sábado, 11 de fevereiro de 2023

RESGATE DE UMA HISTÓRIA



JOVANE VOLTA AO URUCUIA

    Anos transcorridos, foram tantos! Jovane estava de volta ao Urucuia, pois de saudades tantas não mais resistia ficar à distância do mundo que um dia construiu. Era, afinal, um amor amalgamado no sentimento de um nobre ideal. Precisava estar mais uma vez onde plantou  sonhos e teve fase tão rica e prodigiosa de sua vida, conquanto em tão poucos anos. Ora, anos não contam, não existem o ontem, o hoje e o amanhã quando se navega na corrente contínua do vir-a-ser: “a consciência profunda que não é limitada pelo nascimento e morte, nem pelas formas individuais de aparências”, ensina o misticismo tibetano. Ali ele estava no espaço onde viveu circundado por exuberante natureza, pois dela não se desligou. Então, ali alojados estavam seus fluidos espirituais agora, neste retorno, por que trouxe e como chegou o seu corpo? O que intuiu a sua viagem? Foi sentimento de buscar a verdade de alguns fatos para dissipar as dúvidas que lhe ocorreram, por informações, a respeito de uma narrativa que o levou a publicar um livro contando uma história que ali teve como cenário. Pretendia  fazer o resgate de uma história, ou de uma lenda, que muitos anos passados narrou-lhe um velho urucuiano – a lenda de dona Joaquina, a matriarca que fundou a fazenda Conceição, agora próspera vila, sede do Núcleo Colonial Vale do Urucuia plantado pelas Escolas Caio Martins.

COMO FOI O POUSO DE JOVANE NO REGRESSO

    Jovane chegou pelos gerais de tanto sentir vontade de correr pelas veredas para ouvir o canto dos buritis com o sopro do vento; ouvir o chuá suave da água nascendo de locas enfurnadas nas raízes de gigantes palmeiras; percorrer trilhas das seriemas no emaranhado de  árvores retorcidas, pequenas de ser e de quase nada de sombra dão a cair no capim de ano; de se colorir nas ciganinhas para recordar do amigo Saul Alves Martins, que viaja no etéreo e de lá vigia o sertão; de arrancar raízes do carapiá e se inebriar em seu perfume recordando o amigo sertanejo Zé Guedes, companheiro de jornadas embrenhando no cerrado; passar por um rancho de palha de buriti, perdido em campos não visitados, e recordar do amigo Domingos Diniz, que tanto cantou, com tanta sensibilidade,  aquele cenário; contemplar filhotes de emas escondendo-se, serelepes, em moitas de capim de ano buscando na memória  Audálio Lisboa, que até escreveu um belo poema com o título de Ema Xandu, ave que vivia no Núcleo do Carinhanha, como amiga dos meninos ali acolhidos;   trotar por uma estrada amaciada por um tapete de areia branca, caminho para as fazendas Cabo Verde e Brejo Verde recordando dos bandeirantes Geraldo Moreira e Geraldo Saldanha, no Brejo Verde e Lourinho e Raimundo Melo, no Cabo Verde, extensões do Núcleo;  no topo da serra da Conceição  deteve-se no socalco até onde chegou a tentativa de abertura de uma estrada para as fazendas Brejo Verde e Cabo Verde, projeto frustrado pela impossibilidade de ultrapassar uma barreira de pedras, lembrando, então, de Zé Maria no comando do trator de esteiras Nordest Vander. Ao descer a rampa, deparou-se com a primeira casa, que fora levantada sobre as ruínas da casa sede de dona Joaquina para abrigar Zezinho Cearense e sua família, contratado para construir um aqueduto (famoso Rego) para captar água do pé da cachoeira do Conceiçãozinho para consumo do Núcleo; perto dali a casa dos Bandeirantes,  transformada em lar para os pequenos internos no Núcleo, e lembrou, então, de Pedro Buchene, Flávio e Jonas, que ali se abrigaram no amplo quarto da frente. Depois,  estendeu o olhar na direção do rio Conceição e do bosque de angicos vindo a lembrança do rancho construído com  palhas de arroz e buriti, depois melhorado com alvenaria e telhas portuguesas, e lá viu o quarto onde morava com o companheiro Chico Bandeirante, o doutor.

    Tudo estava no mesmo com poucas mudanças: uma nova igreja onde foi entronizada a imagem de Nossa Senhora da Conceição, que acompanhava os bandeirantes, não muito longe da ruína da capelinha construída por dona Joaquina para a mesma santa. O espaço da natureza: para o Leste o capão de angicos à margem do rio Conceição; a Oeste a serra da Conceição, imponente; para Norte o córrego Conceiçãozinho que escorre da cachoeira Conceiçãozinho desaguando no rio Conceição – ali tudo é Conceição, muito importante, sinal de fé; para o outro lado a estrada de saída para a fazenda Boa Vista dos Palma, São Romão e Pirapora.  – neste passeio Jovane encontrou outra estrada de saída, em direção contrária. Que cenário!

    Assentado em seu velho ninho, pulcro e feliz, desceu até a praça palco de seus encontros com Chico e Audálio nas noites em torno de uma fogueira – cenário onde, ficticiamente,  ele ouviu as narrativa do velho Zacarias. No crepitar das brasas Chico cantava, com acompanhamento de cavaquinho, belas guarânias, imortalizadas na memória de Jovane. De quando em quando o encontro à beira da fogueira se dava  iluminado pela lua cheia, um belo espetáculo de beleza naquele encantado sertão.

   O que procurava Jovane? O que inquietava seu espírito motivando o retorno às plagas urucuianas? O motivo tinha origem na lenda contada e narrada pelo velho Zacarias? Contudo, de tal como era contado e falado pelos moradores da fazenda e região, estava tudo tão bem dito. Então, o que suscitou ao Jovane revirar a história?

   Ele conta. Partindo da Conceição, por ordem superior, ainda que não quisesse cumpri-la para não deixar o Urucuia, vivendo noutras plagas, decidiu voltar aos estudos escolhendo o Direito, posto que não tinha condições de cursar o que mais condizia com sua vocação, a Agronomia. Sua senda foi outra, a partir daí, trilhando outras veredas, mas sempre fincado raízes no campo da educação. Escreveu muito em jornais, que dirigia – reportagens, crônicas e poesias, estas em grane quantidade. O amigo poeta Fernando Rubinger insistiu para que ele publicasse um livro com seus poemas. Depois de muito relutar, ele publicou seu primeiro livro: O Homem e suas tempestades. Contudo não tirava o Urucuia do pensamento, carregando-o com profundo sentimento de saudade, e isto o levou a escrever um livro de memórias:  “A saga de um urucuiano”, que teve enorme repercussão, especialmente na apreciação do mestre Saul Martins, que o prefaciou, e dr. Oscar Caetano Jr., que fez brilhante comentário sobre ele. Os dois livros motivaram o amigo e incentivador Domingos Diniz a cobrar a criação de um romance. Relutou o quanto pode, mas acabou cedendo. E o tema? Não tinha nada às mãos. Foi então que voltou ao Urucuia e se viu, de novo, à beira da fogueira com Chico e Audálio assando úbere de vaca,  ouvindo as narrativas do velho Zacarias a respeito de dona Joaquina. Seria o tema do romance... e assim foi. Saiu o livro: “Joaquina – uma lenda urucuiana – Narrativa do velho Zacarias a um jovem bandeirante”. O romance, com a ajuda do amigo Dirceu Lelis na recapitulação geográfica e valiosas sugestões de seu filho Ricardo, ficou excelente, muito bem recebido.

   Eis que, com o livro pronto, chegou às suas mãos uma carta enviada por um descendente de dona Joaquina contando a história com outro enredo. Jovane lembrou, então, que baseara o seu romance apenas na narrativa do velho Zacarias, ouvira apenas um lado, corroborado, ainda, pelo livro “A ermida do planalto” do januarense Manoel Ambrósio, na mesma linha, isto é, apenas uma versão do contado na fazenda Conceição. Lembrou Jovane de um dos ensinamentos do curso de Direito, a do contraditório, isto é, não é legal o julgamento baseado apenas numa versão dos fatos. A constatação o preocupou. Dor de cabeça. Injustiça. Sem dúvida perturbador atendo-se à carta do parente distante de dona Joaquina,  que dizia:

    “Prezado Irmão e amigo JOÃO NAVES DE MELO, li o seu livro “A saga de um urucuiano” quando da minha ida ao projeto Bauxita de Paragominas no estado do Pará, motivo pelo qual demorei em dar resposta. Estou trabalhando neste projeto (fico uns tempos lá e outros aqui. A leitura me agradou bastante pelos seguintes motivos:

    Inicialmente pelo idealismo e coragem em tomar a frente tamanho  empreendimento e o qual deve ser orgulho pelos frutos obtidos.

    Trata-se de um relato muito bem escrito e ordenado, de como estava as coisas em um passado não tanto remoto assim. Como eram difíceis aqueles dias e como era atrasado o nosso Brasil!

    Lembro dos comentários da ida de meu avô materno, Cassimiro Joviano de Abreu juntamente como o meu tio Sigefredo de Matos Abreu para matricular uma criança abandonada em casa de uma das minhas tristes e batizadas pelo nome de César da Ressureição (data em que foi abandonado), isto nos idos de 1950. Foi para conhecer e conferir se realmente poderia ser de escola para o César esta recém-fundada Escola Caio Martins, Pelas ligações que tinha com a região este meu avô tinha ouvido falar muito bem da mesma. Ele achou, na ocasião da viagem, que as instalações ainda eram precárias, motivo pelo qual não o matriculou. Hoje, ao ler o livro creio que ele errou ao tentar proteger o César impedindo este de passar por esta instituição educacional e optando por criar com todos os carinhos de um “avô”, fazendo todas as vontades, etc. Moral da história: esta pessoa apesar de ótima índole vive hoje como empregado de uma fazenda de um parente sem ter dado coisa melhor. A vida, meu irmão, é feita de momentos!

    Para conhecer algum relato sobre a fazenda da Conceição, que pertenceu a meus antepassados, a D. Joaquina e o Major Raphael.

  Passemos agora aos comentários, centrado principalmente sobre este desditoso casal. Você irá conhecer a versão dos vencidos e não dos vencedores conforme descrito no livro “A ermida do planalto” de Manoel Ambrósio o qual já conheci. Este livro baseia-se em informações orais, que circulava no ambiente urucuiano e afins. Segundo minha avó, D. Florinda Matos, esta calúnia ela afirmava que muita coisa  que constava no livro é mentira) foi mandada escrever, ou suja versão foi mandada circular, pelo Dr. Francisco adjunto pai da vítima Inácio Adjunto, genro de D. Joaquina. O ressentimento entre as famílias persistiu, como você percebe...

