quinta-feira, 31 de agosto de 2017

O PÔR DO MUNDO*

Ricardo Leal de Melo
Era um dia de viagem como outro qualquer, para um passeio de mãos dadas com a amada, já de tantas trilhas e caminhadas pelo curso da vida, quando a tarde caía e íamos nós a caminho do rio, em busca daquele espetáculo gratuito que a natureza diariamente proporciona, sem repetir cenário, quando, ainda pela rua de pedra que perpendicular alcança o caís, vimos majestoso o sol que crescia, dourava, irradiava luzes ofuscantes, matizes dominantes, promessas de calmaria, mas ainda alto, a anunciar que poderíamos manter lenta a nossa marcha, pois tempo havia para que chegássemos ao camarote que a cidade ribeirinha lega ao seus, ricos ou pobres, indistintamente, como se fosse um templo de uma comunhão tão prometida e pouco existente no mundo.
Mas o que eram aqueles riscos, como se fossem raios, que começaram pequenos e foram bem lentamente se multiplicando, intensificando, faiscando na bola de fogo vermelha que descia ao rio?
Nem percebi que fitava aquilo havia algum tempo, quando os coriscos se soltaram da bola de fogo para todos os lados, subindo ao céu, descendo ao rio, tangendo a mata a montante e a jusante, como se no incremento de um espetáculo pirotécnico a inovar o pôr do sol, que disso nem precisava, lindo que sempre foi e surpreendente que sempre se fez. Estanquei a marcha, atônico, indagando à companheira se via aquilo como eu via, mas apenas notei que estava ela muda, alheia a tudo, nem segurava mais a minha mão, mas também parou, como que para me acudir do que pressentiu estar por ocorrer.
Naquele momento que me pareceu eterno, o sol não resistiu a tantos raios que brotavam se suas profundezas, rompendo a sua crosta incandescente, que de enormes rasgos derramou larvas nas águas douradas do rio, até se esvair inteiro, deixando de existir. Antes mesmo de se consumar tal extinção, meus olhos já nada viam, senão luzes paralelas que passavam como que a escanear minha visão, de súbito condenada à escuridão, que no mesmo átimo se confundiu com aquela legada ao mundo no seu fim.
*Uma homenagem ao Dia do Folclore

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