, com sua fama se espalhando na região e nas capitais. O tempero de seu peixe, o seu assado (leitão, frango, peixe) tornaram-se iguarias disputadíssimas e requisitadas para banquetes, festas convenções, principalmente quando se homenageava gente importante em visita à cidade. Cozinhou vinte e seis anos para o famoso político Carolino do Amor Divino. Foi cozinheira dos vapores que navegam no rio São Francisco entre Pirapora e Juazeiro. Seus quitutes, peixes, picadinho de carne com arroz e paçoca fizeram nome, anos seguidos, na famosa Exposição Agropecuária de Montes Claros. Serviu marmita para a cadeia: durante vinte anos preparou ceias para as confraternizações do Banco do Brasil. Fez escola, mantida hoje, por tradição, por sua filha Neuza. Na história, com muito reserva, quando incitada, quase entre os dentes, com um sorriso enigmático ela contava coisas picantes do seu tempo de moça: “cada dia, ao sair na porta da rua, eu via um defunto estendido no chão”. Foi tempo do famoso Barulho de 24 que quase acabou com a cidade, a luta fratricida entre facções políticas. E conta, rindo, sem dar nomes: “um homem escreveu um boletim contra um político famoso. Ele não gostou, mandou amarrar o homem num pau, ali na Lagoinha (local de alagadiço e ermo, naquele tempo) e deu nele de chicote de arame farpado, gritando: ´cabra safado, ocê come o que escreveu ou morre`. Chorando, o homem comeu o escrito a seco” – e depois sumiu da cidade para sempre.
(Nota: a professora Adalgisa Botelho Mendonça observou em reunião do Preservar, que em São Francisco, você não encontra mais um estabelecimento que oferece um prato típico a um visitante e isso acarreta constrangimentos.)

CANTINHO DA POESIA

RÉQUIEM AO AMOR

O amor sucumbe-se ferido pela incerteza.
Morre, mas o sonho vive como sua semente.
Não há canto de dor em suas exéquias,
pois dele sempre restará a saudade.
No mundo abissal
a vida pode ser retificada
como o fruto que se desmancha
para libertar a semente;
se vais agora à escuridão
serás luz, pois tens memória.
Tu estiveste nas estrelas trêmulas
e no espelho da lua cheia;
tu brotaste na fonte da vereda
e escorreste entre pedras, nos regatos;
tu foste seixos nos rios,
em busca de teu mar;
Tu foste acordes de sinfonias,
libertando as asas da alma.
Agora visitas a terra,
mas será por um instante;
breve ressurgirás no brilho das estrelas,
pois criastes sonhos.
Não te culpes,
nem deixes que te assome a mágoa;
curva-te, antes aos desígnios,
sebuscaste abrir uma porta
– a porta mais querida e sonhada –
e não foste realizado.
O imponderável foge à tua luz.
Contenta-te, porém.
foste fonte de sonhos,
alimento de muita alegria.
Não te encerres na tristeza,
pois levas contigo a saudade.
Viveste, muito viveste.
Agora, desça ao abismo,
prepare teu renascer, tua viagem às estrelas.
É retificando que encontras o caminho,
a luz revigorante. Iluminati.
Descanse em paz. Amém!
João Naves de Melo

