quarta-feira, 6 de setembro de 2017

HISTÓRIA EM FORMA DE CRÔNICA

JNM
Vereda Catarina (Serra das Araras)

CATARINA – II parte
Depois da conversa com o coronel Januário Cardoso, Manuel foi para aldeia do Tapiraçaba. Nada falou, apenas estudou, mapeou o local e, assim, esboçou o plano de ataque à aldeia e o fez de  modo inteligente, guardando um ás  na manga, ou seja, uma válvula de escape se tudo desse errado. Ele não tinha lá um passado muito honesto, era um homem cheio de artimanhas.
Seu plano: o ataque se faria na calada da noite – noite escura, sem lua. Seria em três frentes, partindo da ilha Moradeira no rio São Francisco. Um grupo chegaria à aldeia entrando pelo Salgado; outro pelo Norte e outro pelo Sul. Manuel deixou, pelo Leste, um flanco aberto. Justificou ao Coronel porque da providência, dizendo que  atacar em todas as frentes, parte da tropa teria que avançar pela mata, rodear a aldeia e isso levaria muito tempo e poderia despertar os índios. Sensato plano. Mas não era bem assim.
Na noite combinada, sem lua no céu, tudo muito escuro, foi dada a ordem para o avanço da tropa. E foi a invasão. Em pouco tempo a aldeia foi dominada. Muitos índios conseguiram fugir pelo flanco aberto e ganharam o caminho da terra, onde se homiziaram. A índia filha do cacique e seu filho não tiveram igual sorte – foram surpreendidas e aprisionados após o ataque. Jeitoso, como arrumara tudo, Manuel Pires teve, deles, o indulto ficando todos sob sua responsabilidade.
Manuel tomando posse das terras, como garantido pelo coronel Januário,  deixou a área onde fora levantada a aldeia e fundou um núcleo em local mais afastado, cerca de mais de uma légua, local mais salubre, arejado e com ótimas terras. Uma das primeiras providências foi levantar uma capela que consagrou à Nossa Senhora do Amparo. Para agradar sua companheira e aos índios cativos, ele mandou enterrar o cacique e índios tombados, no adro da capela.
Enquanto isso, os índios evadidos se reagrupavam no alto da serra planejando um ataque de vingança e retomada de suas terras. E foi o que acabou ocorrendo. Numa certa manhã eles desceram a serra desfechando uma saraivada de flechas contra o arraial. Flechas cobriram o céu como enxame de moscas. Mas cometeram um erro: fizeram o ataque no correr do dia, e sem guardar silêncio. Isso deu tempo para moradores do povoado tomarem suas armas e se protegerem em trincheiras, recebendo os índios com grande poder de fogo. O número de combatentes era desigual – havia 10 índios para cada morador do povoado, mas o poder de fogo dos moradores era grande. Ali por perto, em sua quinta, ouvindo os estampidos, em profusão, Manuel Pires reuniu seus camaradas e juntos partiram em socorro aos seus companheiros e, com isso, os índios invasores ficaram entre dois fogos. Mais uma vez foram derrotados. Deixaram o local em desordenada carreira para garantir sua vida. Levaram, contudo, a índia mulher de Manuel e seu filho.
Manuel ao tomar ciência da notícia do rapto da índia e seu filho ficou furioso, mas se conteve. Pensou bem na reação, não queria mais combates, derramamento de sangue e nem mesmo abrir guerra franca com os índios, que poderiam se reagrupar e buscar apoio de outros índios. Passando uns dias, mandou um índio cativo para negociar a paz com os rebelados, dizendo-se fugitivo do arraial. Ele foi um bom negociador mostrando as vantagens do armistício e que a paz seria boa para todos. Meio à negociação, ele convenceu a índia a fugir com ele, levando o filho. Não foi difícil, ela estava sofrendo muitas privações, comendo frutas selváticas, carnes indigestas e dormindo em furnas. Na aldeia e depois no arraial ela tinha o conforto de um catre, alimentação sadia e tudo isso fazia falta e era reclamado pelo filho.  Não foi, assim, difícil aceitar a proposta do mensageiro de Manuel.
Com a fuga da índia, os índios se renderam. Acharam por bem dar termo à beligerância. A pedido da índia, Manuel concordou em por em liberdade os caipós cativos e combatentes da serra e esses concordaram em se afastar para longe do arraial sendo-lhes dado o sertão do Acari para onde passaram a viver em paz.
O arraial chegou, enfim, à paz. A companheira de  Manuel Pires foi catequizada, ao dois casaram-se e ela recebeu o nome da Catarina. O menino, ao mesmo tempo, foi  batizado
FATOS POSTERIORES
O povoado se transformou em vila, o núcleo de fundação de Januária.
Duas deduções históricas, suposições tão-somente, mas que podem ser fundados em fatos reais.
Uma: os índios irmãos de Catarina ganharam o sertão do Acari. Nele, mais propriamente na região de Serra das Araras, uma formosa vereda de águas cristalinas, ornada por belos buritis, refletindo o contorno da Serra das Araras com suas locas avermelhadas, recebeu o nome de uma princesa: Catarina.
Os índios desceram, certamente, o ribeirão Acari em busca o rio São Francisco, uma tendência natural e da natureza do índio – navegar e pescar – estabelecendo-se na sua foz numa monumental barreira que recebeu o nome de Barreira dos Índios.
O rio Pardo que nasce nos Buracos, num vale misterioso e muito paradisíaco, no contorno da serra das araras, desce ao São Francisco. No seu trajeto, em certo trechos de matas, há registro de passagem (caracteres escritos em árvores) de índios, segundo narrativas de fazendeiros locais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário