sábado, 26 de outubro de 2024

O CERRADO – IV

 

O buriti merece uma referência especial, pois ele é parte da vida do homem quanto à sua sobrevivência nos gerais,  e uma fonte de inspiração  para escritores, lembrando, em especial, Guimarães Rosa e Afonso Arinos. Na singeleza de um verso, Guimarães reproduz o em canto do buriti: “Buriti, minha palmeira./ Lá na vereda de lá:/ Casinha da banda esquerda./ Olhos de onda do mar”. Afonso Arinos, em Pelo Sertão,  homenageou o buriti como um herói, de porte gigante, a contar histórias como o Buriti Perdido: Velha palmeira solitária. Testemunha sobrevivente do drama da conquista, que de majestade e de tristura não exprimes, venerável epônimo dos campos!  No meio da campina verde, de um verde esmaiado e merencório, onde tremeluzem, às vezes, as florinhas douradas do alecrim do campo, tu te ergues altaneira, levantando ao céu as palmas tesas — velho guerreiro petrificado em meio da peleja! E, com uma singeleza sem par, em curta sentença, ele foi capaz de  cantar ao mundo, toda a beleza escondida (ou perdida) do buriti: “Poeta dos desertos, cantor mudo da natureza virgem dos sertões, evohé!”.
    Audálio Lisboa, poeta januarense, que mergulhou no sertão urucuiano como diretor do Núcleo Colonial Vale do Urucuia (Caio Martins/Conceição), caiu de encanto pelo buriti e o descreveu em uma página memorável: “A relação do homem com o buriti é do nascimento ao morrer. Dele faz a sua casa, seu berço, sua cama, mesa e cadeira, o chapéu, a carocha, corda, o laço, o cesto,o balaio, a  gaiola o, brinquedo, a rede que vai levá-lo à última morada e a cruz que vai marcar seu leito eterno. O buriti ainda lhe dá o fruto saboroso para licores e doces”.  
    Domingos Diniz, sertanista apaixonado pelas veredas, emenda: “Da medula extrai uma fécula parecida com sagu, muito usada pelos índios; do tronco ou espique tiram-se talas para cercas, para fazer ninhos de galinha. Do pecíolo – popularmente chamado braça pelo sertanejos –, faz-se variado artesanato (gaiola, alçapão, brinquedos, miniaturas dos vapores do São Francisco). Da folha, ainda fechada, tira-se a seda, tira resistente para fazer rede, cabresto, cordas para usos diversos, bocapi, esteira. Com folhas maduras, tiradas sempre na luz crescente, cobrem-se as casas ou ranchos.  Da polpa faz-se a saeta (sageta ou sagita), depois de seca ao sol, junta-se-lhe rapadura ou açúcar  – com água quente ou fria obtém-se a jacuba. Do caule extrai-se um líquido adocicado que os sertanejos dão o nome de vinho. Da amêndoa obtém-se um óleo, uma das maiores fontes de vitamina A. Da espata da palmeira faz-se o barrileiro onde se prepara a decoada para o sabão, Usa-se, ainda, para bicas de água”.
    A vereda, berço do buriti, é o caixão que recebe as águas do cerrado, onde brotam fontes que vão formar córregos e riachos, que alimentam o São Francisco. As veredas estão sendo extinta, logo...

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