sábado, 23 de dezembro de 2023

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

  Nota: Esta monografia será dividida em capítulos, 

mais curtos, para uma melhor leitura.


Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro



EM BUSCA DAS ORIGENS - IV


Razões óbvias*, como veremos em posteriores capítulos, levaram-me a dedicar mais espaço ao desenvolvimento da pecuária na região do São Francisco. Além do trabalho no engenho e outras finalidades, a criação de gado era, também, atrelada à exportação de tabaco, como registrou André João Antonil,  em 1711: “Para que se faça justo conceito das boiadas que se tiram cada ano dos currais do Brasil basta advertir que todos os rolos de tabaco que se embarcam para a qualquer parte vão encourados e sendo cada um de oito arrobas, e da Bahia a  cada ano pelo menos vinte e cinco mil, e dos das lagoas de Pernambuco dous mil e quinhentos, bem se vê quantas reses são necessárias para encourar vinte e sete mil e quinhentos rolos.” (Cultura e opulência do Brasil). E mais: boiadas  eram retiradas para as cidades, vilas e recôncavos do Brasil, para o açougue, fábricas e fornecimento de leite.

Antonil, em seu estudo destaca a pujança do setor, como valor econômico e sua influência na expansão da Colônia:  “A casa da Torre (da família de Antônio Guedes de Brito) tem duzentas e sessenta léguas pelo rio São Francisco, acima à mão direita, indo para o sul, e indo do dito rio para o norte chega a oitenta léguas (...) do Morro do Chapéu (Bahia) até a nascença  do Rio das Velhas, cento e sessenta léguas. E nestas terras, parte os donos delas têm currais próprios, e parte são dos que arrendam sítios delas (...) E, assim, como há currais no território da Bahia e de Pernambuco, e de outras capitanias, de duzentas, trezentas, quatrocentas, quinhentas, oitocentas e mil cabeças, assim há fazendas a quem pertencem tantos currais que chegam a ter seis mil, oito mil, dez mil, quinze mil e mais de vinte mil cabeças de gado, donde tiram cada ano  muitas boiadas, conforme os tempos são mais ou menos favoráveis à parição e multiplicação do mesmo gado e aos pastos assim nos sítios como também nos caminhos.”

A pujança da atividade pastoril na região do São Francisco  em  era mais recente, tem o registro da fazenda da lendária Joaquina de Pompéu, denominado um “Principado”  pelo barão Georg Wilhlem Freyreiss, no final do século XVI. Era um assombro a extensão da fazenda, uma área representada, atualmente, pelos municípios de Pompeu, Abaeté, Dores do Indaiá, Paracatu, Pitangui, Papagaios, Maravilhas e Martinho Campos. Com sua morte, em 1824, ela deixou para seus herdeiros um milhão de alqueires de terra, 53.932 reses de cria, 9 mil éguas, 2.411 juntas de bois.

Joaquina de Pompéu e tantos outros criadores de gado escreveram parte da história do Brasil, demonstrando o que representou a atividade rural e a criação do gado.

·         O município de São Francisco, em tempos mais recentes tinha o quarto rebanho bovino do Estado de Minas Gerais.


sábado, 16 de dezembro de 2023

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

 Nota: Esta monografia será dividida em capítulos, 

mais curtos, para uma melhor leitura.


Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro


EM BUSCA DAS ORIGENS - III

A criação de uma nova nação ganhava forma, ainda que atrelada à Europa (governo em Portugal e o comércio com outras nações). Como anteriormente destacado, favoreceu o desenlace a implantação da cultura da cana e do tabaco ocupando vastas áreas na região do Nordeste, especialmente Bahia e Pernambuco, e o café no sul, regiões litorâneas. Então como se deu o avanço rumo ao interior chegando à região do rio São Francisco? Celso Furtado em citação  de Francisco M. P. Teixeira e José Dantas analisou o fato: “Ao expandir-se a economia açucareira, a necessidade de animais de tiro tendeu crescer mais que proporcionalmente, pois a devastação das florestas obrigava a buscar a lenha  a distância a cada vez maior. Por outro lado, logo se evidenciou a incompatibilidade de criar gado na faixa litorânea, isso é, dentro das próprias unidades produtoras de açúcar. O conflitos provocados pela penetração de animais nas plantações devem ter sido grandes, pois o governo português proibiu finalmente a criação de gado na faixa litorânea. E foi a separação das duas atividades econômicas – açucareira e criatória – que deu lugar a uma economia dependente na própria região nordestina”(História do Brasil da Colônia). Traçava-se a origem de São Francisco.

            Pelo Sul a penetração dava-se com as bandeiras – a procurara de pedras preciosas e índios para o cativeiro – os mineradores e as Missões. A importância das bandeiras neste processo de interiorização, levando-se à fundação de aldeias, foi bem definida  por Gilberto Freire: “Bandeiras, sociedade em movimento”.

            Desenvolvia-se a Colônia com gentes que se subdividiam entre os colonizadores, nativos e negros. Fernando A. Novais descreve o fato: “E do convívio das inter-relações desse caos foi emergindo, no cotidiano, essa categoria de colonos que, depois, foi se descobrindo como ‘brasileiros’. Brasileiros, como se sabe, no começo e durante muito tempo designava apenas os comerciantes de pau-brasil. A percepção de tal metamorfose, ou melhor, essa tomada de consciência  – isto é, os colonos descobrindo-se como paulistas, pernambucanos, mineiros, etc. para afinal identificarem-se como brasileiros – constituindo, evidentemente, o que há de mais importante na história da Colônia, porque situa-se no cerne da constituição da nossa identidade.” (História da Vida Privada no Brasil)

            À distância, no tempo, encontram-se as raízes da etnia do são-franciscano, como destacaremos  posteriormente. 



sábado, 9 de dezembro de 2023

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

 Nota: Esta monografia será dividida em capítulos, 

mais curtos, para uma melhor leitura.


Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro


EM BUSCA DAS ORIGENS - II


Buscando chegar a São Francisco, entendo ser necessário um comentário, ainda que sucinto, sobre as raízes da brasilidade. Vejamos.  Na primeira questão imposta à Coroa portuguesa, a respeito da descoberta do Brasil, acentua João Ribeiro: “O reinado de D. Manuel escoou-se inutilmente para a terra; mas já nos últimos anos, atenta a pirataria dos traficantes  de pau-brasil, malgrado o monopólio português impunha-se uma das duas alternativas: ou colonizar a terra ou perdê-la” (História do Brasil). Decidiu-se pela colonização implantando-se  as capitanias e a exploração econômica – cultura da cana para a produção de açúcar, importante moeda de troca no mercado internacional, e o tabaco. No segundo momento da colonização divisamos um longo caminho, marcado pela ignomínia da escravidão de nativos e de negros da África para o duro trabalho nos eitos de cana e outros serviços (em capítulos posteriores abordaremos o papel dos negros e dos índios no processo sob a  ótica de expressivos pesquisadores). Dessa tragédia foi sendo formada a etnia brasileira. O negro, segundo A. Souto Maior: “os portugueses já usavam o negro como escravo antes da colonização do Brasil. (...) É provável ser costume árabe de escravizar negros e vendê-los; (...) a própria organização social dos  negros facilitava aos seus captores o nefando comércio; a escravidão era a penalidade imposta pelos juízes da tribo para os mais diversos delitos.(...) Comprava-se por miçangas de vidro, panos baratos, facões, fumo e cachaça. (...).Tomado em conjunto, porém, o negro agiu na formação étnica social e econômica do Brasil como agente de transformação  poderoso (...)com influência na cultura brasileira:  na música; no samba e o maracatu; formação do folclore, a contadora e criadora de histórias infantis. Na culinária: o uso do azeite-de-dendê e do leite de coco, vatapá, caruru, acarajé, mugunzá, tudo de origem africana” (História do Brasil).

Os índios tiveram melhor sorte. Não estavam acostumados ao trabalho agrícola estável, sedentários que eram; além disso, contava com os esforços dos jesuítas em favor da manutenção de sua liberdade, conseguindo junto à Coroa a proibição de sua captura. Contudo, vítimas da perseguição dos senhores de engenhos e de tropas de bandeirantes, eles se dispersaram. Os caiapós deixaram o Maranhão, transpuseram o rio Carinhanha estabelecendo-se na zona do Japoré; outra horda da mesma geração, procedente do Alto Tocantins, se estabeleceu na zona entre os rios Paracatu e Urucuia. Dois ramos da mesma família constituíram um variado ligame de aldeias no vale do São Francisco, a Tapiraçaba e a Guaíba – essas aldeias têm ligações germinais  com a história de São Francisco. Observa Souto Maior, que “o índio, na língua, deixou-nos  quase toda  nossa toponímia e uma infinidade de termos designativos de alimentos, árvores e animais. Tendo influído poderosamente em nossa etnia” (História do Brasil).


sábado, 2 de dezembro de 2023

NOSSA CIDADE: FATOS HISTÓRICOS

 

Nota: Esta monografia será dividida em capítulos, mais curtos, para uma melhor leitura.

Igrejinha e cruzeirinho de Teodoro




O engenheiro Teodoro Sampaio aportando-se em  São Francisco em 1877 fez o desenho da igrejinha de São José e do cruzeirinho – primeiro registro impresso da história de São Francisco.


