sábado, 11 de novembro de 2017

EDVALSON – GALINHA TONTA

Três meninos – dois louros e outro oriental – invadiram o sonho de Edvalson, um menino humilde de um dos bairros mais pobres da cidade, nos seus sete anos. Em três diferentes idiomas conversaram com ele, contaram casos, deram lições. De manhã, como se ainda estivesse sonhando, ele chegou junto à sua mãe, uma pobre e humilde mulher egressa do meio rural, sem conhecimentos, sequer, do alfabeto da língua pátria, e contou-lhe o seu sonho. Sem perceber o que falava, o menino indagou à mãe coisas numa língua diferente – era tão diferente que ele ia mudando do modo de falar, como o correr de uma enxurrada. A pobre mulher foi tomada de um enorme temor – “é sprito ruim. Meu fio endoidou”. Falado isso, agarrou-o pela mão e saiu em disparada, quase chorando, pela rua afora. Caminhava quase correndo, o coração batendo na boca, quase a saltar e foi esbarrar na porta da casa paroquial. “Pade Francisco, me acode, meu Edvalson tá com sprito ruim. Tá falano de modo de num entendê nada-nadinha. Qui é isso, pade, pelo amor de Deus?” O padre Francisco no seu modo seco e sem rodeios, jeito comum dos alemães, foi direto ao caso. “Que é que tem, menino?”.Recebeu a resposta em alemão, primeiro, que era a língua dele; depois em inglês conhecido dele e, depois o japonês, que era de origem tão diferente. O padre se assustou e arregalou os olhos. “Esse menino falou em alemão e inglês, é o que sei. A outra língua deve ser oriental, o que não entendi nada”. E conversou muito com o menino. Ficou sabendo da história do sonho dele, mas não deu trela ao caso e a história ficou no esquecimento, com a mãe vigiando-o sempre.
Do ocorrido, naquela época teve conhecimento, além da mãe de Edvalson, a dona Maria dos Reis – esposa de Adão Barbeiro.
O tempo passou. Aos quinzeanos, por saber e dominar as três línguas, Edvalson fez amizade com uma família de japoneses aqui aportados por volta de 1972 (Yamamoto) e com o próprio padre Francisco, a quem aborrecia sempre, querendo conversar e quase sempre não encontrava espaço, pois aquele era muito ocupado e irritadiço. Conheceu, também, um casal de americanos (pastor Mackie Adam – Igreja Batista) que por aqui um tempo viveu.
Na rua, já maiorzinho, ele gostava de frequentar os ambientes onde havia crianças.  Se crescia no corpo, criança ficava no espírito, e, por isso, a meninada o adorava. Por imposição da mãe, não falava “aquelas línguas estranhas” com elas, apenas gostava de brincar, contar histórias e distraí-las com um assobio peculiar, só dele.
Abriu-se um espaço em sua vida, já saído da adolescência e foi parar em São Paulo, onde sua habilidade com as línguas chamou atenção. Foi contratado por uma empresa para traduzir catálogos de compra, do japonês para o português e, com isso, acompanhando o empresário, fez até uma viagem a Kioto – despertava atenção em todos, especialmente os japoneses: “quem era aquele mulato que falava o japonês?”. De volta ao Brasil, enganado pelo empresário (chegou e falou que ia pagar pelo serviço na viagem e não pagou), foi para Belo Horizonte, fazendo bicos como vendedor de coxinha na entrada do aeroporto da Pampulha, onde conversava fluentemente, em inglês, com turistas americanos, o que chamou atenção de um carregador que levou informação para diretor do aeroporto, que quis contratá-lo como tradutor. Tendo passado no estágio, foi convocado para apresentar seus documentos para fim de assinar  contrato – diploma. Decepção: dois únicos documentos preenchiam seu currículo – o diploma do curso primário (1ª à 4ª sériese – do MOBRAL) e a certidão de nascimento. Perdeu o emprego e voltou para São Francisco onde passou a viver com sua mãe.

2 comentários:

  1. Na minha humilde opinião, era para o governo aproveita-lo e dar toda uma estrutura para desenvolver o oficio que aprendeu, ajudando a comunidade onde esta inserido. Além de remunera- lo , obvio.

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  2. Haviam tantas pessoas a sua volta que poderiam apenas orientar. A mãe analfabeta e a criança sem orientação alguma. A comunidade poder ter orientado de alguma forma, o tal padre poderia , os pastores que o conheceram... Fica a lição, as pessoas só querem fazer a caridade, se elas forem o centro da atenção. Muito triste ver o egoísmo em volta de alguém que foi abençoado de forma única!

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