sábado, 31 de agosto de 2024

AS CASAS – VII

 

 


 Cada casa tem sua história, das mais simples às mais portentosas. As construções das casas levam ao surgimento da urbe remetendo-nos à de Fustel de Coulanges que observa: “os romanos nunca perderam a convicção de terem o destino da cidade ligado ao lar”. Consequentemente não há cidade sem o lar, a casa, uma necessidade do homem sedentário, o que deixou a vida nômade, Os seres humanos começaram a construir suas moradias de acordo com a sua rotina de vida, sendo assim, os primeiros modelos eram construídos em valas. A cobertura do local era feita com folhas e galhos de plantas, e só durava enquanto estavam em viagem para caçar. Esse hábito era bastante comum por volta do ano 50.000 a.C. (Por extrema necessidade Quelé construiu uma vala para morar, aqui em São Francisco nos idos dos anos 1950). Algumas mudanças surgiram por volta do ano 25.000 a.C. Nessa época, as cabanas começaram a ser utilizadas.  Por volta do ano 8.000 a.C., os moradores da cidade de Jericó, na Cisjordânia, deram início à produção de tijolos de barro. Com o passar do tempo, por volta dos anos 2.000 a.C., as edificações foram ficando maiores. Algumas tinham dois andares, varanda, escada de acesso e sobrados. No século II a. C., começaram a ser construídos os prédios com mais de dois andares, possibilitando que cada família tivesse seu apartamento de forma independente. Com a utilização de um material mais resistente para fazer os tijolos, surgiram os prédios. Somente em 1852 os elevadores foram inventados nos Estados Unidos, a partir de então, muitos prédios passaram a ter cerca de 10 andares. 

            Portanto, palácio o não, “minha casa é minha vida”, um palácio. São Francisco, a cidade, na expansão urbana nos primeiros anos a maioria das casas eram da pelo sistema de pau a pique e adobe – geralmente baixinhas, geminadas, Mais desenvolvida a cidade, foram surgindo belas construções, muitas já focalizadas neste Portal.

 

SOLAR DA FAMÍLIA FIGUEIREDO

 

Continuando no registro, temos hoje a  bela casa da família Figueiredo. Localizada na avenida Presidente Juscelino, esquina com rua Silva Jardim. Foi construída por Sancho Ribas em 1920, que sobre ela se manifestou: “construí uma boa casa para loja e armazém”. Nela ele negociou até 1924, quando retirou-se com sua família para Pirapora em consequência da turbulência política da época, com envolvimento de muitos jagunços, no caso do Barulho. Sancho vivia angustiado com a situação de São Francisco e ainda guardando na lembrança  as ameaças de Antônio Dó de assá-lo na banha do Maroto, então presidente da Câmara Municipal, homem de avantajada barriga. Com a sua partida para Pirapora, Sancho vendeu a casa para Joviniano Figueiredo, que a família a mantém muito imponente.

sábado, 24 de agosto de 2024

AS CASAS – VI

  PRÉDIOS PUBLICOS



 O poder legislativo municipal tem a sua sede atual em um imponente prédio, dos mais antigos da cidade e que tem muitas histórias e reminiscências pela serventia que teve ao longo de muitos anos.

Corria o ano de 1906 quando foi construído um prédio muito sólido pelo presidente da Câmara Municipal e chefe do Executivo Municipal, Antônio Ferreira Leite, vulgo Maroto, para o fim de instalar o açougue municipal. Anos depois, muitos passados, foi desativado o açougue e, no prédio foi instalado um centro cultural/esportivo: Associação Amigos de São Francisco que marcou época na história de São Francisco. Compunha o prédio de um belo salão de festas onde eram realizados grandes bailes e famosos gritos de carnaval; Sessões de teatro que marcaram época com famosos artistas da terra; sessões de cinema, apresentações de orquestras e famosos conjuntos musicais. Havia mais: uma bela biblioteca e na área externa, uma quadra de esportes – a Associação introduziu o voleibol em Saõ Francisco. Extinta a AASF o prédio sediou a Prefeitura Municipal e, atualmente é ocupado pela Câmara Municipal. AASF marcou a participação ativa da sociedade promovendo eventos sociais e culturais.

