sábado, 2 de setembro de 2017

Palácio e a falácia


Ricardo Melo*

É certo que a minha viagem fora para viver um conto de fadas, pois a nossa princesinha ia se casar, mas em permeio a toda aquela alegria que vivi ficou em minha alma uma inquietante visão de um palácio pelo qual passei a caminho de um encontro familiar. Imponente, a futurista construção se contrasta com o cenário árido daquele planalto, com os seus inexplicáveis vidros fumês a delinear curvas suaves, como se para dar a impressão de uma bandeira a tremular ao vento, anunciando que ali, naquele bastião, estivesse bem guardado algo muito valioso a toda nação.

Qual a razão de minha inquietação? Fiquei a indagar nos dias que se seguiram, com aquele sentimento confuso, entre a admiração, que brotava da lembrança daquela suntuosidade, e a desilusão, que chega com o noticiário, com a constatação dos fatos do nosso cotidiano.  Afinal, o que foi aquela encenação de julgamento a propósito do conturbado sufrágio de 2014? E a caravana que antecipa o próximo sufrágio, como se dirigisse a Macondo para anunciar os nossos cem anos de solidão, nada demais, nada ilegal? 

Os palácios foram construídos mundo afora, em priscas eras, para a moradia da realeza, ou mesmo de nobres, mas com o tempo foram sendo destinados a museus, parlamentos; entre nós foram especialmente destinados à instalação de serviços públicos de alto escalão.  Impõem respeito, talvez fosse a justificativa. E muitos são os palácios Brasil afora: da Liberdade, do Planalto, da Alvorada...
Como tínhamos entre nós um Midas para projetá-los aos montes, a fazê-los belos, os custos astronômicos de suas construções eram meros detalhes que não seriam óbices à importância de garantir o simbolismo ínsito em agasalhar as autoridades de conformidade com as suas elevadas posições. Já não tínhamos reis e rainhas, imperadores e imperadoras, nobres e destacados cléricos, mas não haveríamos de perder a pompa a distinguir os nossos ilustres representantes!

Acabamos por nos acostumar com tais palácios, nos esquecendo de questionar os custos de construí-los e mantê-los, despreocupados com o que eles de fato representam na enorme distinção que fazem entre nós, os representados, e aqueles que nada mais são do que nossos representantes, que ao ocupá-los chegam mesmo a esquecer da missão que lhes foi entregue, tão importantes e inatingíveis que se sentem naqueles casulos de ostentação.

Foi então que dei por mim, desvendando a razão de minha insistente inquietação com a imagem daquele palácio que vi em minha viagem ao coração do nosso poder central: a garantia da soberania popular ali se abriga como uma retumbante falácia.


·         Ricardo Melo - advogado, barranqueiro são-franciscano

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