Murilo Saraiva Queiroz
A Criatura das Profundezas
"O dourado é o maior peixe de escamas do rio," interrompeu Seu Antônio, sua voz carregando a autoridade de uma vida inteira passada em barcos de pesca. "Escamas douradas que brilham como moedas ao sol. Eles podem crescer até mais de trinta quilos, com mandíbulas fortes o suficiente para quebrar o pulso de um homem."
"Conte a ele o que os antigos dizem que aconteceu com o bebê," insistiu Pedro.
Seu Joaquim assentiu lentamente. "Dizem que um dourado enorme-o rei de todos os dourados-pegou a criança antes que ela pudesse se afogar. Não para comê-la, mas para salvá-la. O peixe carregou o bebê para o fundo das cavernas subaquáticas que se entrelaçam na margem do rio, para um lugar onde água encontra ar em vastas câmaras que nenhum humano jamais viu."
"Exceto um," corrigiu Seu Antônio. "Padre Heinrich seguiu Maria até o rio naquela noite. Tarde demais para salvá-la, mas ele viu algo na água-um lampejo dourado, um pequeno membro pálido, e então... nada. Ele passou o ano seguinte em estado febril, desenhando símbolos estranhos e murmurando sobre 'a criança das profundezas'."
Seu Joaquim continuou, "Duas décadas se passaram. As antigas famílias tentaram esquecer o escândalo. Então veio a seca de 1928. O rio recuou mais do que qualquer um tinha visto, revelando entradas de cavernas ao longo das margens que estiveram submersas por gerações."
"Um grupo de jovens, incluindo meu pai, explorou uma dessas cavernas perto da base de São Félix. Eles encontraram uma câmara subterrânea com paredes que pareciam ter sido esculpidas-não pela natureza, mas por mãos. E no centro, um pequeno altar com uma estátua de Nossa Senhora, a mesma que uma vez esteve no local de oração de Maria à beira do rio."
"Mas não foi tudo que eles encontraram," sussurrou Pedro. "Conte a ele sobre as pegadas."
O rosto de Seu Joaquim ficou grave. "Não eram pegadas como você as conhece, garoto. Um lado mostrava a marca do que poderia ter sido um pé humano-embora grande demais para qualquer homem. O outro... o outro era a impressão espalhada de algo como uma barbatana de peixe, mas articulada, como se pudesse suportar peso."
"E as escamas," acrescentou Seu Antônio. "As escamas douradas espalhadas pelo chão de pedra úmida."
"Padre Heinrich já era um homem velho então," continuou Seu Joaquim. "Quando lhe contaram o que haviam encontrado, ele não pareceu surpreso. Em vez disso, reuniu os anciãos da cidade e entregou um aviso: 'O que dorme abaixo deve permanecer intocado. A criança se tornou algo diferente-nem humano nem peixe, mas algo antigo que o rio despertou.'"
"O padre afirmou que o sistema de cavernas se estendia sob a própria igreja-que os construtores sabiam disso e construíram São Félix diretamente acima da maior câmara para conter o que quer que habitasse abaixo. Ele ordenou que a entrada da caverna fosse selada e construiu uma pequena capela sobre ela, incorporando a estátua de Nossa Senhora que havia sido encontrada lá embaixo."
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