EM BUSCA DAS ORIGENS - I


Em sucinta monografia, de caráter narrativo,  buscando resgatar fatos que possam compor capítulos esquecidos da história de São Francisco,  recorri ao jornalista italiano Índro Montalelli quando publicou o livro História de Roma alertando seus leitores:  “Escrevi para aprender. Este livro nasce com o mesmo espírito. Escrevi para aprender esta história. Não é livro de historiador, não há pesquisa inédita nos arquivos. Não há conclusões ou interpretações inovadoras. O que há é uma sincera tentativa de contar uma história bem-contada e recuperar essa tradição que já existiu: uma crônica sobre o que a cidade foi e como veio a ser o que é. Advirto, ainda, valendo-me da observação de Fernando A. Novais: “Em história, não pode haver nunca a obra definitiva; tudo o que podemos aspirar são aproximações mais ou menos felizes. Estaremos gratificados pelo esforço se nosso trabalho puder considerar-se uma dessas aproximações”. ( História da vida privada no Brasil)

Este meu intento é uma prova de gratidão pela generosa acolhida que tive em São Francisco, na minha mocidade, honrando-me, ainda, com o título de Cidadão Honorário de São Francisco. Nas buscas  de informações vi-me em um labirinto almejando o Fio de Ariadne, enfrentando intricadas e reduzidas publicações, muitas vezes um  quebra-cabeça, para encontrar o município de São Francisco. Nas minguadas publicações que encontrei sobre o Vale do São Francisco começo por Vicente Licínio Cardoso que, categórico, escreveu: “O São Francisco é um rio sem história”. (Às margens da História do Brasil). Na mesma linha pode-se observar que São Francisco é um município sem história, malgrado o livro de Brasiliano Braz, que ele mesmo classificou como autobiográfico. Sobre São Francisco, ainda como Pedra dos Angicos e Vila de São José de Pedras dos Angicos, encontramos sucintos aprontamentos de Richard Burton, Teodoro Sampaio, Carlos Lacerda, juiz Carlos Otoni e Diogo de Vasconcelos. Tal fato parece não fazer falta, pois nada é reclamado a respeito o que se distancia da advertência de J.J. Benitez: “Existirão fronteiras intransponíveis entre o passado, o presente e o futuro? O passado já não existe senão como memória? O presente se extinguirá como passado? E o futuro já existirá neste momento?”. (Cavalo de Troia). Buscando respostas, como se encontra São Francisco no ponto de vista histórico, é preciso intervir criando laços atemporais entendendo o passado e trabalhando o presente na expectativa do futuro com realizações plausíveis no campo do desenvolvimento e do fortalecimento de sua cultura.

Conquanto possa não parecer de suma importância, merece uma reflexão a respeito da história, pois revendo os acontecimentos que marcaram a trajetória do nosso País, desde sua descoberta e a colonização, muitas e boas lições podem ser extraídas para melhor conduzirmos nossos destinos.


terça-feira, 7 de novembro de 2023

SÃO FRANCISCO: 146 ANOS


Foto: Hannah Klara Emmerich

No ímpeto de alguns vereadores, na ousada ação de transferir a Câmara Municipal de São Romão, sede do município, para a Vila de São José de Pedras dos Angicos, em 1876, vislumbrou-se a história de uma nova cidade. E foi assim, diante de uma evidência, de um ato consagrado, sem volta, que no dia 5 de novembro de 1879 nasceu a cidade de São Francisco. Como consequência, constituída sede do poder municipal, transformou-se, ao mesmo tempo, na sede de um novo município, São Francisco. São Romão, em consequência foi rebaixado de município a distrito de São Francisco. Foi assim o germinal de São Francisco. Nos 146 anos transcorridos, muita água foi passada pelas brilhantes pedras do cais da cidade, levando, o rio São Francisco, rio da Unidade Nacional, as notícias da cidade para o Nordeste e, de lá, trazendo tantas famílias para compor a população do novo município. Cumpri-nos, agora, refletir a respeito do município que temos e o município que queremos. Seria ocasião para repetir a intrépida ação os vereadores que deram causa à criação da cidade e, consequentemente, o município de São Francisco, buscando novos horizontes para nossa terra. Seria o momento, agora, de um choque com atenção voltada para o desenvolvimento. Seria o momento de cantar e propagar nossas riquezas humanas e físicas. Numa reflexão final, tendo como referência a cidade, que é o caso em exposição, recomenda-se tomar o que disse Weber a respeito da função da cidade “de intensificar as energias coletivas, de levar ao mais alto do desenvolvimento possível, as capacidades latentes e dispersas na população”. Seria, hoje, missão precípua do Poder Público e, evidente, com o envolvimento da sociedade. Deus seja louvado por São Francisco existir e mais, agraciada com o nome do santo do amor. 

FELIZ ANIVERSÁRIO SÃO FRANCISCO!
 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

FOTOS, CRÔNICAS E POEMAS

                                                                                João Naves de Melo

            São tantas as oportunidades que temos para sentir e apreciar a natureza que, a cada dia, somos tocados por um novo painel: o nosso rio São Francisco, os pássaros, nossos jardins e o pomar. Encontram, nos mínimos detalhes, manifestações que suscitam emoções, que nos levam aos meios disponíveis para transformá-las em realidades, deixando-as com registros através da escrita e da fotografia.

            Fui, assim, movido pelo desejo de registrar alguns trabalhos que fiz neste campo, compartilhando com meus amigos e possíveis leitores, o que tenho vivido no dia a dia. Saliento que algumas crônicas e poesias já foram publicadas ocasionalmente, ora no Portal Veredas, ora enviadas aos amigos através do WhatsApp.  Resolvi, contudo fazer esta pequena coletânea para o registro escrito.

 

 UM RIO ESQUECIDO

 


O barranqueiro tem a alma plantada no rio São Francisco (Saul Martins)

 

Outubro, dia 4 de 2022. Meu rio São Francisco, contemplo-o viajando no tempo nas ondas da emoção. Reflito: abençoada  graça do Criador  guiando Américo Vespúcio ao encontro de um imenso caudal beijando o mar  no dia do santo amigo das águas, do Sol, da Lua, dos pássaros, dos peixes e dos humildes – São Francisco de Assis – 1501. E ao rio descoberto deu-se o nome do santo, que abençoado ficou  descendo das alterosas, serpenteando planícies, banhando nosso sertão. Aqui estamos, São Francisco, quinhentos e vinte e três anos depois do seu batismo pelos olhos dos homens “civilizados”, tirando-o do estado virginal. Quantas histórias, São Francisco, e somos parte delas – nossa cidade, nasceu e cresceu graça a você com famílias singrando suas águas, aqui aportando e depositando suas esperanças – uma nova civilização surgiu. E você, no seu caminho, em São Francisco, fez uma obra de arte demonstrando mais amor por ela: você abraçou o penedo luzidio onde ela foi plantada e deu-lhe o seu nome. Deus seja louvado, sempre!

Saul Martins cunhou que o barranqueiro tem a alma plantada em suas águas. O conterrâneo Geraldo Ribas escreveu que o são-franciscano tem o umbigo plantado em suas águas. É deverás. É grande a relação sentimental, física e espiritual.

Infelizmente, ao passar de cada página de nossa história, temos que você, para o são-franciscano, está perdendo seu valor histórico, sua importância hídrica (seus afluentes foram devastados), e até mesmo a relação social, quando o eixo das concentrações da cidade  deixou as barrancas para lustrar as áreas do alto. Quantas cidades gostariam de ter um  São Francisco! Vê-se isso na temporada de praia, quando centenas de turistas de cidades da região aqui vêm regalar-se com sua beleza. E aqui? O desprezo. Nem se fala sobre a lamentável situação de abandono da orla, o pouco caso, o desinteresse com ela, que sequer guarda seu aspecto virginal.

São Francisco, São Francisco! Nem um gesto, nenhuma manifestação, nenhum agrado, nenhuma palavra a respeito de seu aniversário. O fulgor das festas de anos idos e os movimentos em prol de sua defesa, de sua exaltação, diluíram-se. Esquecido. É triste. Pelo ralo escoa-se a cidadania. Amanhã há de se pagar por isso, aliás, já estamos pagando – não só em relação ao rio, mas pela falta de compromissos com o Brasil, descuidando-se de valores morais que implicam na formação de uma sociedade.

São Francisco, na tarde do dia 4 deitei os olhos em suas águas singradas por barcos, movimentando suaves maretas, que beijavam as pedras dos cais, cantando – a sua canção própria: parabéns! Fiquei, por ali, por bom tempo, meditando, mergulhado em sua história. Pouquíssimas pessoas passaram por ali naquele momento, nenhuma fotografia. Solitário, mas com o coração agradecido por sua existência, São Francisco, elevei uma prece ao Criador agradecendo-O por tão generosa dádiva. Deus o abençoe, sempre. Obrigado por nossa existência em suas barrancas.

  

CONSIDERAÇÕES SOBRE O AFRESCO DA ÚLTIMA CEIA



Quem comer deste pão viverá eternamente”

 

A Última Ceia, afresco de Leonardo da Vinci para a igreja de Santa Maria delle Grazie em Milão, retrata um momento da vida de Jesus,  que se faz presente no dia a dia dos cristãos:  instituição da Eucaristia – “Quem comer deste pão viverá eternamente”...