    Segundo versão contada pelos meus familiares antigos (todos falecidos), o que aconteceu foi o seguinte:

    O Inácio era casado com a Florinda (filha de D. Joaquina e do Major Raphael) e irmã de Rosa, casada com Manoel Luiz da Silveira. Tinham duas filhas Idalina é Gertrudes. Pouco após o nascimento de Gertrudes o Inácio arranjou uma amante em S. Romão (uma artista de circo)com quem pretendia casar. Tramou, então, o assassinato de sua esposa simulando um acidente. Por conhecer o gênio da sogra e temendo represálias, fugiu logo após a morte da esposa para terras de seu pai, situadas em Paracatu e onde este era fazendeiro abastado possuindo muita influência na região. Enquanto viveu sobre a proteção do pai nada lhe aconteceu. Passados sete anos resolveu rever as suas terras no Urucuia sem saber, no entanto, que a velha havia colocado espiões para seguir os seus passos avisado da intenção de voltar às suas propriedades para ver coo as coisas estavam sendo geridas por alguns de sua confiança (já que não pretendia viver no local por temer D. Joaquina) esta armou uma tocaia que o surpreendeu em suas terras. Ele foi assassinado dentro de sua propriedade. A este assassinato seguiram-se três julgamentos sendo que no último, o casal, formado por Major Raphael e D. Joaquina, foi condenado a oito anos de prisão, pena cumprida na cadeia de São Romão, construída pelo Coronel Pedro Gonçalves de Abreu (também um dos meus antepassados) conforme consta do livro “S. Francisco nos caminhos da história” de autoria de Brasiliano Braz.

    Diante da situação, bastante complicada da família na região e, temendo represálias, Manoel Luiz da Silveira vendeu todos os bem da família mudando para o distrito de Tomás Gonzaga, município de Curvelo, adquirindo fazendas na região.  Após cumprirem a pena imposta pelo assassinato do genro, este casal também mudou para Tomás Gonzaga onde terminaram seus dias, amparados pelo genro e sua esposa Rosa, uma vez que já não possuíam bens de valor.

    Quanto ao gênio de D. Joaquina as informações que possuo, também passadas pelos meus antepassados e por observação de meus familiares maternos, era o seguinte:

    Era uma pessoa intransigente, do tipo matrona, que achava que as sua forma de pensar era a correta e que todos deveriam viver de acordo com esta regra. O seu mundo particular deveria girar em torno de sua pessoa e de acordo com seus pensamento, não aceitando discórdia. Era muito religiosa e não constava nada a cerca de sua moral. Quanto esta versão de que matava as pessoas com quem fazia negócios para recuperar o dinheiro, não consta de nenhum registro familiar. Era uma pessoa dura, com certeza, irascível, etc, mas não uma assassina contumaz. Era uma mulher muito rica e consta que em sua fazenda existiam cachos de uva em ouro puro usados na decoração da casa. Ela não possuía influência política pelo fato do marido não ter presença marcante, o que foi fatal quando da ocorrência do processo criminal.

    Dona Joaquina não tinha parentesco algum com a D. Joaquina do Pompeu (que nasceu em 1750 em Pitangui), a qual era antepassada do Inácio Garcia Adjunto, o genro assassinado. A dona Joaquina do Pompeu também tinha fama de ser perversa, mas hoje sabe-se que tal fato não procede (ver o livro de Agripina Vasconcelos sobre esta mulher) bem como o livro de  Jacinto Guimarães sobre a descendência dela.

    A ermida que ela mandou construir possuía oratório com a imagem de Nosso senhor do Bonfim, cujas lágrimas de Cristo são de rubi, e que se encontra na casa de uma prima minha, em Belo Horizonte. Quanto ao Major Raphael este homem era de boa índole, conciliador, afável e dominado pela mulher, sem nenhuma voz ativa.

    Agora relatarei algumas informações sobre a fazenda Conceição conforme busca que realizei no Arquivo Público Mineiro nos idos de 1980, quando elaborei a árvore genealógica de minha família.

     Presumo que este seja o registro da fazenda pois, o fatos ocorreram por volta desta época, quando então, a fazenda era ocupada pela D. Joaquina e pelo major Raphael. Acredito que foi por volta dos anos sessenta que a Florinda foi assassinada (ela nasceu em 1835). Isto porque sua filha Idalina nasceu em 1857 e a outra filha Gertrudes nasceu um ou dois anos depois. Neste arquivo consta o seguinte:

  “O abaixo-assinado faz ver que possui uma fazenda neste município da Vila de São Romão consignada Fazenda da Conceição que extrema com outra que possui no município de Paracatu, que parte pelo riacho das Lages acima as suas cabeceiras e cortando rumo  direto ao Norte águas vertentes e cabeceira da Ponte pequena e por ela abaixo ao ribeirão da Conceição cujas houve por compra ao finado Antonio José da Cunha vila de São Romão 18 de junho de 1855 – Raphael Joaquim de Macêdo. Foi me a presente declaração  apresentada aos 19 de junho de 1855 – vigário Raymundo Carlos de Oliveira e Sá.  Recebi do declarante mil e setenta e seis reis – Oliveira e Sá. Era o que continha em a dita declaração e notas que aqui registrei fielmente sem cousa de dúvida faça a insistência do declarante visto não satisfazer a declaração ao disposto no artigo cem da lei seiscentos e um de 18 de setembro de 1852 em obediência ao artigo 102 da referida lei. Eu Raymundo Carlos de Oliveira Sá vigário o escrevi”.

