LUZIA LUSTOSA FERREIRA – UMA VIDA DEDICADA À FAMÍLIA
Numa manhã de sábado, eu e o Dr. Elmiro Ribeiro Júnior chegamos a uma vetusta casa na avenida Olegário Maciel, que guarda muito da história de São Francisco – é a casa dos Ferreira. À entrada, no alpendre, uma pintura com paisagem ribeirinha, tomando boa parte da frente. O alpendre é trabalhado em madeira, com linhas gregas enfeitando o beiral do telhado; e, por fora o frontispício da casa é todo ornado artisticamente com molduras de massa. O assoalho e o forro, todo de madeira trabalhada, são resquícios das antigas e belas residências do começo de século.
Fomos amavelmente recebidos por dona Luzia Lustosa Ferreira, esposa de dr. Manoel Ferreira, político e ilustre advogado que militou com brilhantismo por décadas na comarca de São Francisco, granjeando respeito e fama além fronteiras.
Dona Luzia é oriunda do estado do Piauí, que tantas famílias mandou à São Francisco do início do século XX. Nascida em Bom Jesus Burgueia, em 1915, filha de Genésio Lustosa Ferreira e Aurora Cavalcanti. Aos 13 anos casou-se foi morar em Pilão Arcado. Com o falecimento do marido, ainda moça veio com a mãe para São Francisco, onde conheceu dr. Ferreira, então prefeito da cidade. Logo se uniram. O casamento foi celebrado pelo padre José Ribeiro, na casa descrita acima – dr. Ferreira a comprou de Joviniano Figueiredo, mandando reformá-la ao modo como está hoje.
Dona Luzia lembra do mestre carpinteiro – esqueceu o nome, mas tem na memória a sua figura, pois era um grande artista, apesar de ter apenas uma mão. O padre Ribeiro levou a imagem de São José, padroeiro, da cidade, para compor o altar, no interior da casa, onde se celebrou o casamento, tendo como padrinhos o coronel Oscar Caetano e dona Alice Mendonça.
São Francisco era uma cidade muita pequena, lembra dona Luzia. Tão pequena que era mais comum dizer que suas ruas eram becos. O beco que vinha da praça para o rio. O beco que ia da hoje rua Montes Claros à rua Silva Jardim. O beco que levava ao comércio dos Gangana, na barranca do rio São Francisco – um grande comércio da época. Era tudo casinhas e becos. Na praça, hoje Centenário, existiam poucas casas – casa de dona Antônia, onde hoje mora dona Alzira, casa do pai de Edinho Ribas.
A vida de dona Luzia foi a responsabilidade do lar, criar e educar os filhos e cuidar das fazendas. Dr. Ferreira, advogado muito solicitado, estava sempre às voltas com as causas jurídicas e políticas. Dona Luzia cuidava dos negócios. Passava tempos na fazenda Capitólio, onde tinha uma boa casa. Outras vezes na fazenda Sumidouro, cuidando do gado e das plantações. Só voltava à cidade depois da colheita. Lembra que, naquele tempo, chegava a mandar mais de sete carros-de-bois com mercadorias para a cidade – arroz, feijão, farinha, tapioca, cebola, alho, toucinho e linguiça, era tudo descarregado no depósito de Sinval Nunes, no outro lado do rio, e transportado depois em canoas para a sua casa.
Do primeiro casamento, veio-lhe Mariinha. Do casamento com dr. Ferreira, os filhos Newton (advogado em Januária), Émerson (falecido aos 10 meses), Hamílton (falecido aos 11 meses), Wilson (advogado, falecido), Edna, drª. Clio-Nícia, Neide e dr. Marco Aurélio. Lembra dona Luzia que, por ocasião da doença dos filhos que perdeu, teve toda assistência de dr. Oseas Pimenta, médico da época. Não havia hospital na cidade, ele atendia num pequeno consultório e nas casas. Os medicamentos não tinham a eficácia como osde hoje e, por isso, o médico tinha que fazer milagres. Dr. Oseas foi padrinho de drª. Clio-Nícia.
No princípio, a vida era difícil para Dona Luzia e para os filhos. Eles ficavam na cidade durante a semana, para poder frequentar a escola, e nos finais de semana iam com dr.Ferreira para a fazenda – a cavalo ou a pé, pois naquele tempo não tinha automóvel. O que ela não descuidava era da boa educação e formação dos filhos. Durante cinquenta anos, dona Luzia manteve o fornecimento de leite a granel, o que era feito na casinha ao lado de sua residência – quantos são-franciscanos foram seu fregueses.
As festas de São Francisco sempre foram muito boas, principalmente na Associação Amigos do São Francisco. Ao lado de dr. Ferreira, ela sempre se fazia presente, acompanhando as filhas que gostavam de se divertir e não perdiam uma festa.
Hoje aos 83 anos, dona Luzia leva uma vida reclusa. Desde a morte do companheiro, não mais saiu de casa. Fica a cuidar das plantas e da cozinha, prepara a alimentação dos filhos, e,de quando em quando, ainda faz pratos para festas beneficentes a pedido deles. Altiva, com um semblante sereno e muito lúcida, ela mantém por horas um diálogo com seus visitantes, só não mais prolongando porque precisa dar assistência na cozinha, o que lembrou com muita educação.
A vida de dona Luzia é um capítulo muito representativo na história de São Francisco. Esposa e a mãe segura, que acompanhou dr. Ferreira ao longo de sua formidável vida de bacharel, professor e político. Segundo ela, o marido veio para a cidade a convite de políticos da época, para advogar. Acabou se integrando à vida de São Francisco como um verdadeiro filho da terra, aqui fincando profundamente as suas raízes. Foi um cidadão ilustre e partícipe da vida jurídica, social e política da comunidade, vivendo intensamente todos os momentos, alegres e cruciantes, marcando sua passagem como um expoente cultural e com passagens históricas numa época em que falava mais alto a intolerância.
João Naves de Melo
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