Interessante é conhecer esta obra pela profundidade que vai além do seu encanto  enquanto arte – rememorando um dos momentos de  angústia de Jesus e da perplexidade de seus amigos quanto à fraqueza humana revelada pela traição.

A edição Planeta Barsa/Patrimônio da Humanidade, descreve algumas passagens interessantes sobre a obra dando a conhecer um sistema de trabalho de Leonardo: antes de pintar ele realizava enorme quantidade de apontamentos e esboços de cada pormenor. Às vezes ele passava um dia  sem se alimentar, absorto, observando a parede onde pintaria o afresco  atrasando a execução da obra. Tal procedimento exasperava os frades da Catedral de Milão, levando o prior a pedir, insistentemente,  pressa na conclusão da obra e a reclamar  junto ao duque de Milão, Ludovico Sforza. Questionado, Leonardo justificou que precisava de modelos para Cristo e para Judas; para o primeiro por ser difícil que alguém deste mundo mostrasse no rosto a beleza celestial, e para Judas, pela dificuldade de encontrar uma pessoa que, apesar das graças recebidas, fosse capaz de tal traição, de forma que, se o prior continuasse a pressioná-lo, não teria outro remédio senão utilizá-lo como modelo.

A Barsa Planeta fixa na intuição e na inspiração de Leonardo. “A obra representa uma mesa virada para frente, sentando-se a ela  Cristo e  doze apóstolos”. Observa que as pinturas anteriores, da Última Ceia eram com personagens estáticas, sem vida, sem expressão, com Judas totalmente isolado. Leonardo agrupa os apóstolos, lhes concede a magia do movimento e consegue através da expressividade dos rostos e das mãos, que todos pareçam ter capacidade de falar e de mostrar seus sentimentos. Mostra o espanto dos apóstolos  após Jesus pronunciar “um de vós me trairá”. Quem? Atônitos passaram a perguntar esperando uma explicação. O texto descreve e analisa a posição dos apóstolos: A primeira tríade à esquerda é formada por Bartolomeu, Santiago Menor e André. Bartolomeu se apoia sobre a mesa como se dissesse: “não é possível, os meus ouvidos estão enganados”, enquanto seus companheiros levantam as mãos assustados O segundo grupo é talvez o mais interessante. São Pedro se precipita impetuosamente para são João, que está sentado ao lado de Jesus e pelo caminho empurra Judas que, assim, fica separado dos outros.  Aqui surge novamente a inteligência de Leonardo, conseguindo isolar Judas sem a necessidade de o isolar fisicamente.  O traidor parece dizer “será possível, como soube ele?”. Do outro lado de Jesus, Tomás, Santiago, o Maior, e Felipe se mostram confusos e falam em uníssono como que pedindo um esclarecimento e manifestando sua inocência. Na última tríade, do lado direito da mesa, estão Mateus, Tadeu e  Simão. É o único grupo que fala entre si, sem olhar para Jesus, embora Mateus o indique enquanto sem dirige a Simão que por sua vez parece explicar ou comentar alguma coisa com Tadeu. E fica por último a figura central, Jesus, solitário, separado dos restantes com uma expressão desolada e os braços estendidos numa postura de abandono, que faz  realçar a força do mural. O ponto de fuga da perspectiva está em Jesus. Cada forma, cada gesto, tem relação com Ele. Este difícil problema de apresentar muitas figuras, mantendo porém a unidade dramática e a unidade de formas, foi genialmente resolvido por Leonardo.

 

O AMANHÃ

 

Procure no mundo reunir o que é de melhor, de bom, sem se lamentar pelo que seja perfeito (Demócrito)

 

Somos no espaço e no tempo a projeção do que fomos. Não temos a lembrança do que fomos, mas podemos cultuar o presente para que nos projetemos no amanhã em estágio mais elevado espiritualmente. Assim, busquemos uma lição de Demócrito: “Procure reunir no mundo o que há de melhor, de bom, sem se lastimar pelo que seja perfeito”. Se há dor, sofrimento e outras mazelas no mundo, o que se faz preciso é desprezá-las na busca do que apraz o espírito, ver a vida como um dom do Criador que é misericordioso. São tantas as belezas que nos cercam, que podem despertar a nossa atenção no correr de cada dia e que, por carência, às vezes, de um pouco de sensibilidade e de vida apressada, perdemos.

Uma das vantagens (se é que se possa dizer de vantagem) que nos  enseja a pandemia é a  oportunidade  para redescobrir a natureza por força do isolamento, da restrição do ir-e-vir. Pois vejam. Conquanto aprecie os pássaros –  tantos e variados deles tenho no meu quintal, porque os alimentos – raramente dispensava tempo à sua apreciação demorada. E o quanto perdia em quadros que inspiram a manifestação de ternura, na mais pura de suas expressões: delicadeza, doçura, brandura, suavidade, afetuosidade, amorosidade, meiguice, afeto, enternecimento. Puxa! Que quadro suscitou-me tanto sentimento? Simples, como simples e bela é a vida que nos foi dada pelo Criador e que, por comum, desperdiçamos. Pois bem, vi e senti a ternura, nas suas diversas expressões, no modo amorável e carinhoso de um casal de rolinhas. Tão mimosas, tão meigas, com tanta dileção, em carícias trocadas roçando os pescocinhos e com delicadas bicadas. Vi-as numa galho de ramagem viridente, com flores ao fundo, como feliz casal de namorados. Demorei admirando aquele quadro que suscitou outras presenças na contemplação. E tantos se comoveram diante da delicadeza do quadro.

Outra imagem que eu havia perdido, na apreciação, era a passagem do avião a jato no nosso infinito céu azul. Sei lá por qual sentimento (guardado de tempos  atávicos  ou de outra vivência) eu me apaixonei com o troar de suas potentes turbinas do avião a jato reverberando na terra, levando-me a buscá-lo na sua passagem, luzindo nas alturas à frente de um rastro de fumaça prateada. Eis que, de repente, no meu quintal cuidando das plantas, redescubro-me, por sinestesia, no passado urucuiano, quando num mundo tão solitário, tempo eu tinha de sobra para visitar o céu. Lá, nas campinas bordadas de buritis dançantes na brisa dos gerais, eu acompanhava a passagem dos jatos suscitando  canções etéreas e vibradas no vasto campo empíreo. Eis que, agora, visitando mais o céu para dialogar e agradecer a Deus por ser parte da sua criação, revivo o antigo encanto: a canção do jato e seus rastros, um véu prateado em linhas cumpridas bordando o azul do céu. Eles têm vasado o céu são-franciscano com frequência.

 

 AS ROLINHAS

 

Na minha casa um nabo é mais saboroso do que o tordo... (Ariosto)

 

Um singelo ninho de se contemplar, no compor das criaturas que o ocupavam,

Em insólito lugar, no alpendre de minha casa, sobre o tampa de uma luminária, escolheu uma rolinha para levantar seu castelo. Não me tomem como devaneador ao comparar o singelo ninho de tão pequena ave com um castelo. É que não me prendo à ordem material, na estrutura, mas na representatividade e alcance do singelo quadro. O simples tem o seu valor pelo que tomamos, não pelo que os outros pensam ou falam. Diz o poeta Ariosto: “Na minha casa um nabo é mais saboroso do que o tordo, o faisão ou o porco na mesa alheia”. O que temos, então, é o nosso tesouro. Nas representações mais simples podemos sentir a presença do Criador, como Ele nos chega para florir a vida, transbordar de paz o coração. Sabemos que a alma vital é comum em todos os seres orgânicos: plantas, animais e homens. Naquela singela columbina pulsa uma alma, o princípio vital. Depois de erguido o castelo, ali ela se assentou com serenidade, sem se importar com o tempo estar passando, absorta, concentrada, extremamente dedicada ao evento que preparava para o mundo: novas vidas. Não se abalava com o ir e vir das pessoas nas imediações do seu castelo – era apenas o seu mundo, o seu tempo, o seu apego e o que lhe reservara o Criador na Lei da perpetuação. E veio o glorioso dia. Ela não alardeou, apenas pousou na doçura e placitude da maternidade. Tempo não muito escoou e duas cabecinhas se mostraram nas janelas do castelo, sob asas, protetoras olhando o mundo. E tão ligeiro foi que a mãe orgulhosa, em pose imperial, as apresentou ao mundo,  satisfeita com a proteção do pai parte da criação. Vi, naquele quadro, como se revela o amor, tanto no homem como nos animais. Com que desvelo, carinho, cuidados e, por que não, felicidade, a nossa pequena rainha mostrava suas crias. Tantos foram os dias em que ela levou a seiva da vida de seu bico aos biquinhos das crias, uma por uma – lembrei-me de um quadro sagrado, sublime, de uma mãe oferecendo o peito ao seu bebê, sua vida continuada, pouco há que pode ser tão belo e amorável.

Na vida aprendemos tanto com as coisas mais simples, se sensibilidade e atenção tivermos às coisas do Criador, retendo-as na alma.

Simples, tão simples, uma rolinha e seus filhos em tépido ninho, mas grandioso tendo que é a criação de Deus  se renovando em nossa vida com a singela mensagem do amor.

           

OS PASSARINHOS

 

Passarinhos do bom Deus, pequenos pássaros alegres... (Dostoiévski)

 

No quintal do meu lar, antes mesmo de ser construída a moradia, foram plantadas as primeiras fruteiras: pés de manga e jabuticaba. O tempo foi passando e dona Vilma, logo chamada de “Dedo-verde”, cuidou de expandir o verde chegando  ao jardim. Ficamos ornados por um mundo florido.