     Vou agora apresentar a você alguns personagens desta história, ou seja, seus descendentes. Informo que descendo, por parte de minha mãe, tanto de uma das filhas do casal Rosa e Manoel Luiz da Silveira (pais de Leopoldina Joaquim da Silveira que era esposa de  Cassimiro Pereira de Abreu) e de Idalina Garcia Adjunto (filha de Inácio Garcia Adjunto e da infeliz Florinda) pois, os meus avós eram primos (Cassemiro Joviano de Abreu e Florinda de Matos).

    As fotos cuja cópia enviarei por correio por ocuparem muito espaço para serem enviadas via arquivo eletrônico mostram:    

    Cassimiro Pereira de Abreu (fazendeiro da região do Urucuia) e sua esposa Leopoldina Joaquina da Silveira sendo ele filho do coronel Pedro Gonçalves de Abreu e ela filha de Luiz da Silveira e Rosa (filha do Major Raphael e de D. Joaquina). São os pais de meu avô Cassimiro Jovino de Abreu.    

     Manoel Luiz Silveira, Rosa e sua filha Querubina (que morreu em idade avançada e solteira). Idalina Garcia Adjunto, filha do casal Inácio Garcia Adjunto e Florinda (irmã de Rosa e filha de D. Joaquina e Majo e Raphael). Florinda de Matos, minha avó quando nova e esposa de Cassimiro de Abreu.

    Após nosso contato telefônico em 25.12.04 aguardo ansiosamente uma cópia do processo criminal (tire um xerox e envie por correio ou através de Jandira/Dr. Francisco e mande a conta para mim) bem como uma assinatura do jornal “O Barranqueiro”. Qualquer esclarecimento adicional, fotos, etc. basta você marcar um encontro em BH ou em São Francisco (é necessário agendar diante das minhas viagens ao Pará) que terei o maior prazer em colaborar. Quanto ao livro que estão escrevendo gostaria de receber uma cópia do mesmo e, caso queiram, fornecer alguma informação que julgarem necessária.

    Desejando ao Irmão um feliz ano novo extensivo a toda sua família, dou meu, TFA”.

    Finalizando a leitura da carta, Jovane foi remetido àquele tempo, final do século XIX  buscando entender como era a vida naquele sertão inóspito naquela época: as famílias, a cultura, os costumes, as relações sociais, a autoridade e a vida ao arrepio da lei. Sem elementos básicos, valeu-se de dados da  antropologia no sentido lato sensu. Tomou com base a  década de 1950 quando foi instalado um Núcleo da Escola Caio Martins nas ruínas da fazenda Conceição. Tendo como parâmetro a vida social dos moradores da fazenda Conceição e região conheceu como eles viviam em uma sociedade isolada, sem nenhuma assistência governamental, sem estradas, escolas, apoio à saúde e quaisquer dos benefícios disponíveis no meio urbano. Tudo era novidade para eles que, na sua grande maioria jamais fora a uma cidade. Viviam mergulhados no império das crendices, das lendas, dos mitos, do curandeirismo, naufragados na ignorância e de raro contato com pessoas de fora. Assim, o mundo que povoava a sua mente era de ampla escuridão, tudo aceitando no sobrenatural, como natural por não ter contraponto.

 

QUESTIONAMENTOS DE JOVANE

 Na sua aflição, Jovane mergulhou em fatos históricos, na antiguidade para melhor compreender a humanidade, como se comportavam os homens dominados pelo misticismo: deuses do Olimpo, bruxas, duendes,  gigantes, sereias encantadas, fadas e por aí afora. Se era propalada  a história da mula sem cabeça, o poder do famaliá, os assombrações, crenças enraizadas, porque não acreditar no poste encantado que corria pelos campos badalando um sino; no homem que virava cupim (facínora Perneta que infernizou aquelas bandas)....

Jovane lembrou-se que dona Joaquina era conhecida no Urucuia como Joaquina de Pompéu, uma confusão desfeita por informação do mestre Saul Martins. Só esta confusão já é motivo para justificar o temor dos moradores locais no enfrentamento com dona Joaquina. Então, quem foi Joaquina de Pompéu?

Uma mulher extraordinária, nascida em Pitangui em 1750, construindo um verdadeiro império. Ela tornou-se uma figura lendária de Minas Gerais. Foi foi uma das mulheres mais influentes e poderosas do século XVIII e XIX, estando entre as poucas personalidades femininas a participarem do processo de Independência do Brasil. Foi uma mulher à frente do seu tempo e nas localidades onde exerceu a sua soberania, ficou conhecida como Baronesa do gadoMatriarca do Oeste MineiroSinhá BrabaDama do Sertão dentre outros títulos populares, presentes na cultura oral e na literatura. Fatos reais de sua vida misturam-se a contos populares e suscitando uma imagem controversa. Tinha ela a simpatia de Vossa Alteza Dom João de Bragança, que socorreu em diversas ocasiões com gado e dinheiro. Assimn, qualquer pedido que fizesse ao príncipe regente era atendido imediatamente. De acordo com Agripa Vasconcelos, tamanha era a sua influência, que obteve do rei Carta Branca. Isto dava a ela total liberdade de ação, sendo imune à censura, processo e prisões.