 

PRÉDIO DA EE COELHO NETO

 

Por volta de 1932 o prefeito Oscar Caetano Gomes criou a primeira escola pública de São Francisco reunindo  cinco escolas isoladas da cidade das mestras Graziela, Eralina Hercíli, Marcionília e Maria Eunícia. Não satisfeito o prefeito, que “tinha muito ideal e queria melhorar a educação no município”, segundo a professora Maria Eunícia: “Ele queria um prédio próprio e adequado para o funcionamento da escola”, e  conseguiu do governo a construção e a criação do primeiro grupo escolar de São Francisco que, inicialmente, recebeu o nome dele e, depois o nome de Coelho Neto que ostenta até hoje. Dona Maria Eunícia, em entrevista concedida ao jornal O Barranqueiro, disse a inauguração do prédio, em 1943, foi com  uma festa inovidável, com a presença do interventor do Estado, Benedito Valadares, o secretário Noraldino Lima, muitas caravanas de prefeitos de Januária, São Romão e Manga. Um detalhe: para construir o prédio vieram pedreiros de fora e, entre eles o mestre Garibaldi, o mesmo que construiu a torre da Matriz de São José, A primeira diretora do grupo foi a professora Alice Mendonça.

Ilustres são-franciscanos passaram pelos bancos deste grupo: os advogados Oscar Caetano Júnior, Petrônio Braz, Wilson Ferreira; Aristoml Mendonça, Terezinha Ribas, Marlene Pinto Cunha, Antônia Coutino, Nadir Gomes da Mata, entre tantos e tantos.

 


 

TRÊS REZADEIRAS – III

 

Não que o fervor tenham se arrefecido em São Francisco, onde a participação dos fiéis ainda é muito intensa nos templos católicos e evangélicos. Contudo, algumas manifestações de devoção já não são as mesmas, os fiéis estão mais acomodados com as facilidades de transmissão de missas e cultos pela televisão com intensa penetração como a emissora católica Canção Nova. Não muito longe, porém perdendo-se nas brumas do tempo, eram comuns as rezas nas casas: o terço, o ofício de Nossa Senhora, Ladainha (em latim) e as “incelências” nos velórios. E ainda o cumprimento de promessas com apresentações do auto São Gonçalo e ternos de folias de Reis. Tempo ido.

Sugerido e acompanhado por José dos Passos e Adalgisa, do Conselho Municipal de Cultura e do Preservar, nesta edição vamos falar da Dona GERALDA CARDOSO GONÇALVES

 

 


 

Numa manhã agradável, ponta do frio ensaiado neste mês, chegamos à casa de Dona Geralda, eu, José dos Passos e Adalgiza Botelho de Mendonça, que sugeriram as entrevistas com as três rezadeiras.  Dona Geralda nos recebeu numa arejada sala de sua casa com muita simpatia contando-nos passagens de sua vida. Com orgulho ela disse que dr. Manoel Ferreira fez o seu registro para casar com Pedro Gonçalves, falecido. Ela está com 78 anos bem vividos com boas passagens em sua vida. Morou na Boca do Mato – Novo Horizonte, onde  trabalhava no campo plantando lavoura: milho, feijão  e mandioca. Trabalhou no forno torrando farinha de mandioca. Foi servente de pedreiro e chegou a levantar paredes. É devota de Santa Luzia (santa protetora dos olhos, festejada no dia 13 de dezembro) para que rezam a novena, pois graças a ela curou-se de um grave problema nos olhos, ficando cega: rezou, pediu e foi atendida. Na parede de sua sala encontra-se estampando um quadro da santa. O marido dela era guia de folião, que fazia jornadas adorando  presépios e ela, sempre que podia, o acompanhava. Ela gostava muito da suça, mas não aprendeu a dança, mas participava do grupo da Dança de São Gonçalo. Ela era de um grupo de rezadeiras que cantava o Ofício de Nossa Senhora em latim. Atendendo pedido de José dos Passos, ela cantou uns versos com a voz muito segura e afinada. Uma novidade que ela nos passou: o irmão dela era irmão de Tião Carreira, cantor sertanejo.

sábado, 17 de agosto de 2024

AS CASAS – V

 