Passam-se os dias. Primeiro meus olhos alcançam um casal de rolinhas desfilando, majestosamente, com tanta graça pelo quintal. “Galinhazinha de Nossa Senhora”, lembra Vilma buscando imagens de sua infância. É de se admirar, tanto, a graciosidade da rolinha no seu passear pelo chão. Chegam os pardais, em bando que agregários são. Barulhentos, saltitantes quando no chão; velozes se no ar. Certa manhã ouço o dolente e saudoso canto do sabiá – que presente! A passarada vem chegando e, admirado, deleito-me em cuidar dela levando-lhes matinal alimento em forma de quirela. Sirvo-lhes água fresca. Abrem-se as portas do céu e chegam em bandos: do-ré-mi, sofrê, canarinho, assanhaço, anus – que só se apresentam em bando se protegendo e para caçar alimentos. Depois de se alimentarem ganham a copa do viridente umbuzeiro a trinar, cada qual no seu canto: uma orquestra alada de causar emoção. E depois, na madrugada o despertar com os ais da pomba verdadeira, a nossa Paloma – queixumes ou chamados. Que sei!

Nosso encontro diário vem de muitas manhãs, faça-se sol; faça-se chuva. Foi sempre do meu gostar e até de refletir o Criador, que se faz presente nas mínimas coisas. Foi então que, nestes dias, aprofundando na leitura do romance Os Irmãos Karamázov de Fiódor Dostoievski, dei-me com uma fala de Markel, que se despedia da vida devassa, então se encontrando com Deus. E li, emocionado: “Passarinhos do bom Deus, pequenos pássaros alegres, perdoem-me, pois eu pequei contra vocês também. (...) Sim, eu estava cercado pela glória de Deus: os passarinhos, as árvores, os campos, o céu; eu só vivia na vergonha, só eu desonrei tudo, não soube ver a beleza nem a glória.”

Emocionado, pois vivo na glória de Deus, quase às lágrimas, vi-me nos gerais urucuianos, no sopro da brisa, embalado pela canção vinda das palmas dos buritis, sob a abobada celeste tão pura, as caraibinha vestidas como anjos – floridas e perfumadas; senti minha alma se elevar em prece e agradecimentos ao Criador por tudo que, então, tem me proporcionado: a família, amigos, uma terra generosa para morar, um rio majestoso trazendo-me a figura de São Francisco de Assis abençoando as águas e nela todos os seres viventes; o nosso magnificente por do sol. Que riqueza encontrar na natureza a revelação da maior essência de todas: Deus.

Meus passarinhos, obrigado, posso amá-los e a natureza, ainda na minha vitalidade. Posso, sobretudo, com tempo, sem aflições  agradecer a Deus pela dádiva do meu dia-a-dia.

 

 

REFLETINDO SOBRE UMA FORMIGUINHA PERDIDA

 

O Ente Supremo não se lhe manifestou já na Sagrada Escritura e sim em todas as coisas que havia criado (Rudolf Thiel)

 

Distraído, enquanto ao sol buscava a reposição de vitamina D, por acaso meus olhos alcançaram uma formiguinha perdida de sua colônia em carreira solitária. Estranhei o fato perguntando a mim mesmo por que estava  sozinha, em ligeira carreira sem direção se vive em sociedade? Não havia outras formigas. Resolvi segui-la e isto foi por quase 30 minutos. Ela andava em roda, seguia um percurso em uma direção e dava voltas como se procurasse caminho. Andou e andou. Na verdade corria tanto com agilidade incrível de suas  perninhas  quase de se não notar. Rodou e rodou por distância e tempos tantos, superiores para ela, e nada, sempre sozinha e sem rumo. Mas não desistia, queria seu caminho, seu ninho, exemplo de persistência. Enfim, ao longo dos 30 minutos, ela se enfunou debaixo de uma pedra e lá se quedou. Seu ninho por certo não era, mas teve acolhida, sei lá de quê.

Dizem estudos que a formiga está presente em todos continentes, exceto nos polos. Estima-se que existem cerca de 18.000 espécies de formigas, das quais 2.000 são encontradas no Brasil. Acredita-se que elas surgiram na Terra durante o período Cretáceo (cerca 140 milhões de anos atrás) e, provavelmente começaram a diversificar-se há 100 milhões de anos, acompanhando as linhagens de plantas com flores.

            Puxa! Refletindo enviei meu pensamento muito distante, naturalmente em eras que sequer por mim foram sonhadas e conclui que estava diante de um milagre da vida. Uma coisinha quase de nada, correndo perdida em meu quintal, tem um papel vital muito, mas muito, mais longevo que o meu, ou da minha espécie, a humana.

            A! formiguinha, você me fez lembrar que Deus se ocupa de todos os seres que criou, por menores que sejam, nada é muito pequeno para a Sua bondade. Segundo ensina Rudolf Thiel (E a Luz de fez) “O Ente Supremo não se lhe manifestou já na Sagrada Escritura e sim em todas as coisas que havia criado”. Então, nesse Universo a pequenina formiga, quase de não se ver, é parte deste universo criado, daí seu papel e importância na natureza.

            Enfim, ela me levou à sondagem de Allan Kardec, que com lirismo discorreu “a sabedoria infinita que preside a tudo, no admirável organismo de tudo o que vive,  na frutificação das plantas, na apropriação de todas as partes de cada ser às suas necessidades, segundo o meio onde está chamado a viver; é necessário mostrar-lhes a ação de Deus no rebento da erva, na flor que desabrocha, no Sol que a tudo vivifica; é necessário mostrar-lhes a Sua bondade na Sua solicitude por todas as criaturas tão ínfimas que sejam, a Sua previdência na razão de ser de cada coisa, da qual nenhum é inútil, do bem que sai sempre do mal aparente e momentâneo!

            Ah! Formiguinha, de aparência ser coisinha de nada, você me conduziu, graciosamente, ao Criador!.

 

 

A LUTA DAS FORMIGUINHAS

 

O mundo sensível em que vivemos é o mundo das aparências (Platão)

        Peço desculpas aos amigos por lhes ocupar o tempo com outra história de formiga. É que aconteceu outra vez. Estava eu a tomar o recomendado banho de Sol, por dra. Marilda, buscando a reposição de vitamina D,  quando meus distraídos olhos encontraram em disputa ferrenha duas formiguinhas, criaturinhas de nada, de milímetros poucos, uma um pouco maior. Curiosamente desejei saber quando  terminaria aquela batalha. Delas, uma era ligeiramente maior coisa de quase não se medir. Estanquei a leitura,   que fazia para aproveitar o tempo, e me fixei nas duas formigas em luta renhida. Em um momento a formiga maior prendia menor com suas patinhas espremendo-a de costas no piso tentando ferrar a sua cabecinha. Eu entendia que ela tentava arrancar-lhe alguma coisa que prendia na presinha. Depois, a situação mudava: a formiguinha menor tomava a posição superior. E assim ficaram digladiando por tempo – medi mais de 30 minutos. Ao fim de bom tempo, não chegando elas a um termo, interferi. Com a ponta de uma caneta, separei as duas. Surpresa: tratava-se apenas de uma formiga. Então como lutavam tanto, sem trégua com meus olhos registrando o movimento? Deixei, então, a formiga no piso e a luta teve reinício. Percebi, depois de um pouco de atenção, que a formiga lutava contra a sua própria sombra. Por isso que uma (no caso quando eu imaginava serem duas) não se separava da outra,  não fugia do embate. Ora, não teria como fugir da própria sombra. Peguei, então, a formiga e a coloquei em uma mesa. Ela, livre da projeção de seu corpinho  criando uma sombra, procurou sair do local e acabou por se despencar de uma altura de um metro e saiu buscando um caminho, ainda que meio trôpega. Puxa! Uma altura formidável, mas para minha surpresa ela saiu ilesa, caminhando. Fosse um homem, numa queda de altura proporcional, teria os ossos esmagados.

O fato levou-me a refletir. Primeiro sobre o efeito da sombra à primeira vista, sem dúvida, uma ocorrência inexistente, pois, então, uma ilusão. Trata-se de um conceito ou de uma imagem que surge pela imaginação, um erro dos sentidos, mas que não corresponde à realidade. Ligada aos sentidos, uma ilusão é uma distorção da percepção, uma interpretação visual dos factos que não coincide com a realidade.

Outra reflexão levou-me ao Mito da Caverna de Platão, onde se demonstra que homens que estão no interior de uma  caverna pensam que o que veem é a realidade. Mas não é, eles veem apenas suas próprias sombras. Com essa alegoria, Platão compara a caverna ao mundo sensível onde vivemos, que é o mundo das aparências.

Puxa, uma simulada luta de uma formiguinha me pôs a viajar longe para concluir, como Platão que “o mundo sensível onde vivemos é o mundo das aparências”.

Moral da história: cuidado que se deve ter  com o que vê e como interpretar o que viu, pois  opinião baseada em uma aparência  pode causar um grande mal – mal, muitas vezes, irreversível.

 

SINGELEZA OU GRANDEZA?

