ÉRAMOS DOZE
Os doze na viagem para instalar o Núcleo Colonial Vale do Urucuia |
Éramos
doze! Juntos nos vimos, em dia distante, no meio de uma clareira entre a serra
da Conceição e o ribeirão da Conceição de olhos num rancho de palha que seria
nossa moradia no sertão inóspito apenas com uma motivação especial: conhecer as
veredas tropicais e bater de frente com as morenas de olhos verdes. Às vezes,
em noites escuras, rodeávamos uma fogueira assando ubre de vaca, cantando
Uchained Melody, Inamorata, Índia, Boneca Cobiçada. A gente ria feliz naquele
recanto esquecido, perdido na geografia mineira, espalhando alegria. E foi que
demos por conta como levamos o élan do idealismo cultivado nos bancos da
escola-mãe exercitando-o com exuberância, na força que explode na natureza
chegada a Primavera. Era, então, o nosso mundo e passamos vivê-lo com
intensidade na crença de estar criando um mundo novo naquele sertão esquecido.
Éramos doze! Vivíamos um mundo de novidades e encantos,
vistos nas coisas mais simples a qualquer olhar. Quem poderia admirar o rio
Conceição com seus meandros, águas claras, praias de areia brancas, brilhantes
como a neve, sombreado pelas copas do pajeú, e com esconsos onde dorme o
surubim? Quem poderia ficar parado diante de um capão de angicos só para
assistir, em suas densas copas, às
estripulias dos barbados depois da colheita de milho na sua roça? Quem poderia
contemplar extasiado o despontar da lua no fundo do capão de angicos precedido
de suave brisa? Quem poderia contemplar os raios da lua cheia mais subida aos
céus infiltrando nos ranchinhos entre as palmas de buriti da sua cobertura?
Quem poderia resvalar nos imbés despontado de frestas de lajes da cachoeira do
Conceiçãozinho de águas puras e cristalina, que no correr dos séculos como
paciente arquiteto lapidaram piscinas e canais de belezas incomuns? Quem
poderia se aventurar no universo/cerrado resvalando-se entre árvores tortas,
umas floridas e perfumadas? Quem poderia, naqueles gerais, acompanhar a
carreira de emas buscando esconderijo para suas crias? Quem poderia pousar à
entrada de uma vereda, descansar os pés na sagrada água do sertão, ouvir a
canção das palmas sopradas pela brisa do cerrado e entreter-se com a algazarra
de araras e jandaias em busca do fruto vermelho do buriti? Quem poderia
estancar o burro à porta de um humilde ranchinho de pau a pique e coberto de
palha e ser recebido com generosidade pelo morador que não tendo nada, com um
sorriso dá as boas-vindas e oferece água, e dele ouvir tantas histórias nunca
antes contadas? Quem poderia estar em um lugar esquecido, isolado, inóspito,
distante, sentindo que estava no centro do mundo, construindo uma
história? Quem poderia estar abrigado em
um rancho com tapumes de palha de arroz e coberto com palmas de buriti, piso de
chão batido, achando, assim mesmo, que estava morando em um palácio? Quem
poderia viver na isolada fazenda Brejo
Verde, cercada de lobeiras, assentada em
terras secas cobertas de pedregulhos –
de verde só tinha a certeza de
ali acender a luz da esperança, do amanhã no coração de crianças? Quem
viveria na planície à beira do Riacho Morto na erguida fazenda Cabo Verde, em
terra perdida no tempo e isolada para levantar uma escola e levar esperança
para crianças e gente então abandonada? Quem veria o corredor de pedras no alto
da Serra da Conceição, parte da lenda de Joaquina, matriarca que primeiro fez a história da fazenda
Conceição? Quem poderia sentir arrepios e se emocionar diante das ruinas do
casarão de dona Joaquina e da ermidinha
que inspirou Manoel Ambrósio a escrever o romance A Ermida do Planalto narrando
a saga de dona Joaquina? Quem poderia, por tempo e no tempo correndo, viver,
conhecer e compartilhar a vida de urucuianos, homens, mulheres e crianças que
não tinham nenhum contato com a civilização, que viviam em mundo isolado, sem
estradas, sem qualquer assistência; homens que em situação mais desvantajosas
que a dos índios, tinham que inventar a vida para viver? Quem poderia tirar
lições de vida da vida dessa gente e com eles aprender? Quem poderia com eles
cantar versos narrando fatos daquele universo, nos ternos de folia ou a beira
de uma fogueira?
Assim
éramos os doze no começo de uma grande missão. Juntos por bons tempos vivemos e desfrutamos daquela alegria. Depois, por
contingências do trabalho, fomos divididos em células – no próprio universo e
fora dele. Contudo a alma de cada um ficou presa, adormecida no Urucuia e no
coração entrelaçado de cada um dos doze, eram irmãos.
A fogueira arde. Apenas ela o luzeiro na imensa
escuridão. Crepita! Estrelinhas acendem-se ao céu bordado de estrelas siderais.
De repente, meus olhos percebem seis estrelas mais luminosas desgarrando-se do
nosso universo. O que veem meus olhos sensibiliza minha alma, sou tomado pela
emoção e imensa dor, pois ali vejo que não somos mais doze. Seis estrelas que
se desgarram do nosso mundo são seis dos nossos irmãos que se encantaram.
Éramos
doze. Os Doze Bandeirantes do Urucuia.
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