No dia 20 de novembro, feriado nacional, celebra-se a importância da cultura e luta do povo negro contra o racismo e a opressão. É oportuno que se faça uma revisão sobre a história do negro no Brasil e, consequentemente, ao fio da nossa etnia. Então, somos levados a ultrapassar a antropologia detendo-nos em um aspecto singular, o que certamente mais fala do negro em nossa formação: à sua personalidade e à sua alma. Isto pode ser visto no fantástico livro MÃE ÁFRICA de Fidêncio Maciel de Freitas, que nos leva a mergulhar na África onde ele viveu na República Camarões por mais de quatro anos como diretor de uma grande construtora brasileira. Interessado apaixonadamente pela África, escreveu o livro revelando religiões, crenças e costumes africanos com singularidade e honestidade – uma obra apaixonante de imenso valor histórico e cultural.
Na apresentação do livro, ele delineia o seu conteúdo fundamental: “Nada mais ultrapassado do que discutir superioridades raciais. Os homens são iguais, embora as culturas sejam diferentes. Usando uma linguagem moderna podemos dizer que o homem é uma máquina viva, dotada de um computador. E o que diferencia um indivíduo do outro não é a máquina, nem o computador, mas o software instalado em cada um. Este software é a cultura da pessoa, no seu sentido mais amplo. Acrescente-se a esta definição materialista o sopro de Deus, já que o homem é um ser religioso, mesmo que, às vezes, possa não aceitar esse fato”. Ele cita Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala) uma verdadeira ode referencial à nossa etnia: “Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo (...), a sombra, ou pelo menos a pinta do indígena ou do negro (...) A influência direta, ou vaga e remota do africano. Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera da vida trazemos quase todos a marca da influência negra da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolengando na mão o bolo de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho de pé de uma coceira boa, da que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama-de-vento, a primeira sensação completa de homem, do moleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo”.
Tudo resumido não há de se negar, nem estender polêmicas, somos uma nação com uma bela mescla: branco, negro e índio. E Deus seja louvado!
A ÁFRICA – II
Ao ensejo da comemoração da Consciência Negra, que implica num conceito que a todos interessa pela formação do povo brasileiro, vamos dar um giro ao grande continente africano.
Na África, onde ficou a alma do negro? Nas savanas, florestas, rios, lagos, vales, animais, choças, instrumentos de caça e de trabalho, nos cantos e ritos livres, na voz da natureza, no murmurejar dos rios e fragmentar de cachoeiras, nos perfumes inebriantes da flora e tudo resumido no espírito coletivo: homem – terra na liberdade plena do seu assentamento milenar na Terra-Mãe. Ah! África milenar! África do Kilimanjaro de pico nevado beijando o céu, das cataratas da Vitória cavando abismos, dos lagos alimentando veios d´água, que serpenteiam suas extensas planícies. África milenar que na travessia da história traça os fios da civilização na estrutura de Lucy. Do ouro, do diamante, do marfim, objetos da cobiça de homens que, não satisfeitos em usufruir e usurpar seus bens naturais foram além, quiseram o homem dele fazendo seu escravo ou objeto de riqueza no comércio humano. Alex Haley em tintas vivas e marcantes pela ignomínia, no livro RAÍZES, descreve com realismo a escravidão, o desenlace extraordinário de tudo que naturalmente existia, a posse vital, que ao negro foi roubado arrancando-o da sua terra. Roubaram-lhe a Mãe-África e o levaram a um mundo que lhe era estranho em todos os sentidos. Contudo, como dádiva para a nova nação, da Mãe-África ele trouxe traços de sua alma base de uma nova raça. Por curiosidade, um são-franciscano quis conhecer a sua ancestralidade e para isto recorreu ao laboratório Genera fazendo o teste de ancestralidade genética e como resultado, ainda que considerado branco, teve como resultado que seu DNA procedeu de diversas regiões da África, concluiu, como Fidêncio, que a cor da pele não significa nada, pode ser a “máquina”, mas não o software.
São tantas as histórias, romances, poesias e músicas que buscam descrever a sanha do negro arrancado de sua terra-mãe, que com seu o trabalho, a sua arte e a sua alma, transformou-se em uma agente na criação de novas nações. Encontramos na literatura pátria registros do grito lancinante de revolta de autores diante de tão aviltante ignomínia, dentre eles Castro Alves em dois plangentes poemas: Vozes da África e Navio Negreiros, que em tempos idos eram declamados nas escolas primárias despertando nas crianças o conhecimento da etnia brasileira. Melhor, muito melhor, que o estardalhaço que se vê nos dias atuais sem sequer dar conhecimento daquilo que é mais importante para nossa nação: o que somos!



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