sábado, 18 de janeiro de 2025

TENUTO

 

Bem me lembro, quão pequeno eu era, em noites caídas, acompanhando jornadas de foliões cumprido trechos nas poeirentas ruas da velha Patrocínio. Pouco compreendia do aparato, encantado com as roupas do palhaço (no Alto Parnaíba as folias tinham a figura do palhaço), as caixas e violas penduradas nas costas de homens ornados com alvas toalhas pintadas de flores e outras figuras. Ouvia, admirado, o canto de saudação ao Menino Jesus nos presépios de cada casa visitada – presépio que eu tanto apreciava por ter, de igual, um pequeno em minha casa, que de aquisição tinha somente as figuras do Menino Jesus, Maria, José e os Reis Magos – os bois, as ovelhas e os burrinhos eram arte minha e de meus amiguinhos, todos laborado de barro e sabugo de espiga de milho. Que mimoso era: o piso verde em volta da gruta era do musgo dos muros de adobe das ruas, de grande fartura na época das chuvas; as estradinhas e o piso da gruta eram feitos com areia branca buscada na serra, que orla a cidade (do carreado sempre sobrava um pouco que era vendido para a donas de casa arear panelas, dando-nos trocados para balas e picolés). Os foliões eram recebidos com alegria nas moradas. A bandeira de Santos Reis ia à frente passando sobre as cabeças dos moradores, visitando todos quartos e a cozinha. Os foliões, contritos, ajoelhavam-se e beijavam uma fita que vinha dos pés do Menino Jesus. Pediam bênçãos. Depois do leve ruflar das caixas, acordes de violões e de violas, e o choro suave da rabeca, ouvia-se o hino de saudação: “Deus vos salve casa santa/onde Deus fez a morada”... e narrando a história da chegada do Menino Jesus e a visita dos Três Reis Magos. Era tão harmonioso, tão suave e apaixonante. Um folião, talvez o guia, puxava uma estrofe com a narrativa, em coro os outros a repetiam  num belíssimo arranjo de vozes. Aí, o que mais chamava minha atenção, por ser de gosto e emocionante tanto, era o tenuto. Ficou no ouvido, gravou-se no coração.

Recentemente, do nascimento do Menino Jesus à Epifania, quedei-me na escuta de um terno de foliões saudando o Menino Jesus, trazendo a jornada dos Reis Magos, falando sobre a Estrela guia e o canto do Galo. Aí soou o emocionante tenuto em duas ou três vozes sobrepondo-se ao coro com notas acentuadas, continuadas e suavizadas. Menino, de repente, transformei-me e, confesso, chorei de tanta saudade da minha mãe Júlia e do meu pequeno presépio. 

Cresci, dobrei-me no tempo, mas voltei à minha infância no fulgor da adoração à lapinha onde, pulcro em seu berço, resplandece Jesus no eco do tenuto.

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