sábado, 21 de outubro de 2017

CAIO MARTINS, RETRATO DE UM BRASIL DE HOJE

                                                                                                           XII - Parte  

CARINHANHA
Núcleo Colonial do Vale do Carinhanha, fundado em 1953, ganhou novo nome em 1996 – Juvenília, a cidade dos jovens, batizada por Antônio Montalvão, um visionário, espírito empreendedor, fundador da bela cidade de Montalvânia cujas ruas ele batizou com nomes de filósofos. Eu tive uma pequena participação na história do Núcleo trabalhando, dois meses depois de sua fundação, como jovem estagiário, com 14 anos e no primeiro ano do Curso Normal Regional – de cedo a Caio Martins trabalhava na formação de cidadãos, homens para a lida. A minha função (eu e Raimundinho não tinha nada a ver com o currículo (teoria) do nosso curso, mas claro, levado ao trabalho tinha na formação do caráter – fomos destacados para trabalhar na olaria,  batendo tijolos. Orgulho-me disso, pois foram os primeiros tijolos que foram empregados no
levantamento das casas do núcleo.
O NCVU, nos primeiros anos, teve como diretor Antônio Ortiga, carinhosamente chamado de Tio Ortiga (era  pai de dr. Heráclito e dr. João Ortiga, figuras de destaque no cenário são-franciscano), sargento
Edson do Vale, Raimundo Melo, sargento (no período da Polícia Militar). O ensino no Núcleo ganhou muitos reforços de professores formados em Esmeraldas, entre eles, Walter de Oliveira, que marcou época.

Eu, Raimundo e Holms batendo tijolos
Voltei ao Núcleo, muitos anos depois do estágio, como diretor de Centros e Núcleos e de Setor de Produção da Fucam, funções que me levavam a visitar todos os núcleos da Fundação, de dois em dois meses. Nesse retorno encontrei como diretor Geraldo Ribeiro, o Nenen, filho de Geraldo Ribeiro (Barraco) ex-chefe de lar na Escola de Esmeraldas. Ele formava um formidável casal com Iolanda (Landinha), cuja família morava na outra margem do rio Carinhanha,  Bahia. As visitas àquele núcleo eram especiais e por vários motivos. Primeiro pela atenção e carinho do casal e, depois, pelo trabalho dinâmico e altamente proveitoso do Geraldo, que transformava aquela unidade em um centro fervilhante e em franco desenvolvimento. Iolanda era imbatível na cozinha, tinha prazer de tratar bem seus comensais – inigualável a sua macarronada.  Eu aproveitava a oportunidade de suas refeições para registrar o que produzia o Núcleo para municiar a sua cozinha e a do lar dos alunos – era o que produzia o Núcleo. Em uma das minhas visitas anotei que o arroz, o feijão, a abóbora, a verdura, a mandioca, a farinha, o tempero, tudo fruto dos alunos do Núcleo, da fazenda Cantinho e da horta nas margens do rio Cochá, afluente do rio Carinhanha.


Barracas: nossa pousada no núcleo
A fazenda Cantinho é muito especial, localizada numa faixa de terra que lembra uma península, pois é cercada pelo rio Carinhanha em três lados, ficando apenas um lado de escape. Terra fertilíssima, pois é, anualmente, banhada pelas águas do rio que deixam nela o rico húmus. Ali, naquela época, a produção de arroz era fantástica, no período da chuva e, igualmente de feijão, na seca. Na fazenda foi construído um lar, que abrigava um número de alunos, que ali estudavam e trabalhavam no campo.   Acesso à fazenda por terra, à época, era muito difícil, pois a estrada, com muitos bancos de areia, era quase intransponível por veículos automotores. Mais comum era o uso do carro de bois. Indo de carro, embora não fosse muito longe da sede, a viagem tomava horas, na maior parte empurrando e desatolando os carros presos na areia. O melhor acesso era feito pelo rio, de barco. A viagem não era muito demorada (descendo), mas compensava pela beleza da paisagem nas barrancas dos dois lados – Minas e Bahia, e os intermináveis meandros do rio que deslizava rumo ao São Francisco, coleando como imensa cobra.
Ali, na região lindeira de Minas com a Bahia, o último vestígio de civilização do Norte de Minas, alteavam-se as vozes juvenis com toda alegria. Aquela região esquecida, antes coberta de densas matas, passou a ser um ponto de apoio para moradores da região que, antes não tinham como proporcionar o estudo para os filhos, como recorrer em caso de doença e, sobretudo, para um contato com o mundo.
As fotos abaixo mostram a Juvenília atual, a realização da profecia de Waldemar Malburgues de Oliveira, diretor da revista Minas Magazine em discurso no jantgar de despedida da Bandeira do Carinhanha: “Vós, os moços, podereis suportar tamanhas provações? Se resistirdes a tudo e, amanhã, transformarde aquelas quase selvas num aglomerado humano e, que sabe, mesmo numa cidade diferente…”






 João Naves de Melo

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