João Naves de Melo - Membro da Comissão Mineira de Folclore
DANÇAS DO SÃO FRANCISCO
Sétima parte
O QUATRO
É uma dança divertida, que exige muita destreza e atenção dos dançadores, pois, ao mesmo tempo, eles cantam e tocam seus instrumentos - violão, viola, rabeca, caixa – podem alternar com pandeiro, reco-reco e balainho. Comumente, como indica o nome, são quatro dançadores que formam uma pequena roda e, ao som do batuque e do canto, iniciam interessante coreografia, trocando de lugares numa evolução dinâmica com muita graça. Às vezes, conforme o número de dançarinos, executam a dança com oito elementos, o que é mais complexo, exigindo-se redobrada atenção e destreza, pois o cruzar de parceiros, tocando seus instrumentos, faz com que muitos têm que se desvencilhar dos braços dos violões e violas e do arco da rabeca, que rodopiam no ar, sem perder o passo que é muito dinâmico e sempre rotativo.
Câmara Cascudo registra a dança com o nome de Quatragem - dança popular do interior de Minas Gerais. Bernardo Guimarães a registrou em seu romance o Seminarista (1872): “A quatragem é a dança pitoresca dos nossos camponeses, dança favorito do roceiro em seus dias de festa, e as delícias do tropeiro, nos serões do rancho, após as fadigas da jornada. Dança vistosa e variegada, entremeada de cantares e tangeres, cantiga maviosa, já freneticamente sapateada ao ruído de palmas, adufes e tambores. Sem ter o desgarre e desenvoltura do batuque brutal, não é arrastada e enfadonha como a quadrilha de salão; ora salta e brinca estrepitosa e alegre, se requebra em mórbidas e compassadas evoluções. Como o próprio nome indica, forma-se um grupo de quatro pessoas. A música é desempenhada pelos dançantes, que, além de uma garganta bem limpa e afinada, devem ter nas mãos ao menos uma viola e um adufe. Há uma quantidade incalculável de coplas para acompanhar esta dança, e a musa popular cada dia engendra novas. São pela maior parte toscas e mesmo burlescas e extravagantes; todavia algumas há impregnadas dessa maviosa e singeleza poesia que só a natureza inspira”.
Em São Francisco o quatro ou quatragem não fugiu das origens. É a animação das festas, principalmente no solstício de verão, quando os foliões saem na sua jornada para adorar o Menino Jesus. Não há Folia de Reis sem o Quatro, que é a preferida de todos. A dança, por si, enche os olhos. As letras sempre lembram os animais da preferência do folião, ligadas à uma paixão, ou contam histórias passadas na comunidade – o pesquim, como dizem.
Uma das quadras divertidas do folião Locha:
Vô mimbora/Vô mimbora, não/Xô, meu canarinho/Oê, minha sabiá/ Canarinho nas primeiras águas/Subiu na roseira pegou a cantá/Canarinho é meu amô/Sabiá o meu pena/ Na lua vai quem qué/La num tem prefeito e fiscal/Nem Veríssimo, nem Badé/Lá os cachorro veve a cuma qué.