sexta-feira, 1 de junho de 2018

À BEIRA DO CAOS

Se o universo surgiu do caos, é possível que possa, também, nascer um novo Brasil depois do caos criado por políticos e empresários desonestos, à espera da intervenção do demiurgo. Para culminar a efervescência, veio a paralisação dos caminhoneiros. Nesse cenário, que ninguém se iluda, ela não foi ato isolado. Por mais que doa, por mais que sofra o povo, passando por diversas privações, com muitos riscos, o movimento ainda encontrou apoio de uma grande parcela popular. É lógico, não se trata de simples apoio, diretamente aos caminhoneiros. O movimento foi como um tsunami, como uma onda avassaladora, que despertou a nação arrancando um grito de revolta ecoando de gargantas entaladas. Ninguém suportava mais tanta corrupção, tantos escândalos e, para o povo, uma pesada carga de impostos e elevação de preços, quase diário, de combustíveis. Parecia brincadeira, pesadelo do qual não se acordava.
Aí, neste cenário desastroso,  a revolta do diesel foi o estopim, a motivação. É preciso ficar atento ao fato, pois existe antecedentes históricos, acontecimentos que levaram a humanidade a escrever uma nova história. No caso, em especial, há o registro de um dos maiores eventos da humanidade explodido no século XVIII, um evento que marcou uma nova era na história universal: a Revolução Francesa, quando o povo francês saiu de um estado de escravidão, levantou a bandeira da liberdade, sonhou com a fraternidade e a igualdade, pilares da democracia. Sabe-se que a indignação popular começou com um protesto contra o aumento do preço do pão. Conta-se que a guilhotinada Maria Antonieta, rainha da França, em um passeio pelas ruas de Paris, mirando o povo desgraçado, perguntou ao cocheiro  qual era o motivo daquela situação.  Ele respondeu que não havia pão para comer. A rainha emendou: “se não tem pão, que comam brioches”.
Quem leu a história da Revolução Francesa sabe bem qual foi o destino do rei Luís XVII, da rainha Maria Antonieta e a queda de toda a nobreza: teve início um novo capítulo na história da humanidade.
É lógico que o caso do diesel não chega a tanto, mas pode ser um estopim para levar a mudanças na história brasileira. Pode ser a longo ou curto prazo  dependendo do andar da carruagem – e ela vai se arrastando, muito mal. Certo é que ninguém aguenta mais a situação a que governos submeteram o Brasil com tantos desmandos, em todos os níveis; tanta desigualdade, tanto sufoco.
No geral vai muito mal, mas nas Minas Gerais o que se tem não é nada animador. Um governo chega ao fim e não se contabiliza melhoria alguma, nada que alavancasse o desenvolvimento. Aqui em São Francisco – fora a promessa da ponte – sonho inatingível – nada chegou, pelo contrário, foi tirado.
Enfim, contente-se com o que escreveu Pietro Ubaldi: “a doença é condição de saúde, pois que excita a construção de todas as resistências orgânicas”. Se o Brasil está doente, a indignação popular advém da construção de uma resistência.
E para os políticos corruptos, outra lição de Pietro Ubaldi: “ninguém escapa às conseqüência de suas ações: o bem e o mal que se praticam é para si mesmo que são praticados”. Está, aí, a Lava Jato passando a limpo. Tomará que vá bem a fundo, pois ainda tem muita gente na mira.

POEMAS SOCIAIS

ESSE MUNDO III
Meu canto é um gemido,
meu sorriso é de fugaz minuto
e minha vida um juntar de dor.
Meus olhos queimam como fogo,
e só uma lágrima corre no meu rosto
para refrigerar tanta mágoa, tanto sofrimento.
Minhas mãos lembram o couro curtido,
tal como uma canga,
reentrâncias de calos e cortes;
minhas pernas são veias arrebentadas,
cobertas de caroços
como vaca estrelada de verrugas.
Não tenho vida de esperar
nem outra passada para contar.
De noite deixo meu casebre,
de noite volto para meu casebre;
A luz do sol é no eito,
meio à palha, cinza, espinho e fogo,
ração e água quente, de que vivo
ou de que passo.
Minha filha, filhinha,
você que me espera sozinha no casebre,
que enfrenta o dia sem vozes;
na solidão das almas;
que não sabe as amigas e alegrias,
que não tem o sonho das letras,
que não canta
porque não ouve uma canção…
Filhinha, tudo o que faço,
sofrendo longe do seu abraço
– gozado e irônico dizer –
é por você.
Será que tem recompensa tanta dor,
e tanto abandono,
se não sinto, sempre, o seu ser no meu?
Se saio, você dorme;
Se chego, você dorme;
e se alimenta do requentado que lhe deixo.
É vida?
E pensar, filhinha, ser esse seu destino traçado,
como o meu, pois somos pobres,
nascemos no eito…
Você foi gerada no eito,
foi expelida no eito.
Seu destino está traçado.
Melhor, filhinha,
seria que você, depressa,
fosse embora…
Minhas lágrimas seriam dobradas,
de saudade e não de dor,
mas teria uma alegria certa:
você estaria no colo de Maria,
e no azul mais lindo e puro;
teria luzes em seus olhinhos
e não a cinza de todos os dias.
O meu céu negro.
A minha dor terrível.
A minha desesperança.
Esse é o meu País.
(MULHER CANAVIEIRA)
João Naves de Melo

