sábado, 3 de fevereiro de 2018

COLÓQUIO SAUL MARTINS *

Saul Martins de formação militar, poderia ter seguido a carreira das ciências jurídicas, como poderia ser mestre da Matemática, por sua vocação cartesiana.
Nada disso. Ele seguiu o caminho das ciências humanas. Doutorou-se em Antropologia e dedicou-se ao estudo da cultura popular tradicional. Qual força o levou à opção pelas manifestações folclóricas?
Recuemos no tempo e no espaço
Mil novecentos e dezessete, Começo do fimda 1ª grande guerra. O mundo em transformações. Mês de novembro. Início das águas, período das chuvas. O sertão está em festa. O cerrado viçoso.  Desabrocham-se as flores multicoloridas. As mangabas estão caindo, madurinhas. Os pequizeiros carregados de frutos verdes. O grão-de-galo cheira longe. O cajuí ou caju do mato se oferece com seu travo gostoso. O cerrado, este pomar vastíssimo e sem dono é habitado por todos os bichos de pena e de couro.
O rio São Francisco toma as primeiras águas barrentas. Cresce. No fundo o caboclo d´água brinca com o surubim de bigode. A mãe d´água penteia os cabelos de ouro.
O vapor apita lá no pontal. Vem da Bahia, carregado de gente, sal querosene e algodão em rama.  No porto dos peixeiros a velha barca do coronel Caciquinho carregada de rapadura e cachaça, pronta para zarpar com sua bela carranca na proa. Uma velha preta vende beiju-cambraia com café quentinho. No varal do açougue luzem mantas de carne seca dois pelos. Mais adiante, no terreiro, debaixo de uma latada, uma animada rodada de lundu. Na política, a luta dos luzeiros e escureiros pelo poder é braba. No caminho da fazenda “Serrote” para a cidade, nasce prematuramente um menino de 6 meses. A mãe, dona Maria Moreira Martins, põe-no em uma caixa de sapatos cheia de algodão e o entrega à Nossa Senhora. O pai, Justino Alves Martins, fica alegre e apreensível. O menino salvará? Dá-lhe o nome de Saul Martins.
O menino sobrevive. Cresce. Mora na rua do Caminho do Brejo.
De pé no chão e de calças curtas, o menino toca arco ou roda, solta papagaio, toma banho pelado no rio, no cais de cima.
O menino se torna exímio canoeiro. Aquele toquinho de genteno piloto da canoa. Vai para ilha chupar melancia. Monta em cavalo-de-pau. Entrapara escola pública, depois Grupo Escolar Bias Fortes. Já rapazinho, vai para a fazenda do pai, onde faz de tudo. Capina na roça. Guia carro-de-boi. Trabalha na desmancha da mandioca, fazendo farinha; na moagem de cana. Engenho de pau.  Faz rapadura e cachaça da boa. Monta a cavalo nas vaquejadas pelo cerrado e caatingas. Na cidade trabalha na distribuidora do Laboratório Raul Leite. Decora todas as fórmulas do remédio. É o primeiro a matricular-se na recém Escola Normal.
Está explicada a opção de Saul pela Antropologia, pela ciência do Folclore, pelos aedos populares, pelo ethos do povo.
A força atávica do São Francisco, a meninice solta nas ruas de Januária e o espírito forte das carrancas nas proas das barcas de frete.
  • Esta belíssima crônica foi escrita por Domingos Diniz no dia 10 de agosto de 2001, à época presidente da Comissão Mineira de Folclore, que também foi presidida por Saul Martins, cofundador da instituição..
Euguardava em meus arquivos esta bela página que, agora, levo ao Portalveredas como uma homenagem dupla: ao autor, o caro amigo Domingos Diniz, por sua arte e sensibilidade, e a Saul Martins, nosso grande mestre, ambos encantados.
GANDARELA
Gandarela. Gandarela
Últimos suspiros
Deum povo
Gandarela. Gandarela
Derrota-a como ao cerrado
A ganância econômica
E a desgovernança
Amanhã o lamento.
Sem remédio.
BH, Montes Claros
Amanhã.

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