sexta-feira, 6 de junho de 2025

ASPECTOS CULTURAIS DO MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO

 João Naves de Melo - Membro da Comissão Mineira de Folclore


A LENDA DE SANTO ANTÔNIO DE SERRA DAS ARARAS – A Grande Romaria – II


No sertão urucuiano, universo dos personagens de Guimarães Rosa e do famigerado jagunço Antônio Dó que assombrou o Norte de Minas nas primeiras décadas do século XX, a misteriosa aparição de um santinho, acabou se transformando na maior romaria religiosa do Norte de Minas: Santo Antônio de Serra das Araras, hoje município de Chapada Gaúcha, que reúne, a cada ano, na semana da festa – 13 de junho – mais de 50 mil romeiros. Contam, o que ainda hoje é passado de pai para filho, à moda antiga de contar história criando tradições, que na virada do século XIX ou já entrado no século XX, que homens, zanzando pelo mundo perdido, num lugar desprovido de gentes e coisas, só de cerrado e areia branca, encontraram uma imagem de um santo incrustada numa loca, meio a pedras pontudas, espetadas na terra vermelha, cavada pela chuva em lugar de pouca vegetação, na ponta de um platô que veio ser chamado de Serra das Araras – porque, de verdade, era cheio de ninhos delas, as araras. Homens, cheios de fé e encantamento, com zelo, envolveram a pequena imagem em farrapos das próprias camisas e desceram a serra. No mísero e quase insignificante aglomerado, de pouco se ver e de quase nada de ranchos, uma velha chamaram e entregaram com devoção a pequena imagem. Ela, trêmula, ergueu-a aos céus e declarou com seus ofícios de beata: “Deus salve Santo Antônio!”

Era o santo casamenteiro que logo ganhou um humilde altar num não menos humilde rancho de palha de buriti, a sagrada palmeira do sertão. Um berço humilde, assim como fora o do Menino Jesus.

Acontece, no seguimento dos “poréns” tão comuns aos homens, que logo eles se esqueceram da história de Jesus e, as velhas rezadeiras, mais apegadas à tradição da Igreja, de tempos mais recentes, acharam que seria humilhação deixar o santinho naquele ranchinho tão sem propósitos, feio e triste. Decidiram, e logo mandaram alguns cavaleiros levá-lo  para as Pedras (hoje a formosa cidade de São Francisco), a vila que já existia, com uma pequena igreja tão bonita, debruçada sobre o rio Grande (São Francisco). Contada a história, achou por bem o padre, nela acreditando e ciente da importância da crença do povo, reservar ao santo um belo altar, quentinho, perfumado e destacado na igreja da Vila. Ali ficou e todos admiravam, rezavam e faziam novenas. Um dia... o susto e a gritaria geral – “Santo Antônio sumiu”. Imaginaram que fora obra de algum maluco, ou devoto exagerado ou de gente que não gostava da igreja. A Vila ficou em polvorosa. O mistério logo foi desfeito: um cavaleiro  encontra o santinho na estrada, caminhando ligeiro, suado, sem olhar para os lados. A notícia causou comoção geral: “Santo Antônio sumiu! Ele Voltou para Serra”. Milagre. Uma caravana se organizou logo, uns a cavalo, outros a pé e outros seguindo comboio de carro de boi, para a Serra das Araras. Começou assim a grande romaria de Santo Antônio de Serra das Araras que se repete, religiosamente, a cada ano. No dia 13, missas, dezenas de casamentos, procissão, rezas, batizados, pagamento de promessas (cada romeiro que chega à Vila, tem que dar três voltas em torno da igreja, soltando foguetes).

A festa profana hoje se iguala à religiosa para o desencanto dos mais antigos e é intenso o comércio na semana da romaria. Ainda assim ela não perde o encanto, a atração e mantém a tradição, o que se registrou numa música que ganhou o domínio público: “Adeus Serra das Araras,/ Adeus linda urucuiana / Adeus, está chegando a hora, /Adeus, Alice, já vou embora (...) “Já fiz prece/ fiz promessa,/ para o ano eu pretendo voltar! Adeus!”.

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