sábado, 2 de setembro de 2017

HISTÓRIA EM FORMA DE CRÔNICA

JNM

Vamos publicar no blog uma série de crônicas focalizando mulheres que fizeram história em São Francisco e região.  A forma é da crônica, um modo mais leve e  romanceado de registrar  fatos históricos, com fundo verídico, abordados por historiadores como Diogo Vasconcelos, Manoel Ambrósio e da oralidade.

A primeira mulher a tomar esta página será uma índia que teve seu nome ligado à origem da cidade de Januária: CATARINA

CATARINA – I parte

 

A noite dormia profundamente cobrindo com um manto negro a aldeia  Tapiraçaba plantada na margem do rio São Francisco, perto do Salgado. Não rompia o silêncio sequer o cicio de leve brisa. De repente, um pio do urutau, lúgubre, triste, um mau presságio, perpassou pela taba e, logo em seguida ouviu-se, um estrondo. Antes que os guerreiros dessem o grito de alarma, pondo-se de pé, seguiram novos estrondos. O odor ácido de pólvora tomou o ar meio a um nevoeiro de fumaça. Arcos, flechas e tacapes  empunhados na azáfama e gritos dos guerreiros que se juntaram no meio da aldeia em posição de defesa, antevendo um repentino e traiçoeiro ataque.  Debalde o movimento da defesa. Não tiveram tempo de reação, não sabiam onde mirar suas flechas meio ao terrível breu e mal conseguiam ver a língua de fogo saindo das bocas de bacamartes, soprando a morte. Um a um eles foram sendo tombados. Parecia um inferno. As índias e índios idosos, ficaram nas palhoças, alguns se resvalaram meio a picadas embrenhando-se  no mato na direção da serra que se estendia léguas um pouco além; outras rastejavam pelo brejo abrindo trilhas no tapete de taboas. O cacique Kauane, assustado, assomou-se na porta da ocara-ocara e ali mesmo recebeu um balaço no peito, caindo estatelado, sem vida. Impotentes e sendo dizimados aos poucos, sem o líder, alguns guerreiros desapareceram no meio da escuridão aprofundando-se na mata, rumo à serra que avultava a poucos quilômetros da beira do rio. Não levou tempo e a aldeia estava dominada e destruída com poucos guerreiros rendidos com vida.

Aquele ataque fulminante fora arquitetado por Januário Cardoso, filho do bandeirante e desbravador do rio São Francisco, Matias Cardoso, que assentara quartel general em Morrinhos, nas margens do Rio São Francisco, nas proximidades do Rio Verde, divisa com a Bahia. Ele cuidara bem da jornada que fora precedida de outra campanha para dominar a aldeia Guaíba, índios mais mansos. O combate às aldeias dos Guaíba e Tapiraçaba fora determinado pelo governo da colônia para coibir a pilhagem perpetuada por bandidos e indígenas, assaltando embarcações que desciam das minas, com ouro, ou que subiam para as minas levando mantimento. Ele sabia que o combate aos tapiraçabas poderia ser demorado e violento, pois eles eram sabidamente muito valentes, bravos, destemidos. Assim, ele urdia um ataque de surpresa. Mas não ficou apenas nisso. Era preciso um estratagema especial para chegar ao intento. Para isso contou com os ofícios de Manuel Pires Maciel, que tinha longa convivência com os Tapiraçaba. Tinhoso, ele sabia como agradar e servir os aldeados. Os outros brancos passavam ao largo, na outra margem do rio, não se aventurando aproximar-se da aldeia. Manuel se fez amigo do cacique, ganhou sua confiança, e este lhe dera uma filha, uma bela índia, a mais bela da aldeia.  Com ela, Manuel Pires teve um filho, tornando-se mais familiar ainda aos Tapiraçaba.

O índio não pensa, não  age e não tem o espírito de ganância por bens materiais, comum a muitos brancos. Manuel Pires convivia muito bem com os índios, mas não era plasmado com sua mesma natureza. Era branco e ambicioso. Assim, foi seduzido pela  trama de Januário, sabedor de seu relacionamento com o cacique e os índios  da aldeia.  O coronel Januário era um estrategista, aprendera com o pai Matias Cardoso  nos combates aos índios belicosos do Norte da Colônia. Daí, cuidadosamente, dividiu a ação do combate às aldeias Guaíba e Tapiraçaba em duas etapas.   Vencida a aldeia Guaíba voltava-se à aldeia Tapiraçaba. Não podia ser um ataque frontal, peito a peito. Precisava, sim, de um meio para surpreendê-los, fazer apenas um e rápido ataque, para evitar a perda de seus homens no combate ou levar mais tempo no combate o que poderia ensejar tempo para chegada de reforços de outros índios. 

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