Seu poder pode, ainda, ser medido pelo patrimônio que deixou com a sua morte: 11 fazendas, 40 mil cabeças de gado, centenas de escravos, baixelas de prata, bandejas, barras de ouro e outros tesouros. Além de uma imensa área territorial de 48 400 km2 que hoje abrange os municípios de Abaeté, Dores do Indaiá, Bom Despacho, Pitangui, Pompéu, Pequi, Papagaios, Maravilhas, Martinhos Campos, Riachinho e Urucuia. Segundo Vasconcelos as áreas somadas eram maiores do que a Bélgica, Suíça, Holanda, Dinamarca e El Salvador. Sua fortuna hoje seria de aproximadamente 2 bilhões de reais.

O império de dona Joaquina do Urucuia, conquanto muito menor que o de dona Joaquina do Pompéu, era de uma considerável e respeitável extensão. Segundo se vê no Livro de registro das declarações e terras possuídas dentro dos limites de Freguesia da Vila Risonha de São Romão – São Romão (Santo Antônio da Manga, 1855/1855,  consta as declarações do Major Raphael Joaquim de Macêdo, esposo de dona Joaquina: “o abaixo assinado faz ver que possui uma fazenda neste município de Vila de São Romão consignada Fazenda Conceição que extrema com outra que possui no município da cidade de Paracatu...(g.n.)

Considere, atualmente, qual era a extensão territorial  da fazenda Conceição (NCVU- Caio Martins) tendo em vista a direção de sua sede ao município de Paracatu que passa pelos municípios de Riachinho, Bonfinópolis e Dom Bosco. Nas declarações não está consignada a área ocupada em cada município, mas tem-se uma ideia que seja uma faixa, no mínimo, e isto demonstra a extensão da fazenda Conceição. Na instalação do NCVU foi dito que as terras de dona Joaquina englobavam as Fazendas São João, Boqueirão e Rodeio, que ocupavam uma área do atual município de  Riachinho indo às margens do rio Urucuia, divisa com o município de Urucuia.

Distinção dos nomes: a de Pompéu –  Dona Joaquina Bernarda da Silva de Abreu Castelo Branco Souto Mayor de Oliveira Campos. Ela nasceu em 1752 e morreu em 1824. A do Urucuia: dona Joaquina Pereira da Mota. Ela  nasceu por  volta de 1840 (data incerta).

Não estão muito distantes  os períodos de vida e reino das  duas Joaquinas na região Paracatu/Urucuia. Há alguma semelhança entre as duas, apesar da distância de épocas, mas não tão longe assim numa época que o calendário era mais medido pela passagem da lua. Outro fato possível da confusão: as terras de dona Joaquina do Urucuia penetravam no território que, outrora fora de dona Joaquina de Pompéu. E mais: nas terras da fazenda Conceição existiam muitos moradores oriundos da região de Pompéu, os conhecidos pompeanos. Assim, por tradição, é possível que se consagrou a fama do nome JOAQUINA não individualizando qual. Não é impossível entender a situação se voltarmos no tempo, séculos e séculos. Veremos que os mitos gregos surgiram quando ainda não havia escrita, eram preservados pela tradição e transmitidos oralmente pelos aedos e rapsodos, cantores ambulantes. No nosso caso, passando de pai para filhos criou-se o mito JOAQUINA.  Segundo as filósofas Maria Lúcia e Aruda Aranha e Maria Helena Pires Martins no livro Filosofando, “Mito não é lenda, mas verdade, Tem a função de acomodar e tranquilizar o ser humano em seu mundo assustador. A experiência individual não se separa da experiência da comunidade, Consciência mítica – preponderância do coletivo. O Mito não resulta do delírio nem se reduz a simples mentira, mas faz parte do nosso cotidiano, como uma forma indispensável do existir humano”.

            Uma observação interessante fez Domingos Sales, urucuiano, ali da região do Núcleo, fazenda Santa Rita. No livro Fulanos e Sicranos, ele escreveu, abordando a fazenda Conceição: “No dizer de um filósofo de “talk show” de televisão, o mito é a consubstanciação do inexistente, criando-se a possibilidade da realização do irrealizável. De fato, a população admira muito as pessoas de maiores posses e poderes, alçando-as à categoria de mitos, justamente por serem capazes de incrementar certos projetos que aos menos afortunados, se apresentam como impossíveis, pela falta de recursos. Na fazenda da Conceição, ao pé da serra e às margens do ribeirão do mesmo nome, a fazendeira Dona Joaquina Pereira da Mota era uma pessoa que passou à história regional com essa fama. A disparidade de suas posses com a plebe da redondeza era tal que se lhe tem atribuído atos que nunca poderia ter realizado, embora fosse protagonista de alguns feitos fora do normal” (g.n.).

 O urucuiano (Conceição) de então tinha o senso comum, o conhecimento adquiridos por tradição, herdados dos antepassados e ao qual acrescentavam os resultados da experiência vivida na sua  comunidade. Não chegava ao bom senso, pois não atingia a elaboração coerente do saber e como explicitação das intervenções conscientes dos indivíduos livres.  Não teria como adquiri-lo na vida quase isolada do mundo em que vivia. Estulto ele não é, por isso aceita o fato comum como verdadeiro.

        Um dado que pode servir como liame entre as duas Joaquinas: o genro dela Inácio Garcia Adjunto era antepassado de Joaquina do Pompéu.