 

A Natureza é a grande mestra do homem (Allan Kardec)

 

“Logo que a aurora de dedos cor de rosa surgiu matutina” deixei a tepidez do leito, como sempre faço; e ainda à luz cambiante dos amenos raios do sol, que crescia no Oriente, cheguei ao quintal com o propósito diário de colher algumas folhas de ora-pro-nóbis para preparar o suco verde de todas as manhãs.  Ao passar sob a copa de frondosa mangueira dei-me de frente com cenário colorido que nunca vira antes. Surpresa! Invadiu-me um suave aroma. Imaginei-me em sonho. Mas era real, estava à frente do meu pé de ora-pro-nóbis, cultivado a modo de trepadeira, cobrindo os galhos de um cajueiro como uma esteira de cores variadas e agradáveis de efeito visual.  Não o vira antes tão florido. Florido só, não, florido e perfumado. Aproximei-me  um pouco e  mais surpresa: ouvi um sibilar delicado fluído das asinhas de centenas de abelhas libando o néctar das tenras e tão belas flores. Até mesmo o mamangava foi atraído por aquela doce oferta de néctar. Qual orquestra seria capaz de executar tal sinfonia? Admirado, ternamente admirado fiquei diante daquele quadro singelo, mas de expressiva beleza em todos os sentidos. Não só pelas cores múltiplas das florezinhas, pequenos cachos com pétalas brancas abertas como braços estendidos ao céu rendendo graças e pistilos vermelhos, que sabemos ser uma cor simbólica. Veio-me então uma indagação: por que antes não havia estas flores, com tanta prodigalidade, forrando os galhos do cajueiro?  A resposta não demorou chegar-me: antes à medida que eu colhia as folhas para preparar o suco, notava que a produção dos galhos sempre diminuía. Então, cuidei extrair o mato em redor do pé e a irrigá-lo fartamente todos os dias ao amanhecer. Pensava apenas nas folhas para suco. Mas naquela manhã ele me retribuiu a bondade, o carinho, o amor, surpreendendo-me com um  fantástico espetáculo: um tapete de flores perfumadas e o balé das abelhas zumbindo melodia com suas asinhas. Veio-me à mente um preceito: fui generoso com o pé  de ora-pro-nóbis com poucos litros de água por dia e, de volta ele me presenteou com a exuberância e a  riqueza de sua florada. Exuberância da Natureza, que aos nossos olhos revela a presença de Deus, pois é observando os efeitos que se chega ao conhecimento das causas. Vê-se que, como disse Montaigne, “A Natureza é a grande mestra do homem”. Ensina Kardec:  “Natureza Onipotente age segundo os lugares, tempos e circunstâncias: ela é uma em sua harmonia geral, mas múltipla em suas produções; diverte-se com o sol, com uma gota d´água; povoa de seres vivos um mundo imenso com a mesma facilidade com que faz eclodir o ovo depositado pela borboleta. É o Ser Onisciente que encontramos no infinito meio às galáxias, pedrarias variadas de um imenso mosaico, as flores de um admirável canteiro. O Criador que reina no cenário de mundos desconhecidos, no Universo inexpugnável, mas que também se apresenta nas mínimas coisas, na singeleza até mesmo de uma flor, posto ser ela Sua criação”.

 

DIA DA ÁRVORE

 

Um poderoso lembrete de que devemos desacelerar e nos sintonizar com a linguagem da natureza (Rachel Sussman)

 

            Lá se vão os anos quando, nas escolas era comemorado, com civismo e muito amor, o Dia da Árvore. Poesias, cantos de louvor, discursos e o plantio de mudas que, no correr do ano eram acompanhadas em seu crescimento pelos alunos. Tanto era a estima e  a relação de carinho que muitas árvores eram batizadas com nome de pessoas. As árvores estão, atualmente, em pauta de movimentos sociais, nas “sinceras”  intenções de políticos, que delas falam sempre em proveito próprio. Ainda merecem atenção e cuidados de órgãos ambientais (na maioria Ongs por que quando são ligados a governos os interesses são outros), que lutam para preservar o cerrado, as poucas matas que restam e, consequentemente, os recursos hídricos. Mais que manifestação de carinho e romântica, hoje, é a imperiosa atitude  de preservação da flora.

            Tenho, de minha parte um ato diário, como religioso fosse, de render-me  em amor e gratidão à árvore por sua essencialidade à vida na Terra e, consequentemente, aos humanos. Cultivo minhas árvores – na frente de minha residência e no quintal (as frutíferas) e, com muitas delas, converso um pouco a cada manhã quando lhes levo o refrigério de um pouco d´água – em especial a aroeira salsa com seus longos e caídos galhos como uma cortina, um dossel esmeraldino. A minha conversa com elas foi inspirada no fantástico livro “A vida secreta das ÁRVORES” de Peter Wohlleben que já chegou a milhão de exemplares vendidos. Tenho dois depoimentos, entre tantos, sobre o livro:  “Nesta empolgante investigação, Wohlleben transforma definitivamente nossa visão sobre as árvores” – Library Journal.  “Um poderoso lembrete de que devemos desacelerar e nos sintonizar com a linguagem da natureza” – Rachel Sussman;

            Dos tantos ensinamentos e lições que encontrei no livro, um me impressionou sobremaneira: as árvores são solidárias, muito mais que grande parte dos homens – elas ajudam as que correm risco de extinção sem nada cobrar ou pedir de volta, pois o fazem pela natureza de preservação da espécie.

  

O TROVÃO

 


Aquele rimbombar ficou para mim como uma canção sertaneja, o céu descendo aos gerais como um mensageiro acordando-nos para a grandeza de Deus (JNM).

 

São tantos os sinais da natureza indicando a presença do Criador, que nos levam a experimentar diferentes sensações. O cintilar de uma estrela no leito da abóboda celeste; a grandiosidade do Sol, fonte de vida; o mar e os  rios, indicadores de origem da vida na Terra; as florestas com toda sua pujança viridente rebrotando vida; o cerrado com suas árvores retorcidas cobertas de mimosas e perfumadas flores, adornado por veredas paradisíacas. É tanto, e meio a este miniuniverso o homem, a grande criação de Deus, porque além de orgânico foi dotado de inteligência e, com isso, de sensibilidade; que é capaz de se enternecer ouvindo acordes de uma música, de sentir fremir a alma na leitura de poemas, que pode desfrutar de uma dádiva divina: o amor!

Pois é, nesta viagem pelo mundo encantado que de Deus recebemos, não sei por que me encanta e sensibiliza um fenômeno da natureza, que a muitos assusta: o trovão. Tenho-no não como fenômeno físico, uma onda de choque sônica, na propagação de uma onda de choque através do ar em consequência da violenta expansão térmica do plasma gerado no canal da propagação do raio. Ele é causa de antiga especulação  de Aristóteles, no séc. III a.C. Para ele (e foi a primeira manifestação a respeito ensejada) o trovão resultava de colisão entre nuvens,  é que muito gente ainda atribui sem se ater no avanço de pesquisas no século XX a respeito.

Afinal, o que me toca nas reverberações de um trovão, que dobra, redobra e redobra fluindo no éter? Seria de assustar, o que é comum à maioria das pessoas quando estronda muito próximo, concomitante a um raio cujo estalido parece atravessar o corpo das pessoas? Mais apreciado é o ribombar um pouco distante, acompanhando a reverberação que imagino avançando pelos gerais, esbarrando na folhagem das sucupiras, caraibinhas e flabelos de altaneiros buritis para depois amainar como se não existisse. É o que gosto e que me leva com ele em viagens de devaneios. Então, volto no tempo quando lá no meu sertão urucuiano, à porta de um rancho de palha, com os olhos na serra da Conceição, via o aproximar de grossas e sisudas nuvens. De repente o ribombar do trovão despencando da serra, despertando-me da meditação, indo serenar nos capões de angicos à beira do rio Conceição (diz no mapa que é ribeirão, o que não aceito por sua formosura e volume de água). Aquele rimbombar ficou para mim como uma canção sertaneja, o céu descendo aos gerais como um mensageiro acordando-nos para a grandeza de Deus.

Outras lembranças do ribombar de um trovão me chegam revolvendo saudades. Além da paisagem da minha querida Conceição, meu pensamento voa a São Romão. Vejo-me nas viagens de fim de ano, enfrentando o aguaceiro, estradas enlameadas e a Campina transformada em um rio, para encontros  fraternos com os amigos daquela acolhedora cidade – no fundo, sempre, o ribombar distante do trovão, canção da planície. Vejo-me na Campina agarrado ao volante do caminhão Ford, que foi parte de minha vida no Urucuia e em passeios no Riacho, com os amigos em saudosos piniques. Outra lembrança, não menos cara, foi a do dia 8 de dezembro de 1961 quando levei Vilma ao altar na igreja matriz de São José. Chovia, tinha raios, tinha trovões, mas o melhor mesmo era o coroamento de um sonho de amor. E lá se vão sessenta anos.

Estronda um trovão, meu peito se abre,  brotam e rebrotam, em cada ribombar dele, as minhas doces lembranças e suspiro: quantas saudades!

