JNM
Vamos publicar no blog uma série
de crônicas focalizando mulheres que fizeram história em São Francisco e
região. A forma é da crônica, um modo
mais leve e romanceado de registrar fatos históricos, com fundo verídico,
abordados por historiadores como Diogo Vasconcelos, Manoel Ambrósio e da
oralidade.
A primeira mulher a tomar esta
página será uma índia que teve seu nome ligado à origem da cidade de Januária:
CATARINA
CATARINA – I parte
A noite
dormia profundamente cobrindo com um manto negro a aldeia Tapiraçaba plantada na margem do rio São
Francisco, perto do Salgado. Não rompia o silêncio sequer o cicio de leve
brisa. De repente, um pio do urutau, lúgubre, triste, um mau presságio,
perpassou pela taba e, logo em seguida ouviu-se, um estrondo. Antes que os
guerreiros dessem o grito de alarma, pondo-se de pé, seguiram novos estrondos.
O odor ácido de pólvora tomou o ar meio a um nevoeiro de fumaça. Arcos, flechas
e tacapes empunhados na azáfama e gritos
dos guerreiros que se juntaram no meio da aldeia em posição de defesa,
antevendo um repentino e traiçoeiro ataque. Debalde
o movimento da defesa. Não tiveram tempo de reação, não sabiam onde
mirar suas flechas meio ao terrível breu e mal conseguiam ver a língua de fogo
saindo das bocas de bacamartes, soprando a morte. Um a um eles foram sendo
tombados. Parecia um inferno. As índias e índios idosos, ficaram nas palhoças,
alguns se resvalaram meio a picadas embrenhando-se no mato na direção da serra que se estendia
léguas um pouco além; outras rastejavam pelo brejo abrindo trilhas no tapete de
taboas. O cacique Kauane, assustado, assomou-se na porta da ocara-ocara e ali
mesmo recebeu um balaço no peito, caindo estatelado, sem vida. Impotentes e
sendo dizimados aos poucos, sem o líder, alguns guerreiros desapareceram no
meio da escuridão aprofundando-se na mata, rumo à serra que avultava a poucos
quilômetros da beira do rio. Não levou tempo e a aldeia estava dominada e
destruída com poucos guerreiros rendidos com vida.
Aquele
ataque fulminante fora arquitetado por Januário Cardoso, filho do bandeirante e
desbravador do rio São Francisco, Matias Cardoso, que assentara quartel general
em Morrinhos, nas margens do Rio São Francisco, nas proximidades do Rio Verde,
divisa com a Bahia. Ele cuidara bem da jornada que fora precedida de outra
campanha para dominar a aldeia Guaíba, índios mais mansos. O combate às aldeias
dos Guaíba e Tapiraçaba fora
determinado pelo governo da colônia para coibir a pilhagem perpetuada
por bandidos e indígenas, assaltando embarcações que desciam das minas, com ouro, ou que
subiam para as minas levando mantimento. Ele sabia que o combate aos tapiraçabas
poderia ser demorado e violento, pois eles eram sabidamente muito valentes,
bravos, destemidos. Assim, ele urdia um ataque de surpresa. Mas não ficou
apenas nisso. Era preciso um estratagema especial para chegar ao intento. Para
isso contou com os ofícios de Manuel Pires Maciel, que tinha longa convivência com os Tapiraçaba.
Tinhoso, ele sabia como agradar e servir os aldeados. Os outros brancos
passavam ao largo, na outra margem do rio, não se aventurando aproximar-se da
aldeia. Manuel se fez amigo do cacique, ganhou sua confiança, e este lhe dera
uma filha, uma bela índia, a mais bela da aldeia. Com ela, Manuel Pires teve um filho,
tornando-se mais familiar ainda aos Tapiraçaba.
O índio não pensa, não age e não tem o espírito de ganância por bens materiais, comum a muitos brancos. Manuel Pires convivia muito bem com os índios, mas não era plasmado com sua mesma natureza. Era branco e ambicioso. Assim, foi seduzido pela trama de Januário, sabedor de seu relacionamento com o cacique e os índios da aldeia. O coronel Januário era um estrategista, aprendera com o pai Matias Cardoso nos combates aos índios belicosos do Norte da Colônia. Daí, cuidadosamente, dividiu a ação do combate às aldeias Guaíba e Tapiraçaba em duas etapas. Vencida a aldeia Guaíba voltava-se à aldeia Tapiraçaba. Não podia ser um ataque frontal, peito a peito. Precisava, sim, de um meio para surpreendê-los, fazer apenas um e rápido ataque, para evitar a perda de seus homens no combate ou levar mais tempo no combate o que poderia ensejar tempo para chegada de reforços de outros índios.
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