            Assim, no sentido amplo foi o que encontrou Jovane ao conhecer a lenda de dona Joaquina tendo como fio para a compreensão das narrativas, o escrito por Manoel Ambrósio. Contudo não chegou a um questionamento, aceitando-a como uma única verdade. O povo local e Manoel Ambrósio não ofereceram outra versão. Tendo-a como definitiva, ele escreveu o seu romance “Joaquina – uma lenda urucuiana”. Um tanto melhor que ele não escreveu um fato histórico, pois elementos para tal não encontraria,  além do romance do livro de Manoel Ambrósio, também mais focado na lenda. Existia, de escrito, apenas o processo criminal do julgamento de dona Joaquina em São Romão. Esse processo foi arquivado na Comarca de São Franciscol. Um historiador de São Francisco foi informado que o juiz da Comarca determinara a incinenaração de processos há muitos anos arquivados no Fórum. Ele, então, obteve autorização para separar e apoderar-e, para arquivo público municipal, processos que lhe interessassem entre os descartados. Ele, entre vários processos encontrou o do julgamento de dona Joaquina.  Um descendente (o da carta) de dona Joaquina, sabedor do fato, pediu ao Jovane que fizesse cópias do processo para ele. Solicitado, o historiador negou ceder o processo para aquele fim, alegando que o uso só poderia ser feito pelo arquivo público municipal, isto é, impôs uma exclusividade do deveria ser público. Uma pena, pois depois  de sua morte, apesar de exaustiva buscas, o Jovane, chegou à triste informação: o processo desaparecera. 


 COMO ERA CONCEIÇÃO NO TEMPO DE DONA JOAQUINA

 

    Restou ao Jovane, de maneira singular, ainda sem dados de confirmação,  fazer parte do resgate da história de dona Joaquina do Urucuia.  O seu livro foi publicado contando-se a lenda, tal como conhecida na fazenda Conceição e em São Romão, às vezes com pinturas diferentes, mas com a mesma raiz destacando o caráter de dona Joaquina.

    O Urucuia (Conceição) àquele tempo era um mundo esquecido, absconso nas trevas do isolamento. Assim, o que era dito e aceito pela coletividade se transformava em uma verdade, uma lenda, que é o que se conta. Deu, então, na lenda urucuiana a história de Joaquina. Jovane, com este resgate, não desmente a narrativa anterior, posto que baseada numa lenda, que é o que se conta, mas busca a estabelecer uma linha paralela para justificar, em parte o que se fala e conta de dona Joaquina, deixando evidente que mais se trata de um mito que, verdadeiramente uma história.

    Basta criar um fato inusitado para dar curso a uma história. E são tantos os casos de assombrações, as livusias que contava o Vicente nos saraus em seu rancho assistindo  o nascer da lua cheia no fundo do capão de angicos na beira do rio Conceição. Chamava atenção, também, em toda a região, o poder dos rezadores e dos curandeiros. Famosa era lenda do “Poste badalando sino no escuro da noite”. Assustava os moradores da fazenda e até gente esclarecida, conforme a ocasião. Foi o que aconteceu com Jovane, que  assustado por se encontrar sozinho à noite, na beira da fogueira, ali deixando dormindo pelos companheiros, ao ouvir o badalar  repercutido de um badalo sentiu um frio na espinha, lembrando  da história do misterioso poste que batia sino à noite nos pátios da fazenda, como contavam os moradores da fazenda dizendo ser o espírito de dona Joaquina vagando em suas plagas. Percebendo que estava só, cobriu a cabeça com uma capa. Ali ficou inerte até que, de repente e silenciosamente, alguém chegou e cutucou sua perna. De um pulo ele se colocou de pé, assustado, preparando para correr quando ouviu a voz humana indagando “que foi, seu moço, é eu, o Tonho da Olaria?”. Jovane quedou-se sentado e não disse nada, não quis render a conversa do poste, mas perguntou ao chegante: “que sino é este que está batendo por aí?” Seu interlocutor respondeu: “num é nada não, seu moço, é o burro do seu Carlim, que só anda com o sincero dispendurado no pescoço pra mode ele achá ele de manhã”.  É factível ter outro desfecho fosse um supersticioso morador local naquele episódio, haveria dizer que ouvira passar de perto o poste com o sino badalando., lembrando as lendas antigas da fazenda de dona Joaquina.

Muito mais Jovane teria que revirar para escrever este resgate, mas entendeu que não avançaria muito se restringisse aos depoimentos dos moradores locais – a história, sem dúvida, se repetiria. Quem sabe, um dia, se encontrar o processo criminal perdido sabe-se lá onde, pois o historiador encantou-se, possa ele acender uma luz com alguns esclarecimentos verídicos.

