quarta-feira, 2 de agosto de 2017

AS BARRANCAS CHORAM. ADEUS DINIZ

Um dos mais extremados e apaixonados barranqueiros, Domingos Diniz, encantou-se, acenou-nos o adeus, o até logo. Fechou os olhos no dia 12 de julho, pouco depois de completar 85 anos bem vividos (6.7.1932) seu corpo foi velado em Belo Horizonte para as últimas homenagens dos amigos e, depois, foi levado para morada no seu cantinho mais que amado: Pirapora.

A morte é um fato circunstancial – fato inexorável, guardado, sem segredo, para todos aqueles que tiveram a oportunidade de ganhar a vida. Num caso e no outro tudo de acordo com o plano de Deus – duas vidas reveladas no Antigo e no Novo Testamento. Mesmo sendo uma só verdade, não há como nos eximir da tristeza que nos invade quando se perde um amigo. É o caso da dor que nos invade o coração com o passamento do amigo Domingos Diniz.

Velho companheiro desde os tempos dos memoráveis festivais de poesia de Pirapora na década de 70, tempo em que São Francisco e Pirapora, através das letras, de dois jornais: SF-O jornal de São Francisco e o Tribuna Literária, se fizeram irmãs de letras. Com Domingos, Ivan, Argel e um montão de poetas e escritores: Rubinger, Adão Ventura, Osvaldo e o inesquecível mestre Ayres da Mata Machado com quem troquei ideias sobre a lenda do Rio Abaixo, ganhei por mais gosto, o mundo da poesia e, depois do folclore, enfim outros escritos. Posso dizer que Domingos, ao lado de Saul Martins, estimulou-me para o universo das letras e o intenso trabalho de pesquisa no campo do folclore. Com eles fui ter um assento na Comissão Mineira de Folclore em 1970.

Por graça de nossa grande amizade, como se irmãos fôssemos, Domingos se fez um grande amigo de São Francisco. Por diversas vezes esteve em nossa cidade proferindo palestras, lançando livros, incentivando, conversando com estudantes e com a turma do Preservar. Deles todos era um mestre e, mais do que isso, um amigo. Sua presença nos festivais de Ternos de Folia era marcante. Com seu jeito manso, barranqueiro tranquilo, ele se misturava aos foliões acompanhando a bandeira até o presépio armado no meio do salão, ajoelhando contrito como todos eles na sua imensa devoção.

Todos meus escritos, sagradamente, passavam pelos olhos de Domingos. E sempre recebia, de volta, palavras de estímulo, encorajadoras. Dos meus livros ele fez dois belos prefácios. Coisas para guardar não no papel, mas no coração. Enfim, ele chegou em certo momento e me cobrou: “escreve um romance”. Fiquei temeroso. Folclore e poesia eram meu eito literário de muitos e muitos anos. Um romance! Sei lá, pensei temeroso. Mas o mano Domingos não sossegou. Em todas suas cartas (e era a miúde nossa troca de correspondência) insistia: “escreve um romance, você está preparado”. E eis que me saiu com esta no prefácio do meu livro do Cerrado às barrancas do São Francisco: “O autor tem um poder descritivo infinito. Translúcido como a gota de orvalho que goteja da ponta das folhas do arrozal”. E depois, aprofundou na análise do trabalho do amigo escrevendo: “João Naves pinta o homem sertanejo com tintas psicológicas. Sem o homem o sertão não seria o sertão. Seria, na verdade `o tão sem ser` do poeta..”. Dobrei-me à insistência do mano, nele acreditei, porque era um homem honesto, sincero, verdadeiro e muito amigo. Se ele acreditava, o que me restava a fazer? Escrever o romance e o fiz com imenso prazer pois que foi um mergulho no meu sertão urucuiano – com suas belas e paradisíacas veredas, e sua gente.

Depois, quando escrevi o romance, abri os agradecimentos anotando “que este livro não existiria se não fosse o estímulo do ano Domingos Diniz... Arrisquei e, a ele, Domingos, agradeço pelo gosto e tanta emoção que tive ao escrever este livro.

Domingos Diniz, o barranqueiro mais barranqueiro de todos que conheci. Um apaixonado ao extremo pelo rio São Francisco e sua gente, defensor renitente e intransigente do cerrado, das veredas, dos cursos dá água, da vida no sertão. Folclorista da gema: membro efetivo da Comissão Mineira do Folclore, que presidiu com brilhantismo. Cada linha de seus escritos abordando o sertão ou o rio, tinha o traço de sua generosa e apaixonada alma.

Mano Diniz, no deslizar das águas do nosso rio, sacudidas por brisa mansa, coloridas ao entardecer pelo sol dourado, ao banho de serena e prateada lua, nas bicadas do mergulhão, sacudidas pelas rabanadas dos dourados, nas maretas levantadas pelas canoas de pescadores, ou quando cantarem na madrugada, sempre teremos você, pois um grande amigo não morre. No muito fica encantado para permanecer em nossos corações.


Como dizia nosso amigo Saul Martins “o barranqueiro tem o umbigo grudado ao rio São Francisco”. Daí, mano, é de se ver sempre os dois de mãos dadas, coração uno, em vida nas águas do São Francisco.

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