 São Francisco tem dois prédios cuja história  remonta aos anos primeiros da cidade,  ao florescer de uma nova civilização nas barrancas do São Francisco. Tem um o símbolo da cristandade, resultado de um ato de fé: a igrejinha São Félix, construída em 1877 (no ano da  criação da cidade de São Francisco) por João José Loredo, vereador suplente do  município recém implantado. Diz a história que ele se encontrando muito enfermo, à beira da morte apelou pelo santo de sua devoção, São Félix prometendo-lhe a construção de uma igreja caso recuperasse a sua saúde. Foi atendido e assim construiu a pequena igreja da qual foi zelador até a morte, missão que foi passada, depois, a Floriano Cunha Lima. Com a morte deste a igrejinha ficou abandonada e já estava entrando em ruínas  quando uma comissão de senhoras da sociedade são-franciscana levou a efeito a sua reconstrução. Eram elas:  Alice Mendonça,  Casilda Dulce dos Santos  e  Palmira Cunha Ortiga, que depois  passaram o zelo aos cuidados dos vicentinos.

A atual situação da pequena igreja leva ao tempo pós morte de Floriano Cunha – encontra-se à beira da ruína. É lamentável, incompreensível que isto aconteça, sabendo-se da possibilidade (e necessidade) de protegê-la como patrimônio religioso, histórico e cultural.

Outro prédio é a conhecida Casa dos Cassi. Não existem dados completos da  construção desta casa das mais antigas de São Francisco. Registra Brasiliano Braz, em seu livro São Francisco no caminho da História, que em 1900 foi provisionado vigário de São Francisco o  padre Modesto Pedro de Araújo, que conseguiu formar um largo círculo de amigos. Ele tornou-se fazendeiro, proprietário da fazenda  da Lontra, que  permutou, mais tarde com João Francisco Horbilon, pai do maestro Elísio Horbilon, pela casa que ele havia construído. Mais tarde esta casa foi adquirida pela família Cassiano Vieira encontrando-se fechada há muitos anos, porém bem conservada com o porte imponente das antigas construções. A família Cassi ofereceu esta casa à municipalidade com o fim de instalar nela um museu. A ONG Preservar mandou elaborar um projeto para adaptá-la como museu e  levou a ideia ao conhecimento do chefe do executivo municipal de antanho. A resposta foi desanimadora: “museu é coisa de velho”. Uma ideia velha, retrógrada, na verdade, rejeitando o empreendimento. Contudo, a proposta da família ficou de pé... e tem ficado nisto. São Francisco não dá muita importância às coisas relativas à sua história e  sua cultura.

Diante deste quadro fica uma pergunta: por que a administração municipal – a atual e as passadas – não se interessou pelo tombamento destes dois prédios? Além do respeito que se deve à preservação de um patrimônio histórico/cultural, há a vantagem de auferir  repasses financeiros através do ICMS cultural. Não se dá valor à sua própria história e dispensa-se o repasse de recursos financeiros. Imagine-se: São Francisco, uma cidade com 146 anos, que com tantos prédios e ruas históricas tem como bem tombados apenas a imagem de São Félix e o Cruzeiro da Matriz de São José.

TRÊS REZADEIRAS – II

 

No capítulo anterior focalizamos a veneranda senhora ANA ALVES DE JESUS LOPES, que trouxe a lume alguns aspectos interessantes de sua vida relatando um pouco da história e costumes de São Francisco de tempos idos. A sua narrativa leva a uma viagem no tempo, quando São Francisco pulsava mais no campo que na cidade, com as mulheres participando das atividades da família no lar e no campo; quando, na cidade, o relacionamento das famílias era mais estreito no convívio diário, especialmente nos ofícios religiosos: as rezas nas casas em diversas ocasiões – novenas, dias de santos e nos folguedos, como a dança do São Gonçalo, levantamento de mastros e tantas outras festas. Foi neste clima que viveu

 

LEODINA DOS SANTOS SILVA – DONA LIÓ

 

 


 

Numa manhã agradável, na companhia de José dos Passos (Secretaria de Cultura) e Adalgisa Botelho de Mendonça, (presidente do Preservar),  chegamos à casa de dona Lió, que nos recebeu numa arejada varanda, comodamente assentada. Um ambiente muito agradável e, aí, ouvimos um pouco de sua história tão bonita.