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

XL – Parte
A DESCONSTITUIÇÃO DE UMA OBRA
Coronel Almeida jamais poderia imaginar que sua redentora obra em prol das crianças e do homem rural de Minas Gerais que ele legou ao País pudesse ser colocada à margem por governantes, sofrer fortes impactos do Estatuto da Criança e do Adolescente e pela incúria de diretores da instituição.
Quem visita unidades atuais das Escolas Caio Martins sofre forte impacto. Sendo ex-alunos,  sente forte abalo emocional comparando as imagens que guardou do seu tempo de aluno com o quadro atual.
Comecemos pela  Escola de Esmeraldas, que se transformou em Centro Integrado de Educação da Fundação Educacional Caio Martins. Essa escola mais parecia um paraíso, plantado em um vale esverdeando se estendendo das fraldas da Serra Negra em direção do rio Paraopeba, cortado por um curso d´água que alimentava uma bela lagoa; enfeitada por bosques formados por essências diversificadas; com belas alamedas e  praças ajardinadas. Aí, vem docemente à memória, sacudindo saudades,  o alarido de centenas de crianças levadas pelas mãos de alunas do curso de magistério em atividades educacionais, de saúde e de lazer; a azáfama de jovens no desenvolvimento de projetos agropecuários com vivo entusiasmo; funcionários em diversos campos movimentando o Centro. Surge a lembrança das Olimpíadas, quando o Centro se transformava em um caldeirão, efervescência pura, durante uma semana de disputas de várias modalidades esportivas envolvendo todos os cursos. Repousa a lembrança nas salas de aulas do prédio do 2º grau, erguido próximo ao sopé da serra Negra, cercado de mata rala; no prédio do 1º grau, bela fachada para o vale agricultável. Num topo o imponente Artesanato transformado em República das meninas, para onde os rapazes sempre voltavam os olhos e o pensamento, incrustado na borda de um belo bosque. As duas quadras de esporte sempre ocupadas por alunos e funcionários em animadas peladas de futebol de salão, seguidas de animadas conversas. O campo de futebol gramado, tão pequeno e charmoso, onde, todos os domingos, no dia todo, eram disputados jogos de equipes internas e com time de outras cidades, com intensa vibração dos torcedores – da escola e da região.
Não mais o contingente humano. Cadê os guris, almas tão cheias de esperança porque cercadas de amor e carinho? Vieram não se sabe de onde, mas iriam, certamente, para um lugar bem melhor – isso a vida da Escola comprovou. E os rapazes e moças que vindo do Norte e Noroeste do estado encheram aqueles campos de tanta vida enquanto se preparavam para o futuro, que esperavam ser promissor – e o quanto foi para tantos.
Nada, nada disso restou. Os lares estão sem vida, sem almas palpitantes, sem gritaria, sem problemas e alegrias. Não há gente. Que fizeram das nossas crianças, dos nossos jovens? As portas lhes foram fechadas. Por quê?
Aconteceram tantas coisas que fica até difícil resumir e apontar culpados – que existem.
Da Secretaria da Educação, as Escolas passaram à Secretaria de Estado do Trabalho e Desenvolvimento Social e, com isso, teve um presidente especialista no cuidar de drogados (aventou-se em construir uma penitenciária em uma de suas fazendas, na Vista Alegre: de crianças a encarcerados). Mas não foi só isso. Vamos tentar vasculhar nossos caminhos e encontrar algumas respostas. Respostas para o que aconteceu em Esmeraldas e em todas as unidades das Escolas transformadas em fundação.