 

 PASSEIO NO CORREDOR DA TOCAIA

Jovane voltou ao cume da serra da Conceição. Poucos metros depois de passar pelo socalco que quebrava a inclinação da ladeira, ele deparou-se com o corredor de pedras conhecido na região como Corredor da Tocaia, suposto local onde os jagunços de dona Joaquina praticavam seus atos criminosos abatendo comerciantes de gado. Um local deveras sinistro, não só pela lembrança de tantos fatos narrados, mas o aspecto soturno do beco espremido entre duas imensas pedras, que não se sabe como foram dispostas separadas longitudiamente por mais de 10 metros. Um paredão de mais de três metros de altura, tendo as paredes lisas, como que talhadas. Impressionante. Ocorreu-lhe, então, o meio de explicar a fama daquele ponto sinistro e amendrotador. Lembrou-se de casos de ranchos assombrados, esquecidos às beiras de estradas, que ninguém ousava visitar. Taperas deixada por algum morador que resolvera partir na arribação.,  Tão poucos os habitantes na região acabavam eles abandonados. Com o tempo ganhavam o aspecto sinistro, amendrontador, porque comum era o homem sertanejo ver coisas onde coisas não existiam. No sertão, mais que em outros lugares, a superstição, o receio do desconhecido, as histórias de assombrações são factíveis de escrever histórias. Jovane recordou, então, do conto de Afonso Arinos no livro “Pelo Sertão”, “O Assombramento”. Que terrível foi a luta do arrieiro Manoel, chefe da tropa, com o desconhecido. E conta que: “À beira do caminho das tropas, num taboleiro grande, onde cresciam a canela de ema e o pau santo, havia uma tapera. A velha casa assombrada, com grande escadaria de pedra levando ao alpendre não parecia descampada...”. A aventura do tropeiro  Manuel Alves nela passando uma noite foi de arrepiar deixando-o, no raiar da manhã, em estado catatônico repetindo, quase a balbuciar: “eu mato.. eu mato”, referindo-se aos assombrações que enfrentou em renhida luta, contra o nada, durante a noite até se prostrar desmaiado e ensanguentado de tanto lutar e atacar o nada. E não faltou o pote de ouro, muito comum nas histórias de assombrações, disto lembrava Jovane das histórias contadas por sua mãe Júlia pondo-o a dormir.

 

O PERNETA

Outro acontecimento que remete Jovane ao campo do absurdo foi a passagem do celerado Perneta pela fazenda Conceição. Ele ainda estava no Núcleo quando lá chegou a notícia que  um bando de salteadores de propriedades estava atuando na região sob o comando de um bandido que respondia pelo nome de Perneta, certamente por ter um defeito físico em uma das pernas. Segundo era narrado na região, o defeito não diminuia em nada a ferocidade dele que roubava e matava quem obstasse as suas investidas. Mais do que a notícia foi a presença de um delegado Polícia no Núcleo, com um grupo de policiais requerendo alguns animais para compor a sua tropa já cansada de tantas incursões atrás do bandido e seu bando na região.  Recebeu apoio e partiu ao encalço deles lá pelas bandas da serra do Constantino indo para o rumo de Vargem da Galinha e Confins.

Dias depois o delegado retornou ao Núcleo devolvendo os animais dando como termo a caçada do bando. Indagado a respeito ele disse que abateu todo o bando, que resistiua prisão, menos o Perneta. Fizeram o cerco deles com o Perneta comandando, isto foi visto. No final do entrevero, cadê o Perneta? Sumiu misteriosamente. Aí, um matuto ouvindo a história deu seu veredicto: “ué! ele virou cupim”. Corria a lenda na região que o Perneta quando sitiado se transformava em cupim. Como ninguém dava importância ao contado, nenhum cupim era desmanchado. Lenda ou não, o Perneta virava cupim segundo os moradores da região.

 CORPO FECHADO

As lendas, que poderiam parecer, como de fato parecem, um absurdo, eram muito comum na região. Outra delas era a do “Coro fechado”, o homem que sabia de rezas que o protegia de qualquer tipo de ferimento,  tiro ou facada, ele tinha o corpo fechado.

Jovane lembrou de um julgamento ocorrido em São Francisco em que o advogado de defesa, na impossibilidade de livrar seu constituinte apenas com base nos fatos reais, apelou para a crendice do corpo fechado. Induziu o júri, com o testemunho de algumas pessoas, que o réu (dono de um boteco na zona rural) fora atacado pela vítima que portava uma faca. Queria porque queria atacá-lo alegando ter sido por ele vilipediado. O dono do boteco, réu, tirou uma garrucha da gaveta e apontou para ele. Não adiantou. Berrando alto que tinha o corpo fechado, avançou sobre o vendeiro e a ele  não restou outra alternativa do que atirar. Resultado, o corpo fechado, no caso, era falácia e o agressor morreu na hora atingido pelo tiro. O júri aceitou a tese. É que o júri  é formado por pessoas do povo, e aí...

 

 CRENÇAS ARRAIGADAS

 

Jovane lembrou, ainda, de outros casos na abordagem da crença popular tão comum aos moradores da fazenda,  que a pessoas  esclarecidas poderiam ser tomados como um absurdo, ignorância,  mas que para as pessoas mais simples, sem cultura, sem maior contato com os meios urbanos, sem escolaridade, e sobre tudo pela tradição, pelo empirismo, eram fatos incontestáveis. Lembrou então de tantos procedimentos que eram práxis na vida da população ainda em tempo mais recente, na Conceição.

REZADOR

Jovane teve prova inconteste da ação de um rezador. Conhecido na Conceição e, depois, em São Francisco, o Vicente Barbosa, que curava bicheiras de animais com  reza, e mais, curava até mesmo pelo rastro do animal infestado. Jovane não encontrou explicação para o fato, apenas a constatação da cura. Da mesma forma tinha o Vicente rezas para afastar cobras e até mesmo curar a pessoa ofendida por uma venenosa. Fato: onde morava Vicente era raro encontrar uma cobra.