 

 ESPERANÇA

 

Quando eu disser sim-sim-sim, vocês respondem não-não-não (Giovanni Sassá)

 

Pandemia à parte, o fervedouro que vive o País, alimentado pelas vaidades e espúrios interesses de políticos e autoridades públicas, que deveriam estar cuidando dele, levam-me a reflexões, que se não fosse a Fé no Criador, na sua magnanimidade e bondade, já estaria sem norte.  Vendo homens, que deveriam  trabalhar em harmonia pela grandeza do país e bem estar da população, desvirtuando princípios éticos e de humanidade apenas para satisfação de ranço político, eivados de vaidades,  vislumbro o pior cenário para um país que tem todos os requisitos para brilhar no concerto das nações de todo o universo terrestre. Nesse jogo perigoso, irresponsável, lembro-me de uma canção do Giovanni Sassá brincando com o público: “Quando eu disser sim-sim-sim, vocês respondem não-não-não. E quando eu disser não-não-não, vocês respondem sim-sim-sim”. É o jogo que fazem, da controvérsia, jamais mantendo uma opinião, mas sempre tergiversando. Não há coerência, honestidade e qualquer vislumbre de respeito em suas posições, senão o proveito próprio. E, tantos deles, têm o despautério de proclamar que falam em defesa do pobre, enquanto vivem nadando na riqueza.

Assim, como num raio de luz, agarro-me em outra grande virtude, a Esperança. Primeiro que vençamos a pandemia e, assim,  possamos abraçar as pessoas queridas, ter o sorriso dos amigos e gozar de tudo que nos oferece a natureza do Criador. Esperança é um raio de luz que deve nos alimentar no sentido da motivação de sempre acreditar e buscar o bem. No caso, lembro-me que pelo tanto que perdemos, Deus nos restitui: é a esperança unida à fé, duo que se completa com o amor, a trindade das virtudes que encontramos na benemerência de Deus.

Ensinou Adolfho, bispo de Argel, Marmande: “Só é verdadeiramente grande aquele que,  considerando a vida como uma viagem que deve conduzi-lo a um objetivo, faz pouco caso das asperezas do caminho e não se deixa jamais desviar um instante do caminho reto; o olhar sem cessar dirigido para o objetivo, pouco lhe importa que as sarças e os espinhos da senda lhes ameacem provocar arranhões; eles roçam sem atingi-lo e, por isso,  não prosseguem menos no seu curso”. Então,  nesta viagem encontro uma lição,  refrigério das minhas angústias: “Para lutar contra o instinto do roubo é preciso que se encontre entre pessoas dadas à prática de roubar”. Não nos livrando de sua presença, tiremos, pelo menos, um proveito espiritual.  Essas pessoas do mal nos ajudam na formação do caráter para empreender a grande viagem.

No meu  dia-a-dia sempre vejo resplandecer o Amor nas coisas mais simples, que o Criador nos oferta, bastando abrir o coração para apreciá-las. Dias destes, no frescor da alvorada, vislumbrei o umbuzeiro do meu quintal, antes com galhos secos  como braços estendidos ao céu pedindo bênçãos, como um milagre, com a copa viridente ornada com mimosas  flores brancas – vestindo-se como um anjo. Como revigorou e reviveu da latência! Alegra-se a alma na simplicidade que, em verdade é um verdadeiro tesouro, que no dia a dia nos oferece Deus.

 

 A VIDEIRA 

 

Se tendes o amo, tendes tudo que se pode desejar sobre a Terra. (São Francisco de Assis)

 

Em certo dia, assim que a aurora surgiu matutina, ainda no frescor da vigília da noite de silêncio das aves,  visitei o Mundo Verde Um do meu quintal (temos nele dois espaços – o Um com duas mangueiras, com vasos de flores e plantas medicinais; o Dois sob frondoso umbuzeiro, onde Júlia montou sua oficina de jardinagem, tenho um espaço para receber as aves do céu), que sempre me proporciona momentos de prazer e alegria; momentos de paz e de  encontro com o Criador.  O sabiá, de canto apaixonado, anunciou o dia e a luz do sol nascente se esvaiu em matizes diáfanas na viridente folhagem das mangueiras e multicoloridas flores. Eis que alcancei uma pequena latada à espera da cepa de uma videira presente de Tião, sogro do meu neto Ricardo. Tenho um carinho especial por ela, e por vários motivos. Menino lembro-me que minha mãe, solenemente, beijava o seu áspero tronco dizendo-o sagrado. É o sentimento que me enternece ao contemplá-la. E foi assim que, naquela manhã descobri, entre tenras folhas, vários cachinhos com frutos em formação. Uma dádiva, um agradecimento pela poda que meu filho Ricardo um mês antes fizera sob a orientação do Tião. Aquela imagem levou-me a refletir sobre o que representa a videira. Na essência da contemplação, e recordando das passagens da vida de Jesus, ela deve ser ligada direta e simbolicamente ao Criador. Para Allan Kardec ela é o emblema do trabalho do Criador; todos os princípios materiais que podem melhor representar – o “corpo e o espírito nela encontramos reunidos: o corpo é a cepa; o espírito é o licor; a alma ou espírito unido à matéria é o grão”.

Lembrei-me de várias passagens na Bíblia mencionando a videira – é a árvore que dá as uvas e consequentemente o vinho, que é considerado o sangue de Cristo. O significado da videira está diretamente relacionado com essa dádiva de transformação capaz de trazer até  gente algo tão bom e positivo. O primeiro milagre de Jesus relaciona-se à uva: a transformação de água no vinho, porque o vinho era um corolário nas festas de bodas – foi afeição por sua mãe Maria, uma prova de amor. Depois, na ceia, ao se despedir dos apóstolos, Ele tomou o vinho e anunciou: “Este é o meu sangue”. Nada mais eu poderia dizer a respeito da videira lembrando que tanto na civilização antiga, como na moderna a uva é símbolo de religiosidade e renovação.

As plantas os animais são seres orgânicos, vitais, portanto criação de Deus que nos ama, dando-nos a vida e a terra para a purificação. Destaco a videira em razão de memória efetiva e inspiração no Divino Mestre, no entanto a tudo devemos ser agradecidos e render graças a Deus, que através de suas luzes, a exemplo de São Francisco de Assis,  nos propõe: “Se tendes o amor, tendes tudo que se pode desejar sobre a Terra, possuireis a pérola por excelência, que nem os acontecimentos, nem as maldades daqueles vos odeiam e vos perseguem poderão arrebatar”.

 

 A PAZ ÀS MARGENS DO SÃO FRANCISCO

 

Que podemos fazer para a fim de promover a paz mundial? (Madre Tereza de Calcutá)

 

Tão serenas as águas do São Francisco em banho colorido; de certo estão dormindo, descansando para continuar a viagem ao seu destino quando raiar um novo dia. O seu destino é o nosso destino, sei disso, pois ele traz as canções das serranias e, de queda em queda, ganha a planície onde recolhe notícias dos gerais – as águas das veredas que brotam em murmúrio, sombreadas pelos buritis, que cantam no vagar de suave brisa; desce pelas valas abertas nos vãos, outras notícias elas trazem, depois de ter saciado homens e bichos do chão ou do céu, revelando-se como nosso mensageiro. Por que é o nosso destino? Se não vamos ao mar, nossos sinais deixados em sua água vão. Em sonhos ancestrais ou telúricos temos tanto com o mar. Origem? Moto perpétuo? É um momento de paz! Do encontro com o Criador inspirados, em oração, pela emoção que nos inebria, na “Hora do Ângelus” colocando-nos em sintonia com o divino que fluiu da alma no repicar dolente dos sinos. O São Francisco transmuda-se a cada momento no suave deslizar do Sol para o ocaso (não é o ocaso da vida, mas a viagem para buscar notícias do outro lado do mundo). As tonalidades de variedades calidoscópicas desafiam pinceis de artistas, lentes de poderosas máquinas ou modernos celulares. Mal passando por uma visão o quadro transmuda-se – as nuvens que caem mansamente no oriente, as manchas, que ainda restam escorrendo do ponto zênite e o espelho do rio que zanza em cores não antes captadas.

Os são-franciscanos guardam modo de se deleitar com o majestoso pôr do sol na cidade e, orgulhosamente, repetem: é o mais belo pôr do sol do vale. Pois é, amigos. Encontro-me  de olhar deitado nas águas seculares do nosso rio, no dia em que, para nosso conhecimento, ele completa 520 anos. Vejo-o tão belo. Mas o vejo, também, apensar sua magnificência e importância, tão desprezado, tão judiado, tão esquecido pelas autoridades, que deveriam, em nome do povo, dele cuidar. Qual o que, dói-me na invocação deles. Fico na saudade mnemônica, do imaginar como era, lembrando não apenas Américo Vespúcio, que ficou deslumbrado ao descobri-lo naquele distante ano dando-lhe o nome do santo do dia, muitíssimo apropriado considerando a região onde ele iria cumprir a sua missão milenar: São Francisco. Vejo um éden, imaginando o padre Azpilcueta, descendo o Mangaí até descortinar o Opará escorrendo entre mata fechada. Era um paraíso selvagem, formoso... E de um lado para o outro os índios em suas bibocas... Que abençoados somos por ter está dádiva de paz ao entardecer. Sim, falando-se em PAZ (o que tantos nos faz falta neste País conturbado pelos políticos) vem-se à memória a frase da Madre Tereza de Calcutá respondendo a uma pergunta ao receber o prêmio Nobel da Paz. Perguntaram-lhe: “Que podemos fazer a fim de promover a paz mundial?” Ela respondeu: “Voltem para seus lares e amem suas famílias”. Simples e profundo. Voltei feliz, como sempre, para o meu lar.