Nascida no Mangaí, então município de Januária, 86 anos, casada com Brasilino Antônio da Silva (falecido), 4 filhos vivos. Depois ela veio para São Francisco indo morar na comunidade de Tapera, onde labutava no campo cultivando milho, mandioca, feijão – “puxava enxada no eito, nos mutirões, e comia nas gamelas com os companheiros, comida farta com muito toucinho”, contou sorrindo, com orgulho. Trabalhava na oficina de farinha – ralando mandioca e fabricando a farinha.  O entrosamento na comunidade acontecia através dos folguedos e ofícios religiosos. Dona Lió, como tantas outras rezadeiras, participava ativamente dos ofícios da Semana Santa rezando de casa em casa e, na Sexta-Feira Santa, o ofício era rezado  na casa da avó Ana Maria; rezava também o Ofício de Nossa Senhora e as incelências nos velórios.  Durante a Semana Santa sua mãe servia iguarias para o rezadores: pamonha, bolo e milho verde. Os folguedos eram animados, diz ela. Com 13 anos de idade já dançava o São Gonçalo no terno de Albino e João Pomba Triste cumprindo promessas; que a mãe dela dançava  suça e o carneiro levantando poeira no terreiro (nos dias de hoje não se vê mais rodas e terreiradas como estas danças tão voluptuosas). Bons tempos, dona Lió, com a vantagem, hoje, de ter o que contar.

sábado, 10 de agosto de 2024

TRÊS REZADEIRAS

     Não que o fervor tenham se arrefecido em São Francisco, onde a participação dos fiéis ainda é muito intensa nos templos católicos e evangélicos. Contudo, algumas manifestações de devoção já não são as mesmas, os fiéis estão mais acomodados com a facilidade de orações transmitidas pela televisão com intensa penetração com a emissora católica Canção Nova. Não muito longe, porém perdendo-se na brumas do tempo, eram comuns as rezas nas casas do terço, ofício de Nossa Senhora, Ladainha (em latim) e a “incelências” nos velórios. E ainda o comprimento de promessas com apresentações do auto São Gonçalo e ternos de folias de Reis. Tempo ido.
    Nesta semana, sugerido e acompanhado por José dos Passos e Adalgisa, do Conselho Municipal de Cultura e do Preservar, visitei três senhoras que, emocionada, relataram parte de sua vida nas participações de ofícios religiosos. Maria, Maria e Maria, nos receberam com muita simpatia, solicitude e alegria, proporcionando-nos momento de “uma volta ao passado” carrega de emoção.
 

   Dona ANA ALVES DE JESUS LOPES


 

    Numa tarde de clima ameno ela nos recebeu confortavelmente instalada na sala de visita da sua casa, um ambiente muito acolhedor, localizada no bairro Santo Antônio. Muito simpática e expansiva narrou-nos detalhes de sua existência somada 85 anos, viúva e Geraldo Pereira Lopes, oriundo de Luislândia (certamente das famílias que chegaram a São Francisco pelo caminho do sertão). Ela nasceu  na Prateada, onde viveu bons tempos até se transferir para Novo Horizonte. Tanto numa quanto noutra comunidade, dedicou-se intensamente à atividades agrícola plantando milho, feijão arroz. E exercia outras atividades como auxiliar na serração de toras de madeira para vender as tábuas (o antigo processo de serrar madeira com serrotão em estrado). Ajudava encangar os bois no carro e, depois, seguia na guia em viagens empreendidas. Nos festejos, lembra que seu pai Zacarias Pereira era folião e rezador. Fabricava peneira de tabocas e gamelas de madeira para o uso de casa e para vender. No entretenimento, dançava s suça (lundu) e o Carneiro. Na quaresma rezava novenas nas casas de famílias. Outra devoção era a reza e procissão pedindo chuva – corria um percurso levando garrafas, pedras e litros de água na cabeça que depositavam nos pés de cruzeiros e repetiu, com voz limpa, um verso:  “Atendei Maria, Atendei agora/ atendei, Maria/ Atendei, agora/ Valei-me Senhor/ Chuva do céu/ Vós manda agora”.