SE O TEMPO
NÃO PASSASSE
João Naves
de Melo
Se o tempo não
passasse.
Se pudéssemos
parar
somente naquilo
que fosse agradável
e desse prazer;
se o tempo não
tivesse de correr
e se fosse
possível detê-lo
apenas no que
nos fosse aprazível,
seria tão bom.
Impossível.
E a lição vem de
tão longe,
vem marcada
através de milênios,
de profetas a
profetas;
sábios a sábios
e até mesmo no
saber
do homem simples
do campo.
Ensina o
Eclesiaste
- há tempo para tudo.
Ora, então é conformar
e agradecer pelos
bons momentos
ou, então,
alimentar a esperança,
quando se
enfrenta as tormentas,
olhando na linha
do horizonte
para enxergar um
raio de luz.
Eu, se pudesse,
estaria até hoje
no Urucuia,
aprofundado nos
gerais,
mergulhado nas
verdes e frescas veredas,
sorvendo a água
pura nas locas
que cantam
acompanhada,
a sua canção do
frufrau
das ramagens
sopradas pela brisa.
Deitar na relva,
com a barriga para cima,
para que os
olhos se perdessem
no mais profundo
céu,
um abismo azul
sem fim, sem fim
e às vezes
pintado de nuvens brancas
que ganham
formas diversas
conforme o
vento.
Se pudesse
queria estar
cortando trilhas
brancas
no pelo de um
burro de bom andar,
com o vento
soprando na cara
as notícias do
campo,
vindo sabe-se lá
de onde
- ali, tão
escoteiro,
pensando,
sonhado, cantarolando
e com saudades
da amada
ou do que não
tive.
Estar debaixo da
abóbada celeste
em noites
estreladas
- no sertão
existem mais estrelas
do que qualquer
parte do mundo;
ou então na
espera
da chegada da
lua cheia
- que sensação prazerosa, divina:
chega, primeiro,
uma brisa suave,
fresca, que vai
acelerando...
é o sinal;
depois um leve clarão
atrás da mata, é
o berço dela;
a brisa cresce e
as copas das árvores
são delineadas
com mais ver,
com mais luz.
De repente,
elevada por mãos carinhosas,
surge uma coroa,
um tanto mais,
e o corpo
resplandece de cheio.
É prata pura!
Segue o seu
destino, o seu caminho,
subindo, desliza
para a parábola
deixando o berço
e faz com que
toda o cerrado
se cubra de prata.
A gente pode
enxergar mais longe,
através de uma
luz frouxa, diáfana
- é o ver e não
ver sem maltratar os olhos.
Se pudesse
queria estar mergulhado
no Ribeirão da
Conceição,
perto da loca do
surubim dorminhoco,
ouvindo seu
ronco e, dali, depois,
descansar numa
areia branca, macia,
à sombra de uma
moita de surucaba,
tendo ao fundo o
capão de angicos
e, lá na grimpa
acompanhar
as estripulias
dos barbados.
Se pudesse queria estar
Na boleia do
caminhão Ford Francês,
Meu companheiro
de tantas jornadas,
zunindo nas
estradas arenosas
para ter o vento
batendo na cara,
com cheiro
gostoso do mato
e, de quando em
quando
- se fosse o
tempo -
o perfume da
caraibinha;
atolando em
bancos de areia,
ou nas entradas
dos rios;
cruzando pontes
perigosas,
mas viajando,
viajando, sem ontem,
hoje ou amanhã.
Se pudesse...
se pudesse.
Esse
foi o meu tempo, meu universo.
Não
posso voltar, mas posso levá-lo
e,
repensando cada momento dizer:
como
fui feliz.
Se pudesse...
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