Ricardo Melo*
É certo que a minha viagem fora para viver um conto
de fadas, pois a nossa princesinha ia se casar, mas em permeio a toda aquela
alegria que vivi ficou em minha alma uma inquietante visão de um palácio pelo
qual passei a caminho de um encontro familiar. Imponente, a futurista
construção se contrasta com o cenário árido daquele planalto, com os seus
inexplicáveis vidros fumês a delinear curvas suaves, como se para dar a
impressão de uma bandeira a tremular ao vento, anunciando que ali, naquele
bastião, estivesse bem guardado algo muito valioso a toda nação.
Qual a razão de minha inquietação? Fiquei a indagar
nos dias que se seguiram, com aquele sentimento confuso, entre a admiração, que
brotava da lembrança daquela suntuosidade, e a desilusão, que chega com o
noticiário, com a constatação dos fatos do nosso cotidiano. Afinal, o que foi aquela encenação de
julgamento a propósito do conturbado sufrágio de 2014? E a caravana que
antecipa o próximo sufrágio, como se dirigisse a Macondo para anunciar os
nossos cem anos de solidão, nada demais, nada ilegal?
Os palácios foram construídos mundo afora, em
priscas eras, para a moradia da realeza, ou mesmo de nobres, mas com o tempo
foram sendo destinados a museus, parlamentos; entre nós foram especialmente
destinados à instalação de serviços públicos de alto escalão. Impõem respeito, talvez fosse a
justificativa. E muitos são os palácios Brasil afora: da Liberdade, do
Planalto, da Alvorada...
Como tínhamos entre nós um Midas para projetá-los
aos montes, a fazê-los belos, os custos astronômicos de suas construções eram
meros detalhes que não seriam óbices à importância de garantir o simbolismo
ínsito em agasalhar as autoridades de conformidade com as suas elevadas
posições. Já não tínhamos reis e rainhas, imperadores e imperadoras, nobres e
destacados cléricos, mas não haveríamos de perder a pompa a distinguir os
nossos ilustres representantes!
Acabamos por nos acostumar com tais palácios, nos
esquecendo de questionar os custos de construí-los e mantê-los, despreocupados
com o que eles de fato representam na enorme distinção que fazem entre nós, os
representados, e aqueles que nada mais são do que nossos representantes, que ao
ocupá-los chegam mesmo a esquecer da missão que lhes foi entregue, tão
importantes e inatingíveis que se sentem naqueles casulos de ostentação.
Foi então que dei por mim, desvendando a razão de
minha insistente inquietação com a imagem daquele palácio que vi em minha
viagem ao coração do nosso poder central: a garantia da soberania popular ali
se abriga como uma retumbante falácia.
·
Ricardo Melo - advogado, barranqueiro
são-franciscano
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