Não menos interessantes são os casos das benzeções para quase todo tipo de doença:

ESPINHELA CAÍDA: também conhecida por lumbago, designação popular de uma doença caracterizada por forte dor no peito, nas costas e pernas, além de um cansaço anormal que acomete o indivíduo, ao submeter-se a esforço físico;

QUEBRANTO: suposta influência maléfica de feitiço, por encantamento a distância; dada que o olhar de algumas pessoas produzem em outras;

RESPONSO: reza para encontrar coisas perdidas. Por comum, a oração mais empregada invocava  Ó beato Santo Antônio, que ao monte Sinai subiste, o teu Santo Breviário perdeste, em busca dele volveste muito triste e uma voz do céu ouviste:  Antônio, torna atrás, o teu santo Breviário acharás em cima dele Jesus Cristo vivo, três coisas lhe pedirás: O perdido achado, o esquecido lembrado e o vivo guardado. Os resultados surpreendentes não espantavam os crentes, apenas confirmavam a sua fé".

DOR DE CABEÇA E OUTROS MALES. Jovane viu, por diversas vezes, a ação de uma benzedeira utilizando ramo de arruda: viu murchar, durante a benzeção o galho de arruda e  a pessoa benzida dizer-se curada. Não buscou explicação, pois não a teria. Não está explícito na bíblia, palavra de Jesus que  “a fé remove montanha – Mt 17:20?”

Pessoas tantos, conforme o seu meio, acredita piamente no que lhe contado ou passado por seus antepasados. Acreditam simplesmente por acreditar sem qualquer interesse ou necessidade de buscar qualquer explicação. Pelo contrário, rejeitam qualquer explicação em contrário.

 

DESPACHOS EM  ENCRUZILHADA

Encruzilhada ou encruza (o cruzamento de ruas de uma cidade ou em estradas), é um lugar onde são feitas oferendas a Exu e Pomba gira. Estas oferendas têm as mais variadas funções, como proteção, prosperidade, descarrego, entre outras. A encruzilhada aparece ainda, em uma ocorrência então muito comum no sertão: onde aquele que conseguisse um ovo de galo o colocaria debaixo do braço para obter, depois de quarenta dias, o famaliá (pequeno demônio que prendia em uma garrafa e que lhe atendia toda forma de pedidos, principalmente o amelhamento de riqueza mediante um pacto: entregar-lhe, depois de morto, a alma.

 

PROMESSA NÃO CUMPRIDA

“Eu devo um galo a Asclepius. Peço-lhe que pague por mim”. Foi o pedido de Sócrates aos seus amigos antes de beber a cicuta que o levaria à morte. Ele não queria ir para outra banda da vida sem pagar promessas feitas e esquecidas.

Jovane recebera de um descendente de dona Joaquina do Urucuia uma cópia do processo a que ela respondera na comarca de São Romão, que fora encontrado por um historiador de São Francisco no fórum da Comarca local. Conhecendo o fato e sendo amigo do historiador prometeu fazer a cópia. Debalde o peditório – o historiador negou o pedido. Jovane, por outro lado, não deu uma solução ao caso, sempre na esperança de poder encontrar o processo nos arquivos da entidade a que fora destinado (?). Nada. Infrutíferas foram as buscas. A situação tornou-se mais grave ainda com o falecimento do historiador. Perdera-se o fio de Ariadne. Pior foi a inércia de Jovane no deslanche do caso não levando uma resposta ao parente de dona Joaquina. Na verdade, não foi de tanto omisso ou indelicado, pois acreditava que ainda encontraria o bendito processo. O tempo passou e nada. Nada.

Mais complicada ficou a situação com a publicação do romance “Joaquina – uma lenda Urucuiana”, cuja composição já se encontrava pronta e encaminhada ao prelo pela mãos do amigo Dirceu Lelis. E assim foi.

Em certo dia um temporal, como dos poucos precipitados em São Francisco,  provocou uma inundação no escritório de Jovane,  causado por avaria no telhado, não previsto. Os documentos arquivados em uma prateleira foram literalmente ensopados, de escorrer água. Na recuperação de documentos, Jovane deu com as vistas na carta do descendente de dona Joaquina e, ao relê-la viu o recado final: o pedido de cópias do processo do julgamento dela. Lembrou, ainda, que não dera uma solução ao pedido. Aborreceu-se com o fato  posto ter decorrido um lapso de tempo considerável e, com isso, julgou que seria tarde para voltar ao assunto com o amigo.

Penitenciou-se, então, da única maneira que julgou conveniente: rever os fatos que o levaram a escrever o romance “Joaquina – uma lenda urucuiana” e, diante da carta do amigo, buscar fazer um contraponto entre as duas versões. O por que apenas os fatos ligados à lenda passaram para a história? Por que não se cogitou buscar entender a situação social da época? Assim, decidiu escrever este texto. Sabe que não mudara o que foi escrito no romance, posto que divulgado ainda que como uma lenda. Contudo, procurou demonstrar que é possível encontrar explicações para a vida, o comportamento e a fama de perversa atribuída à dona Joaquina. Estabelecendo um paralelo entre as duas Joaquinas, o seu tempo, a sua influência e o mundo em que vivia, é factível de entender e até aceitar que houve exagero, e muito, na lenda de dona Joaquina do Urucuia.

Jovane virou a página encerrando seu questionamento, fechou a história, não mais uma lenda.

Restou, então, para os futuros pesquisadores – se a alguns aprouver – afinal, quem mesmo foi dona Joaquina Pereira Mota?







 

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