sábado, 7 de julho de 2018

CANTINHO DA POESIA


SE O TEMPO NÃO PASSASSE
                    João Naves de Melo



Se o tempo não passasse.
Se pudéssemos parar
somente naquilo que fosse agradável
e desse prazer;
se o tempo não tivesse de correr
e se fosse possível detê-lo
apenas no que nos fosse aprazível,
seria tão bom. Impossível.
E a lição vem de tão longe,
vem marcada através de milênios,
de profetas a profetas;
sábios a sábios
e até mesmo no saber
do homem simples do campo.
Ensina o Eclesiaste
 - há tempo para tudo.
 Ora, então é conformar
e agradecer pelos bons momentos
ou, então, alimentar a esperança,
quando se enfrenta as tormentas,
olhando na linha do horizonte
para enxergar um raio de luz.
Eu, se pudesse,
estaria até hoje no Urucuia,
aprofundado nos gerais,
mergulhado nas verdes e frescas veredas,
sorvendo a água pura nas locas
que cantam acompanhada,
a sua canção do frufrau
das ramagens sopradas pela brisa.
Deitar na relva, com a barriga para cima,
para que os olhos se perdessem
no mais profundo céu,
um abismo azul sem fim, sem fim
e às vezes pintado de nuvens brancas
que ganham formas diversas
conforme o vento.
Se pudesse queria estar
cortando trilhas brancas
no pelo de um burro de bom andar,
com o vento soprando na cara
as notícias do campo,
vindo sabe-se lá de onde
- ali, tão escoteiro,
pensando, sonhado, cantarolando
e com saudades da amada
ou do que não tive.
Estar debaixo da abóbada celeste
em noites estreladas
- no sertão existem mais estrelas
do que qualquer parte do mundo;
ou então na espera
da chegada da lua cheia
 - que sensação prazerosa, divina:
chega, primeiro, uma brisa suave,
fresca, que vai acelerando...
é o sinal; depois um leve clarão
atrás da mata, é o berço dela;
a brisa cresce e as copas das árvores
são delineadas com mais ver,
com mais luz.
De repente, elevada por mãos carinhosas,
surge uma coroa, um tanto mais,
e o corpo resplandece de cheio.
É prata pura!
Segue o seu destino, o seu caminho,
subindo, desliza para a parábola 
deixando o berço e faz com que
toda o cerrado se cubra de prata.
A gente pode enxergar mais longe,
através de uma luz frouxa, diáfana
- é o ver e não ver sem maltratar os olhos.
Se pudesse queria estar mergulhado
no Ribeirão da Conceição,
perto da loca do surubim dorminhoco,
ouvindo seu ronco e, dali, depois,
descansar numa areia branca, macia,
à sombra de uma moita de surucaba,
tendo ao fundo o capão de angicos
e, lá na grimpa acompanhar
as estripulias dos barbados.
 Se pudesse queria estar
Na boleia do caminhão Ford Francês,
Meu companheiro de tantas jornadas,
zunindo nas estradas arenosas
para ter o vento batendo na cara,
com cheiro gostoso do mato
e, de quando em quando
- se fosse o tempo -
o perfume da caraibinha;
atolando em bancos de areia,
ou nas entradas dos rios;
cruzando pontes perigosas,
mas viajando, viajando, sem ontem,
hoje ou amanhã.
                                   Se pudesse... se pudesse.
Esse foi o meu tempo, meu universo.
Não posso voltar, mas posso levá-lo
e, repensando cada momento dizer:
como fui feliz.
Se pudesse...




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