João Naves de Melo - Membro da Comissão Mineira de Folclore
Primeira Parte
Eu nunca tive dúvidas quanto à beleza de nossas manifestações culturais, mas sempre que tenho oportunidade de assistir a uma demonstração convenço-me que elas são muito mais ricas e emocionantes do que consigo registrar. Muitas vezes cheguei a pensar que fosse exagero de minha parte o fato de me sensibilizar com os acordes das violas e o gemido da rabeca, o ritmo forte dos violões e o repicar dolente, surdo e apaixonado das caixas. Depois, movimentando todo aquele instrumental, a alma do barranqueiro, cheia de paixão, doçura, volúpia e encanto, revelando o sentimento brotado da terra, das águas, dos buritizais, com os matizes do nosso pôr-do-sol. Tudo com tanta simplicidade.
Numa feita, quando missionários da Sagrada Família no Centro Cultural constamos como é intensa a impressão que esta cultura causa às pessoas. Estavam, no salão, o grupo são-franciscano de Seresta, uma preciosidade, formado por senhoras de nossa sociedade, homens e rapazes, com violinos, bandolins, violões, pandeiro e vozes, muitas melodiosas. No repertório verdadeiras pérolas de nossos compositores – Dr. Oseás Pimenta, Tom Andrade, Dona Maria Eunice e Natália Canabrava - músicas suaves aos ouvidos e doces ao coração – e outras do cancioneiro popular.
No meio do salão, entre padres italianos, argentinos, chilenos, bolivianos, espanhóis, e brasileiros, Adão Barbeiro comandou a sua turma no Terno dos Temerosos (Reis do Cacete). Foi vibrante e contagiante, a cada repique dos cacetes no piso ou uns contra os outros, ao som da música que evoca a saudação ao Menino Jesus no presépio.
Depois o João Pomba Triste, à frente de senhoras humildes circunspetas por feitio, mas serenas e bonitas na expressão da dança, que contava a história de um frade dominicano do século XVIII – São Gonçalo do Amarante. Todas de branco, deslizando, com o compasso interrompido no contra-pé, na maneira peculiar ao ritmo da dança, pareciam damas dos salões nobres de Viena. No entrelaçar dos arcos, numa mágica e bem ensaiada coreografia, aplausos retumbavam.
Vem o Locha, já de cabelos brancos, mas lépido como um menino, com Marciano, Vicente e c o m p a n h e i r o s, eletrizando a assistência com as danças do Quatro e do Lundu. Os volteios do Quatro e o sapateado do Lundu não deixavam ninguém quieto na cadeira – tinha que balançar. Pedidos insistentes de bis para fotografia.
A emoção, enfim, envolveu a todos. Fez com que representantes do Rio Grande do Sul viessem mostrar as canções das coxias; que uma chilena cantasse, cheia de emoção, a sua distante pátria. Mais emoção no ar. Padre Vicente não resiste e diz: “Todos cantaram sua terra, eu também quero cantar a minha”. Empunhou, para surpresa de todos os presentes, o violão, e com um coro formado pelos Padres João Otto e Germano, entoaram canções populares da Alemanha. No ar, a emoção, a saudade, a alegria de se viver toda uma vida refletida nas tradições de sua gente.
Ali, sem necessidade de nenhuma pintura, nenhuma explicação, nada, nada mesmo, estava demonstrado, nos poros e no coração, o que é a tradição, a cultura de um povo, a beleza do folclore e a grandeza da alma do homem quando se enternece diante de suas raízes.
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