 

EU, A PALOMA E O INFINITO

 

A Natureza onipotente age segundo os lugares, os tempos e as circunstâncias... (Emannuel)

 

            Certa manhã, “logo depois que a Aurora, de dedos cor de rosa, surgiu matutina” (Homero), como  trivialmente, fui passear no meu quintal, e então fui agraciado com um quadro divino: uma paloma empoleirada na fiação de iluminação pública, solitária – como sempre se apresentam as pombas verdadeiras – com seu canto suave e lamentoso; e de fundo, bem fundo, o infinito. Emocionei-me por ser parte daquele momento, que me remetia à essência da Natureza: Deus.

Emannuel ensina que “A Natureza  onipotente age segundo os lugares, os tempos e as circunstâncias; ela é una em sua harmonia geral, mas múltipla em suas produções; diverte-se com o sol, com uma gota d´água; povoa de seres vivos um mundo imenso com a mesma facilidade com que faz eclodir o ovo depositado pela borboleta no outono.” E chama a uma viagem em sua extensão: “Ilhas de luz etérea, caminhos estelares, paragens suntuosas, onde Deus semeou os mundos com a mesma profusão que semeou as plantas nas pradarias”. Fechando os olhos quis viajar nesse mundo misterioso e, com os rastros das estrelas, pousar nas pradarias floridas embebidas de perfume paradisíaco. Instante da mais pura êxtase. Recordei-me, então, de uma citação de Rudolf Thiel em “E a luz se fez”,  sobre o pensamento do astrônomo Giordano Bruno em momento de arroubo celeste em suas descobertas siderais: “O Ente Supremo não se lhe manifestava já na Sagrada Escritura e sim em todas as coisas que havia criado”. De fato,  tudo na natureza harmoniza-se por leis gerais que não se afastam jamais da sublime sabedoria do Criador. Ali me encontrava diante de um quadro simples, mas revelador da grandeza do Criador: eu, um insignificante ser terreno e uma pequena ave de canto melancólico envolvidos pela abóboda celeste de azul profundo, tudo nos revelando que somos parte da Criação. Orar se fez preciso.

O filósofo Mário  Ferreira dos Santos discorre sobre a Natureza: “A ideia de uma existência que se produz, ou pelo menos se determina a si mesma, sem sua totalidade, ou só em parte, sem ter necessidade de uma causa externa.  A Natureza é concebida como um princípio vital, própria essência de uma coisa produzida”. Refleti, então, que no gozo da Natureza, nos mínimos detalhes – uma árvore frondosa, um riacho sonoro, uma pradaria coberta de flores e pessoas –  estamos próximos de Deus contemplando o que Ele produziu, pois tudo no Universo imensurável Ele proveu.

Nós homens pequeninos, um grãozinho de areia, tão inferiores a um micron, somos parte da grande obra. Rendamos graças ao Deus misericordioso.

  

QUEM É QUE ME TOCOU?

 


Cuidai das coisas lá de cima, não nas coisas que há sobre a terra (Colossenses).

 

            Despretensiosamente, dias atrás, dei-me com uma passagem bíblica que me emocionou muito e, de imediato, levou-me a algumas digressões. A frase  está em citação de Lucas, 8: 45-46. Narra um fato singelo, se não tomado em sua extensão. Uma pobre mulher que padecia de um mal incurável, fluxo de sangue, que não encontrara cura com médicos, tendo esgotado todos seus recursos. Soube ela da passagem de Jesus  onde ela morava e o viu, meio a enorme turba, passando pelo caminho. Com esforço aproximou-se dele. E o que fez? Tocou-lhe, com um dedo, o manto e, imediatamente curou-se do mal. Jesus percebeu e disse: “Alguém me tocou: porque eu conheci que de mim saía uma virtude”. Ninguém pôde respondê-lo e ele insistiu. Nisto a mulher se aproximou e postou de joelhos aos seus pés e se desculpou. Jesus, complacente, a ela dirigiu: “Filha a tua fé te salvou: vai-te em paz”.

            Esplendor de duas virtudes pregadas por São Paulo: fé e caridade. Deu-me a consistência do entendimento da missão de Jesus na terra: a Luz, a misericórdia de Deus revelando Seu amor aos homens. Tão excepcional foi o fervor daquela mulher acreditando que com um simples toque no manto de Jesus seria curada; e Jesus, ao sentir a virtude desprendida dele: a caridade. O amor que resume inteiramente a doutrina de Cristo. Que melhor poderíamos ter buscando Jesus?

            Nada mais precisaria ser dito. Mas refleti: não estamos vivendo um tempo em que se faz necessário ressaltar a presença de Jesus iluminando nossa seara? Nisso, lembrei-me de uma pregação do padre Leo (um santo homem) inspirado em Colossenses, concitando-nos: buscai as coisas que são lá de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. “Cuidai das coisas lá de cima, não nas coisas que há sobre a terra”.

            Então encontramos força, especialmente em espírito – pois é através dele que podemos chegar ao Pai, não em matéria. “Encontrar uma meta e manter o passo firme em direção às coisas que estão no Alto é próprio daqueles que sabem superar os desafios e que não se deixam abater diante das dificuldades. Para aqueles que não querem parar nem desanimar diante dos problemas, é preciso continuar!” – Pe. Leo.

            O que vamos levar carimbado, em nossa vida na terra, para depositar aos pés do Criador como legado de uma vida que se passou, da qual nada fica para merecer refrigério na vida espiritual? Tenho  certeza, como tantos brasileiros, sem querer fazer qualquer juízo, mas na reflexão do que vejo e sinto, que  em nosso sofrido País, muitos políticos e magistrados  estão agarrados aos bens temporais, carimbando o perverso que, certamente, não serão propícios ao Criador. Serviria de consolo? Não, seria de imensa tristeza.

  

POEMAS

 

NAMORO A LUA

Lua, por que me olhas tanto

Viajando no céu do meu universo?

Feliz me rendo ao teu encanto

Encontrando-me em sonho imerso

 

Tu  serena no passeio, etérea

Pareces, a mim  apaixonada

E fico a cada mês à tua espera

Viajando na trilha celeste prateada

 

Eu penso que me olhas, então

Pois não me escapas ao olhar

Sinto até que sou teu namorado

 

Deveras, tens meu coração

Contigo por tempos posso viajar

Parte de tua jornada embriagado

 

A Lua vista do jardim de Gisele e Renato no encontro  feliz do aniversário de  casamento deles, dia 5.2.2022

 

O QUE É A REALIDADE?

 

Aquelas não são as estrelas refletidas no lago

São sombras de estrelas que dormem ali há muitos séculos (Robert Hilles)

 

O que vejo hoje no céu já não existe

O brilho das estrelas é de tempo passado

A iluminância do caminho de Santiago

Como a luz do Sol, não é deste tempo

 

A brisa que serena e suave nos beija, foi...

A água do rio que passa, não volta jamais

Os bons e maus momentos também passam

O relógio do tempo aponta para o amanhã

 

As fotos que guardo são lembranças

Lembranças de tempos passados

Que alimentam tão viva as saudades

No olhar velado é de tempo passado

 

Então, se tudo do cotidiano passa

Vivamos com intensidade o momento

Tendo no coração que na vida tudo passa

O momento é a porta do amanhã

 

 

LOUVOR E LAMENTO

 

 I -  Ode à alegria do que veio;

II - Ode à tristeza do que não veio.

III – Ode à reflexão

 

“... se o homem não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”  João 3:3

 

 

Hosana! Ao criador do Universo rendo graças!

O principio das coisas está no segredo de Deus.

Hosana! Ao Senhor o dom da vida, rendo graças

Eis porque sou partícula ínfima do Seu mistério.

E me vem, então, perguntar por que eu nasci?

Benfazejo por uma mulher  me fiz homem.

Ela me guardou em seu ventre velado de amor.

Se pela vida rendo graças ao Senhor  Criador,

Foi por meio dela que me tornei parte do mistério

Foi ela o templo abençoado da minha vida.

 

II

 

Eis que outro plano na vida me destampa...

Então choro pelas sementes não vingadas

Choro pela expectativa de uma alma sem um corpo

E mais choro ao descerrar a cortina da negação

Ato de desobediência ao plano do Criador.

No plano dos homens, contrariando a Natureza

Ao que seria não foi dado deliberar seu destino

O que foi plantado, não viveu o primeiro pulsar

Por ele decidiram que não teria o direito de vir

Quem, senão Deus, pode decidir o direito à vida?

 

III

 

 

Ao nascer, o grito que escapa da criança

anuncia que ela se conta entre os vivos e servidores de Deus.

A união da alma com o corpo começa na concepção,

mas não se completa senão no momento do nascimento.

 

 

 

IMPERMANÊNCIA

           

                                                       

Da sabedoria oriental veio-me o conhecer:

Que em cada momento  é preciso viver

A busca da perfeição para o qual tende o devenir

            A essência da vida intensamente usufruir.

     Sou ínfima parte do mistério da dádiva do Criador

     Pequenino, mas tenho Sua graça e o seu  Amor             

     Na trajetória pelo espaço sideral de  uma ida

            Que em voo perpétuo se desprende

E em novos campos ganhar uma nova vida

            Inaugural que do passado se despede.

