Em 2002 encontrei-me com um vazanteiro no antigo porto de travessia do rio São Francisco à espera do momento de embarcar na lancha. Estendendo o olhar ao rio minguado de água, e com muitos bancos de areia quis saber dele, com seus anos vividos nas vazantes, o que achava daquela situação. Com o olhar distante, talvez buscando boas lembranças do rio, ele falou: “Nos tempos de mais água, ao chegar a seca, nos barrancos dos córgo a gente via a salimora escorrendo. Hoje, quando vem a seca, o barranco fica mais seco e o rio tomem , tudo vira areia só”.
Registrei sua observação no livro do Cerrado às barrancas do São Francisco, que editei no mesmo ano com o vaticínio de um barranqueiro: “– Meu filho este imenso trilho de areia que suas vistas hoje comtemplam, outrora foi um majestoso rio o mais importante do Brasil, o então falado rio da unidade nacional”. Neste livro registrei ocorrências de devastação do cerrado, a negligência de governantes e da sociedade em relação à bacia do rio São Francisco.
Nesta semana, eu e o Guilherme Barbosa examinando fomos verificar a situação da travessia do rio e o que vimos é estarrecedor. Diante de nossos olhos estendiam-se enormes bancos de areia e até o orto de uma ilha por onde em poucos anos atrás navegavam as lanchas na travessia. Registramos que o tempo gasto na travessia pode chegar até 4 horas. Com a espera e embarque. Acompanhamos o trajeto de uma das lanchas (são duas em serviço) num percurso de quase mil metros descendo até às proximidades do Clube Campestre Carquejo, voltando em sentido contrário ao porto do outro lado. Atualmente é o que ainda é possível, mas pode transformar-se muito mais complicado, e quiçá provocar uma paralização da travessia, pois não há, daquele ponto até o bairro do Quebra, nenhum ponto adequado para construção de um porto. Anos atrás o porto de travessia na margem direita era no Quebra. Com o tempo e a construção da rodovia da Ruralminas, passou-se para um ponto mais acima, local que ficou conhecido como Porto da Lavina. Era um sítio agradável, ponto de encontro de amigos aguardando a hora dos embarques para “botelhar” (bater papo), como dizia Zé David Botelho, que perdia horas alisando bancos das barraquinhas. Na atual situação sobra tempo para conversar, mas como a vida corrida a demorar na travessia tem provocado muita confusão exigindo-se até mesmo a presença policial.
O assunto é a situação do rio. Propomos fazer uma sucinta análise dela que, certamente, não interessará a governantes (maiores responsáveis por tal situação pela negligência em relação ao rio) e setores da sociedade que vivem noutro mundo. O registro mister se faz pois o futuro....
O RIO SÃO FRANCISCO HOJE – II
No mês de maio de 2017 enfrentamos uma situação quase idêntica à de hoje quanto à travessia do rio. Aconteceu no porto antigo, conhecido como da Lavina, quando um enorme banco de areia cerceou a navegação das lanchas. Inicialmente, valendo de enorme escavadeira foi aberto um canal na área mais rasa do banco de areia. O rio continuou vazando exigindo-se novas escavações o que se tornou impossível aprofundar o canal posto a escavação ter atingindo um leito de pedras. A ameaça de paralização da travessia ficou sem solução à vista. Diante da gravidade da situação o então secretário do Meio ambiente do município, com apoio do Codema e CBHSF9 examinou a possibilidade de improvisar uma passagem pelo banco de areia o que exigia a construção de um pequeno aterro entre barranco e o banco de areia sobre um remanso com a largura de 3 metros utilizando-se o material extraído do próprio rio. Dali para frente a pista de rolagem dos veículos fluiria sobre a areia até atingir o canal navegável do outro lado. Medida preliminar foi solicitar a autorização a órgãos competentes para realizar a intervenção. ANA, Ministério de Minas e Energia, Igam, Marinha e Ministério Público foram consultados e todos declinaram da competência sobre o caso. O problema de agravava, dezenas de veículos de toda natureza formavam filas no porto da outra margem, entre eles ambulâncias e transporte escolar. Na margem direita acontecia o mesmo, um enorme prejuízo.
Ousadamente o Codema, em vista da emergência, assumiu a competência autorizando a realização da obra que, mal iniciada foi barrada pelas Polícias Militar e Ambiental acionadas por denúncias, que viam nela uma agressão ao rio sem, contudo, examinar as causas humanitárias e econômicas que exigiam a providência. Prevaleceu o bom senso e a obra foi autorizada normalizando-se, assim, o movimento da travessia que fluiu com rapidez e sem transtorno.
Neste ano a situação é mais grave. O banco de areia é gigantesco, muito mais extenso, estendendo-se do porto às proximidades do Clube Campestre Carquejo, quase mil metros de descida e outro tanto de subida para atingir o porto da margem esquerda. Tentou-se abrir um canal. Foi iniciada a obra, paralisada por enquanto.
Sem solução imediata, a travessia complica-se a cada dia com o imenso risco de ser paralisada. Aí, pergunta-se: e a ponte? Uma velha promessa política, que se arrasta durante anos. O pior e mais grave, contudo, é a situação do rio São Francisco extremamente seco ainda no primeiro semestre do ano, mais soterrado que antes. É o que examinaremos em capítulos subsequentes.