O Blog inicia nesta
edição uma série de publicações de entrevistas com cidadãos – são-franciscanos
de nascimento e de adoção – que viveram importantes momentos da história de São
Francisco. Foram entrevistas colhidas ao longo de muitos anos – publicadas a
partir de 1997 no jornal Nosso Tempo e depois no jornal O Barranqueiro. Neste
trabalho de pesquisa contamos com a colaboração de Elmiro Ribeiro Júnior que
tem vivo interesse pela história de São Francisco – ele agendava as entrevistas
adredemente.
Grande parte dos entrevistados já
nos deixou. Restaram suas lembranças, o que viveram. Não alteramos nada do que
nos foi dito e nem procuramos estabelecer relações históricas visando corrigir
ou adequar informações. O que se tem nestas entrevistas é exatamente como foi
vivido por cada personagem desta história, cada um no seu ramo, no seu campo,
na sua importância.
ADÃO BARBEIRO
Adão Fernandes
de Souza, mais conhecido com Adão Barbeiro, é uma figura ímpar em nossa
comunidade. Como o seu amigo de profissão, Gino (Higino Antônio), ele dividia o
ofício de barbeiro com uma grande paixão: o rio São Francisco, onde sempre foi considerado grande pescador. Mas o rio já
não está mais para peixe e, é claro,
muito menos para pescador. Assim, como barbeiro, Adão é o último de um grupo
tradicional, que fez história em São Francisco: Gino (falecido no dia 24),
Agapito Peba (seu mestre) e Manezinho, falecidos há mais tempo.
Desde
1959, ele estabeleceu seu ponto na rua Silva Jardim, nº 534, um salão modesto,
cercado de espelhos, tralha de pescador e instrumental folclórico: cacetes
(para a dança do grupo de Reis dos Temerosos ou Reis dos Cacetes), violão
caixas, pandeiros e reco-recos. Ali, entre uma tesourada e outra, ele vai
contando histórias – rola a vida de São Francisco, passagens interessantes de
pescarias e a sua última e grande paixão: o folclore. E esta paixão começou
quando ele, que gostava muito de baile, viu que as danças tradicionais estavam
ficando muito perigosas. E ele conta: “Óia, dançá era bom, pois tava sempre
perto das mocinha. Mas com aquele negócio de passá taboca, as muié deixavam
muitos homem arretado e a coisa sempre acabava em tapa, facada e já até fiquei
sabeno de homem correno atrás de moça dando tiro. Gostei não e preferi o
folclore. Nele é bom. A gente canta, dança, diverte muito e não tem confusão”.
E
contou da dança que mais gostava - “O margulhão” – uma fila de rapazes de um
lado e as moças do outro. Na frente, dois guias segurando uma toalha; esses
vinham em rumo das filas, com a toalha na altura dos peitos. O rapaz da ponta
tomava as mãos da moça da outra ponta da fila e iam mergulhando debaixo da
tolha, cantando alegre
“Pa s s a - p a
s s a , margulhão, ó! e ia escorreno fila afora, agarradinho”.
De
menino, Adão já gostava de folia-de-reis – foi lá pras bandas do Bom Jardim,
seguindo o imperador – seu Elias. Aprendeu os repiques da viola – isto pelas
eras de 58. Até hoje é folião-mor, mestre do lundu – a famosa dança da garrafa
(não tem nada da dança baiana de hoje – é dançar o lundu, equilibrando uma
garrafa de pinga na cabeça), lundu do facão – uma verdadeira arte do brandir da
arma no ar e no chão, tirando chispa de fogo, passando-a entre as pernas,
enquanto se sapateia. Por fim, para ir mais além, pois sempre quer ver o povo
alegre e se divertindo, fundou um grupo para mostrar nossa cultura, tendo como
expressão maior o Rei dos Cacetes.
E foi com o
Rei dos Cacetes e suas danças que Adão se apresentou na 31ª Semana do Folclore,
em Belo Horizonte, em 1995, onde ganhou uma medalha de honra ao mérito.*
Adão,
enquanto conversávamos, fazia o pé do cabelo do Zé Braga (foto), sob o olhar
embevecido do grande amigo Dió (da União Operária e grande incentivador do
folclore) e a admiração do Dr. Elmiro Jr., que me sugeriu a entrevista com o
Adão. De repente, ele para com o assunto do folclore para observar, tirando
umas navalhas antigas da gaveta: “Agora a gente não pode usar a navaia. Tem que
usar uma banda de gilete; uma pra cada freguês, pra num passá mal de um pro outro”-
é a consciência de um terrível mal que assombra a humanidade. Mostra pacotes de
giletes novas e volta ao trato do cabelo do Braga, que, pacientemente aboletado
na velha cadeira – daquela de rodar e recair -, se divertia ouvindo tantas e
deliciosas histórias.
Adão,
Barbeiro, pescador, folclorista, 71 anos, nove filhos e uma longa vida com sua
mulher, dona Maria dos Reis Mendes, acha que as escolas devem cuidar mais do
folclore – ensinar e praticar sempre para que “essas coisas bonitas não vão
acabano com o tempo”.
É.
E que homens como Adão Barbeiro sirvam como exemplo para todos no sentido de se
preservar nossas tradições, pois assim seremos um povo mais unido e forte no
avançar dos tempos.
Adão foi
homenageado, em solenidade realizada em Pirapora, com a medalha Estrela Guia de
Foliões conferida pela Comissão de Foliões Fluminense - RJ, presentes o
presidente Affonso M. Furtado da Silva e os folclorista Domingos Diniz e João
Naves, da Comissão Mineira de Folclore.
Adão
faleceu no dia 28 de junho de 2003, quando afinava a viola para sair com seu
terno para jornada em homenagem a São Pedro, seu santo protetor.
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