 

Tenho então, numa passagem, um  momento

            Em que me ocorre um fulgaz pensamento

Encontrando-me  à beira do meu  rio, inebriado

            Mergulho os olhos nas águas em movimento

       Vejo que elas passam e que não as verei jamais.

      E ainda, que nem o  meu momento terei mais

      Não voltarão aquele rio e o meu momento

Acabou. Tenho a compreensão do transitório.

A impermanência é a chave do meu pensamento

Naquele momento não volto, nem o rio.

 

MALU

 


Sorrisos, beijinhos e palminhas

Nossa aurora cor de rosa despontou

Tantas vidas cobrindo de alegria

Em um passeio angelical

 

Uma estrela em nosso universo

Figurinha prendendo olhares

Raio de luz, suave canção

Encantando o nosso cantinho

 

Sorrisos, beijinhos e palminhas

E o balbuciar como música

Olhinhos puros e brilhantes

Descortino da vida que chegou

 

É ela, nosso mimo!

É MALU!

 

Passagem da bisneta Malu (Larissa e Rodrigo) em nossas vidas, apenas dois dias, mas valeu pelo imenso contentamento;

 

 

ANALUA

LUA

ANA

ANA

LUA

 

Brincava eu com  palavras do meu dia a dia

Em uma noite de céu bordado de estrelas

Então vi em ponto brilhante no  zênite

Cintilar de uma luz vinda do orto dos astros

Ela cresceu na passagem entre  estrelas

Trazendo lembranças do universo de Deus

E chegou ao nosso mundo  encantado

Transluzindo como as cores do arco-íris

Cintilante como diamante caleidoscópio

Ora viva! Entoaram vozes em festa.

 

A suave luz, enfim, se fez sementinha

Iluminou e agraciou o ventre de uma mulher

Uma esperada vida se anunciava, então.

Exulta o jovem pai que já namorava a lua

Dos astros a mais serena e cantada

O jovem casal então, docemente, proclamou:

É preciso dar a essa luz uma graça

Mais graciosa ela ficará em no novo mundo

Na sua jornada terrena terá uma amiga: Ana

Ela chegou ao convívio do nosso mundo

Então todos proclamaram: Ave! Temos Analua!

 

À bisneta Analua (Giovanna-Gustavo) dos mistérios da vida, inaugurada  dia 17 de dezembro.

 

 

ONDE ESTOU

 

Céu, Terra, Água:

Elo secular da vida

No espírito eterno de Deus

É  o nosso universo. Manas:

O vir e o ir nos eflúvios

Que nos sintonizam

Muito além do  pensamento.

Então, o que vejo e sinto:

Campos rasgam horizontes,

Neles flui meu espírito

Duende passeando no tempo.

A natureza verde balança,

Flores miúdas esvoaçam-se,

O ar inebriado fica de perfume.

Na orla de trilha rumo de veredas

Vicejam canteiros de ciganinhas;

Peço licença às abelhas que libam

Para ter na mão a rubra flor;

Em cantigas dos gerais

Balançam as palmas buritizais,

Pouso dos alados modo vestal.

Deles o alarido leva a brisa,

Desperta os gerais no encantamento.

A deidade assume minha alma,

Nas asas soltas o espírito se liberta

Mergulha feliz no Empíreo.

 

JNM 28.12.2022

 

 

AS ESFERAS E O HOMEM

 

Na visão do etéreo a terra é uma esfera azul.

Olhando de baixo, a lua é uma esfera prateada

E o sol uma esfera brilhante  e dourada

No olhar da terra é outro o panorama

Ela não é exatamente bela e  redonda

Geoide é seu corpo  a poucos dado ver

O que se sabe dos cumes do Everest

Da misteriosa Fossa das Marianas?

Cordilheiras enrugam sua superfície

Valas profundas rasgam o seu solo

Colossais oceanos gravitam profundezas

Calotas de gelo enterram seus polos

Dourada areia cobrem leitos de campos áridos

A exuberância é exibida no verde das matas,

Parte por  parte nosso habitat é formoso,

Mas ao apreciar o todo, sem olhar espacial

É possível de se ver  um triste cenário.

 

O modo de ver e sentir o que nos cerca

Também leva a sentimentos  diversos.

É o que acontece com muitos homens,

Que à distância têm impressionante imagem,

Chamam a atenção e todos os admiram

De perto, contudo...

Eles têm boas palavras e riqueza de ideias,

Que em verdade nada têm de real.

Ensina o Tantra:  é perigoso ficar apegado a elas:

As palavras têm tendência estreita e limitada

 

Não se iludam com o brilho prateado

Nem se encham de êxtase com o dourado,

Menos ainda com  o azul  fictício,

Ao contemplar muitos homens.

Que como as palavras, são apenas cores.

Que sem a luz perdem a expressão.

 


NO TÚNEL DE DEUS

 


Não, não era uma estrada usual;

Não, não era tão somente um caminho;

O que suscitava a minha emoção

Com o olhar contemplando um túnel,

Formosa e viridente aleia  do homem não plantada.

Fluindo em espírito por árvores tantas  em fila

Senti o  abraço amorável da natureza

Colhido na emoção sentindo a presença de Deus

Graça espargindo ondas verdejantes na pradaria

Margens enfeitadas de colchões de gramas

No brilho esplêndido do sol vespertino.

Não, não era uma simples estrada.

Era de fato um túnel, o abraço da natureza,

Era, dela, um altar  erigido à paz

Trazendo aos nossos  olhos e ao coração

A magnificente imagem  Deus

Que se revela em todas as coisas que Ele criou.

 

Cenário: trecho da rodovia São Francisco – MOC entre o aeroporto e Croá

 

ENCONTRO DE ALMAS FELIZES

 

 

 



Poesia. Música. Compasso.

De suave cadência ao madrigal

A mente se abre à palavra

E o audível revela o inaudível

Dissolvendo-se a poeira etérea

Das coisas rudes e palpáveis

Revelando-se o enigma de Orfeu

No seu canto de amor à amada

Se Plutão e Plutarco em suas eras

Se  renderam aos Hinos Órficos

O que se diria de nós, hoje

Quando sob  céu escampado

Elevamos felizes nossas almas

Na transmigração nos tempos

Que na peregrinação são eternos.

E felizes, tanto, entrelaçamos sonhos

Abraçamo-nos no altar da irmandade

A poesia, a música levam à libertação

De tanta e sofrida aflição anunciada

Esquecidos, leves no ar, soltos

Abraçados haurindo os dons do Criador

A poesia. A música, o Compasso

Harmonia do Universo revelada

Como é bom cantar o Amor

Que refulge reluzente num abraço.

 

Um tributo à amizade: sarau reunindo Dudu (violão e voz), Creuza, Beatriz, dr. Francisco, Jandirinha, Edilton e  João Naves (vozes); Emannuel (caron acústico) Vilma, André, Julinha (a tenente), Rachel, Allan (mestre do churrasco) Maria (a graça pueril; Nádia corolário da confraternização.

 

SOLITÁRIO E O RIO

 

 

Solitário pensa o rio

Esquecido na placidez

Das águas que buscam o mar

            Pensa ser ancorado ali

     Com o ideal de viajar além

     Inda que raízes do sentimento     

     O prendem mais nas barrancas

          Solitário embevecido no belo

Na serenidade que inspira o rio

            Vai, de pensar, mas fica ali

 

O JATO

 

Jato numa manhã de chuva

De sua passagem ficou o sonido

Reverberando sobre colchão volátil

Rápido, tão veloz à linha do horizonte

No ponto, é certo, do seu destino;

Passou e deixou sua canção no etéreo

E naquele momento de fusão

Em raiz na terra plantado, sem ir,

Revirei sentimentos esquecidos

Com o corpo não vivo  a viagem

Mas no sonido de sua passagem revivo

Vem-me  a sensação de sentida saudade

Mas de quê?

 

 

SONHO

 

Um olhar

Maneio de corpo

Sorriso de Madona

Mão acenando

Nenhuma palavra

Seria um chamado

Meiguice

Foi um sonho

 

 

 

PAINEL DO MÊS DE AGOSTO    

 

Qual manto de sisudez

O cinza tinge o sertão.

Árvores e árvores ressequidas,

Galhos tortos desfolhados

À míngua de chuva/vida.

Há de se ter o prenúncio da Primavera.

 

Não por encanto, por esperado,

O amarelo como gotas de ouro

Surge rendando o teto do sertão;

De espaço em espaço pingado

Reluz o sol em brilhantes ipês

O festival do amarelo.

 

Outras floradas ganham exuberância:

A caraibinha, da branca à roxa;

A sucupira preta vestida de roxo.

Há de se ter e o perfume exalar

Da branca flor da sambaíba,

De cálice aberto aos beijos das abelhas.

 

De tronco mais fornido, como rei,

Mais espaçado, o pequi abrindo-se

Em flores brancas e tão suaves,

Promessa de riqueza no sertão.

Na beira do rio o pajeú

Vestindo-se de flores verdes.

 

AGOSTO! Ainda sem chuva

Anuncia-se a Primavera

Sertão: cerrado, mata seca, barrancas

Tudo seria infinitamente durável

Não fosse a ganância de homens

Que por dinheiro destroem um paraíso

 

A natureza resiste! Agosto se repete!

Por obra de Deus sempre se repetirá!